18.3.24

Pássaros

 


Kiwi com pernas e bico feitos de ouro, corpo de ágata fumada e os olhos são rubis. São Petersburgo, 1899-1903.
Joalheiro: Michael Perkhin para Casa Fabergé.

Daqui.
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Cinco notas sobre as eleições legislativas

 

«É, sem dúvida, uma dolorosa e paradoxal coincidência estarmos a celebrar os cinquenta anos do 25 de Abril numa conjuntura marcada pelas mais sérias ameaças à democracia social e política desde a queda do regime fascista. Esta é uma situação que exige às esquerdas portuguesas concertação e diálogo para agir em conjunto, para defender o essencial, para abrir caminhos novos. A primeira ocasião que se oferece para tal são as manifestações do cinquentenário de Abril. Possam elas ser uma grande e massiva demonstração da vontade do povo português em não permitir qualquer recuo no que tanto custou a conquistar.»

Fernando Rosas

Texto na íntegra AQUI
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José Medeiros Ferreira (1942-2014)

 


Dez anos é pouco tempo, dez anos é muito tempo.

Alguma informação AQUI.
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Não há estabilidade se quem governa não a deseja

 


«Carlos Moedas veio, na sexta-feira, avisar que quem criar instabilidade pagará o preço. Ele é a pessoa ideal para dar a tática a Montenegro. Vivendo quase exclusivamente da obra que herdou, apresenta, todos os anos, orçamentos sem disponibilidade para negociar uma linha que seja. Os partidos da oposição conhecem-no 24 horas antes. E a única vez que travaram a sua aprovação, porque as constas estavam erradas e tinham de ser corrigidas, foi a correr para as televisões – onde nunca lida com qualquer tipo de contraditório – para se vitimizar.

Através da chantagem da instabilidade, Moedas governa com a mesma arrogância autossuficiente que lhe poderia ser dada por uma maioria absoluta. Isto, porque o PS de Lisboa, temendo as consequências de uma crise política, se enfiou num colete de forças de que nunca mais conseguirá sair. Há, no entanto, duas diferenças em relação ao cenário nacional: a paralisia da oposição é menos visível para a opinião pública e não existe um Chega forte para tomar o seu lugar na liderança da oposição.

No País, a AD já escreveu o guião: não ceder a ninguém, governar como se não tivesse apenas 29% e mais 0,8 pontos percentuais e dois deputados (os mesmos, se contarmos apenas com o PSD) do que o segundo maior partido (pelo menos até conhecermos os resultados da emigração), distribuir dinheiro para ganhar as eleições. O objetivo não é a estabilidade, é uma queda do governo que permita reforçar rapidamente a sua posição.

Numa entrevista ao Público e à Rádio Renascença, Miguel Pinto Luz já deixou claro que pretende aprovar as medidas do programa da AD sem diálogo, vendo quem tem coragem para as chumbar. Desde a reforma fiscal à da saúde, com fortíssimo pendor ideológico. Quer responsabilizar quem também quiser ser fiel ao seu programa pela instabilidade: “No Parlamento vamos apresentar as nossas medidas e o Chega, a IL, o PS, o Livre, o PAN dirão se estão a favor ou estão contra. Vamos ver o que esses partidos ditos maduros, ditos interessados nos portugueses vão fazer perante esta agenda reformista do PSD.”

Montenegro e Melo, que tiveram pior resultado do que Rio e Rodrigues dos Santos, não pretendem falar com ninguém para garantir a estabilidade porque acham que a estabilidade não lhes interessa. Que líder kamikaze suportaria um governo que tem esta estratégia? Como pode o PS aceitar o papel de ratificador do programa que teve praticamente o mesmo apoio político que o seu? Que distorção da democracia seria esta? Que força isto daria ao Chega, que ficaria a ver de fora, em nome de um falso cordão sanitário, já que o PSD pretende tratar Pedro Nuno Santos e André Ventura da mesma forma: alvos de chantagem para serem, mais tarde ou mais cedo, responsabilizados pela queda do governo.

Não há estabilidade se quem governa não a deseja. Se quem governa tem como modelo um governo que durou pouco mais de um ano – como escrevi na sexta, o sonho do PSD não é que o Chega seja o PRD, é que o PS tenha esse destino. Se quem governa assume que a chantagem da instabilidade é a forma de lidar com os partidos da oposição; se quem governa prepara um conjunto de medidas populares para vencer eleições que espera serem o mais depressa possível, ninguém, no seu perfeito juízo, aceita enfiar-se numa armadilha tão explicita.

O PSD já deixou claro que trabalha para ir a eleições o mais depressa possível. O debate não é de quem ele depende, pois já se percebeu que não pretende depender de ninguém. É quem responsabiliza pela sua estratégia de vitimização.

Não me espanta que Miguel Pinto Luz, que defendeu entendimentos com o Chega (mostrando desrespeito pela nossa inteligência, agora diz que a sua posição mudou porque, entretanto, o Chega se radicalizou), esteja na primeira linha desta estratégia. Ela é, na realidade, a mesma que tinha antes: tratar todos por igual, para exercer o poder sem qualquer baia política ou ética. A função da extrema-direita para a direita é esta, em quase toda a Europa. Como se vê nos Açores (guardaram o que todos sabíamos para depois das eleições), já não há qualquer cordão sanitário. O "não é não" é instrumental.

Se o PSD não pretende negociar com ninguém, se o programa de governo será o programa de um partido com 29% que venceu com uma vantagem inferior a um ponto percentual; se um partido que tem os mesmos deputados que o maior partido da oposição pretende governar como se tivesse a maioria absoluta, de que estamos a falar quando falamos do risco de dependência do PSD em relação ao Chega? Não vai depender de ninguém para responsabilizar todos.

Se o PSD será o mais beneficiado pela instabilidade política deveria ser o mais pressionado para dar garantias de estabilidade. Mas, na comunicação social, o único partido a quem ninguém exige garantias de estabilidade é ao que vai liderar o governo.»

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17.3.24

Chá

 


Chaleira Arte Nova com aquecedor (rechaud), cerca de 1910.

Daqui.
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Se comprou hoje o Público, ou se é assinante, não deixe de ler este texto de João Taborda da Gama no P2. É imperdível!
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Elis Regina – Seriam 79

 


Elis Regina nasceu em 17 de Março de 1945 e morreu com apenas 36 anos.

Viveu os «anos de chumbo» da ditadura brasileira e não lhes passou ao lado ao participar em vários movimentos culturais e políticos. Uma das suas canções – «O bêbado e o equilibrista» – funcionou como uma espécie de hino pela amnistia de exilados brasileiros. Notável também, nessa mesma linha, «Aos nossos filhos». E como esquecer o seu ícone «Águas de Março»?

Vídeos AQUI.
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Legislatura-os tu

 


«Que nostalgia. Saudades da semana passada. Uma altura em que o povo português ainda não tinha dado 18,6% à extrema-direita. Lembram-se dessa altura? Bons tempos. A crise na habitação está tão mal que a própria casa da democracia vai dar agora lugar a um espaço comercial, a taberna da democracia.

A realidade é que os astros estavam todos alinhados: um cenário de inflação, crise na habitação, a queda de um governo por suspeitas de corrupção e uma figura presidencial em queda de popularidade. Estavam tão alinhados que podemos dizer: “Só 48 deputados?! Que incompetência!” É que esta foi uma das grandes chances de André Ventura e ele sabe. Caso contrário, não tinha apostado tudo na campanha eleitoral. Insultar os tipos com que querem formar governo, inventar umas tais de forças vivas que iriam dar o pontapé ao líder da AD, pedinchar uma oportunidadezinha, fazer vídeos engraçadotes para as redes. É que parece que não mas aquilo cansa. Só quem não tentou editar um TikTtok é que acha que aquilo não dá trabalho. O partido investiu tanto nesta estratégia que as ideias do programa do Chega pouco ou nenhum destaque tiveram. E é pena porque, para além daquelas medidas que levariam o país à bancarrota, valia a pena conhecer-se melhor outras, como a que propõe acabar com as limitações ao alojamento local, ou a que quer obrigar os imigrantes a descontar, pelo menos cinco anos, até poderem ter qualquer resposta social, ou aquela giríssima de acabar com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e criar uma secretaria de Estado da família, ou ainda a ideia espetacular de aumentar a abrangência do que se pode referendar e os resultados do referendo serem imediatamente vinculativos. Não se via um programa tão mau desde que a TVI, em 2019, se lembrou de fazer o “Quem quer casar com o meu filho”.

Desde que me lembro, que as legislaturas arrancavam com um hemiciclo recheado de pessoas mais ou menos conhecidas no campo da gestão, da saúde ou da justiça, para agora termos deputados conhecidos porque têm um canal de YouTube. Como cidadã, acho que é uma péssima notícia, mas como profissional vai ser impagável sintonizar na ARTV e assistir a “Sr. presidente, senhoras e senhores deputados, se gostaram desta proposta de alteração à lei, já sabem, façam like, partilhem e ativem as notificações no sininho”.

Desde que saíram os resultados - e ainda faltam os do estrangeiro - os espaços de informação dividem-se entre vários cenários de governabilidade. Se for o PSD com a IL e o PAN. Não, tira o PAN. Então e se for com a IL e ir aprovando medida a medida com o Chega? Não vai dar. Então e se for o PS com o Livre, o Bloco, a CDU, o PAN e um quilo de sardinhas? E várias teses para os resultados do Chega. A culpa é do PS. A culpa é do PSD. A culpa é da Comunicação Social. A culpa é do Algarve. A culpa é do Marcelo. Não, a culpa é de quem partilhou memes da página Pérolas das Urgências. Em todos os canais só dá um misto de aula de matemática com contas a números de deputados com sessões de terapia em que especialistas falam de sensações que pensam justificar este imbróglio. E, de vez em quando, têm lá alguém do Chega a tentar convencer os outros, os mesmos que insultaram e humilharam que o partido é uma mais-valia. Se bem nos lembramos, o André Ventura lançou-se na política afirmando que iria dizer em voz alta aquilo que as pessoas dizem nos cafés. Mas acho que agora não é preciso. Com os resultados do partido podemos dizer que, graças ao Chega, as pessoas já começam a sair dos balcões para a bancada parlamentar. Só resta saber se vão entrar com um prato de tremoços e de míni na mão.»

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16.3.24

Alguma dúvida?

 

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Catarina Martins

 


Candidata do BE às eleições europeias.

Excelente notícia.
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16.03.1974 – O falhanço das Caldas

 


Há meio século, o golpe falhado das Caldas foi um passo importante para a queda da ditadura.

Mais informação, a nota oficiosa emitida pelo governo sobre os acontecimentos e um curto vídeo da última «Conversa em Família» de Marcelo Caetano, na qual se refere ao tema, AQUI.
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Protesto e as formas de o debelar

 


«Dizem, portanto, que foi um voto de protesto. Que o eleitorado apostou em discursos de rutura e na punição do sistema. Que as razões há muito que estavam lá – um mal-estar que se entranhou na sociedade portuguesa, nos segmentos sociais com vida dura, descrentes de instituições corroídas e de uma democracia que não os sabe ouvir.

Tudo isto cabe certamente numa leitura sobre os resultados eleitorais de domingo. Explica a queda vertiginosa do PS, dois anos apenas desde a sua maioria absoluta. Explica a recomposição à direita, em que a AD ganha as eleições com o pior resultado da história dos partidos que a compõem. E explica a subida estratosférica do Chega, que aconteceu em todo o país: no interior e no litoral; nos centros das cidades, nas periferias urbanas e nos espaços rurais; nas freguesias ricas e nas freguesias pobres. Esse voto, além de atestar a “normalização” da extrema-direita na política portuguesa, mostra também que anseios e orientações políticas provavelmente contraditórias se juntaram num voto entendido como “contra” a situação.

Não há, portanto, uma razão para esta explosão do Chega – há várias. Para além das dimensões xenófobas e autoritárias, este voto também teve causas sociais e económicas, como tem sido apontado em reportagens de jornalistas, por analistas e políticos. Ou seja, que o voto na extrema-direita é um protesto contra a pobreza, os baixos rendimentos e a ausência de perspetivas de melhoria de vida.

É bem possível. Recentemente, a Pordata indicava que cerca de 1/3 das famílias em Portugal vivia com 833 euros por mês. Quase um quinto dos portugueses vive em situação de pobreza. E o país é marcado por uma enorme desigualdade na distribuição de rendimento, quando comparado com o contexto europeu. Se o voto no extremismo veio da raiva contra a pobreza e os baixos rendimentos, a questão a colocar é: como vai o mais que previsível futuro governo da AD combater esses problemas no novo ciclo político.

Uma coisa é certa: não será com mais apoios do Estado. Montenegro foi claro durante a campanha que é contra a “subsidiodependência”. Até o subsídio de desemprego o líder da AD fez questão de atacar, como se de uma benesse se tratasse, quando a sua existência resulta de descontos dos próprios trabalhadores e funciona como um seguro para uma situação de desemprego involuntário (ninguém se pode autodespedir e ter subsídio). Com o novo governo, a pobreza não será combatida com prestações sociais ou apoios do Estado.

Se não é com apoios, deverá ser então através de salários mais elevados. Mas não será pela subida do salário mínimo. Os partidos da AD sempre foram contra aumentos do SMN, e disseram mesmo que seria o descalabro na economia portuguesa. A IL, guardiã dos livros sagrados do neoliberalismo, propõe, por exemplo, estilhaçar o SMN em salários mínimos municipais e negociados com o patronato.

Talvez os salários possam subir se a economia crescer? É bom notar que, no último trimestre de 2023, os dados mostram que Portugal foi mesmo a economia que mais cresceu na zona euro. Aliás, a economia portuguesa tem vindo a crescer continuamente desde 2014, com a exceção óbvia do ano da pandemia. Contudo, o padrão de baixos salários não se alterou. Se a pergunta é se podemos crescer ainda mais, a resposta é que parece difícil, num contexto europeu de retração, porque menos crescimento na Europa significa menos exportações para Portugal, sejam elas de bens ou de serviços.

E se déssemos “a volta à economia”, libertando-a do “excesso” de presença do Estado, como alguns têm dito? Este é um remédio que me parece difícil de aplicar no ano de 2024, quando já “retirámos” o Estado da economia nos últimos 30 anos. Privatizámos a energia, as telecomunicações, a banca, o cimento, as infraestruturas (rodoviárias e aeroportos). Até a rede elétrica, onde não há concorrência possível, foi vendida à China, e nem nos EUA os correios são privados. Desregulamentámos e liberalizámos esses mercados, como vários governos anunciaram com gáudio. Parece-me difícil dizer hoje que os problemas da economia portuguesa e os baixos salários são culpa da existência da CGD, da TAP (em vias de privatização) ou da CP.

As privatizações de que eles falam, aliás, são de outro teor. É a privatização das funções do Estado na saúde, na segurança social, na educação e no mais que estiver à mão. Há empresas que vão ganhar muito dinheiro do Orçamento do Estado, isso é certo. Se vai fazer crescer a economia e chegar ao bolso dos portugueses é outra questão.

Talvez faltem estruturas que potenciem a atividade económica, ligações e mobilidade para o desenvolvimento das empresas. Nos últimos 30 anos, o Estado, em parcerias público-privadas, ligou o país com pontes e autoestradas que, por vezes, até correm paralelas.

E também a questão da qualificação da mão-de-obra foi enfrentada pelo Estado e resolvida pelo ensino superior público. O problema é que essa nova geração qualificada tende agora a “fugir” do país em busca de melhores salários. Dizem que se baixarmos os impostos, os jovens deixam de emigrar. O PS aceitou esse argumento e já implementou o IRS jovem. Contudo, um estudo da FFMS indicava que 72% dos jovens ganham menos 1.000 euros líquidos. Mesmo sem IRS, a margem de aumento de rendimento disponível é tão curta que não vejo como isso possa ser sedutor.

Se baixarmos o IRC das empresas, estas podem aumentar salários. Cerca de metade das empresas não pagam IRC, pouquíssimas pagam a taxa máxima, como aliás a sua queda em relação ao PIB nos últimos anos tem vindo a mostrar. Não foi por isso que abandonámos o perfil de economia de baixos salários.

Mas talvez a redução de impostos possa atrair investimento estrangeiro que qualifique o perfil da economia. O Banco de Portugal mostrava recentemente que Portugal não tem um problema na atração de investimento estrangeiro – entre 2008 e 2023, o IDE duplicou. Só que tem sido dirigido em larga escala para o imobiliário, sendo parte do problema da crise na habitação, e para o turismo, que é exatamente um dos setores onde se criou muito emprego, mas onde os salários são mais baixos…

Enfim. Estou em pulgas para saber como é que o novo governo responde à pobreza e mal-viver que os portugueses manifestaram com o seu voto no domingo.»

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