3.5.07

Paris, 3 de Maio de 1968


Foi este o dia decisivo da mais espectacular revolta estudantil de que há memória. Esta afectou muito profundamente a França, tão profundamente que há um antes e um depois do Maio de 68. Só assim se explica que os franceses continuem a brandir armas em seu nome, como está a acontecer em plena segunda volta da campanha para as eleições presidenciais. Lá chegarei.

A repercussão foi grande no mundo inteiro, dos EUA à China e ao Japão, passando pelo Brasil e pela Argentina. Até em Portugal, onde vivíamos o cinzentismo dos últimos meses do reino de Salazar, se fizeram sentir alguns sobressaltos para uns e muito fascínio para outros - para a minha geração, Paris era a pátria cultural e política e Maio de 68 funcionou como a visão de um paraíso apenas a 2 000 km de distância.

Se há ligações óbvias entre o movimento francês e outros seus antecessores na Europa e nos EUA, a verdade é que nenhum deles teve a mesma força e o mesmo impacto. Foi, certamente, a maior insurreição geral em países desenvolvidos desde a segunda guerra mundial.


A origem mais próxima desta crise estudantil prende-se com a ocupação da universidade de Nanterre em 22 de Março. No dia 2 de Maio chegou ao Quartier Latin, em Paris.


Mas foi no dia seguinte, dia 3, que atingiu maiores proporções. O desenrolar dos acontecimentos foi absolutamente alucinante, começando por uma reunião de solidariedade com Nanterre, passando por ameaças de confrontos entre grupos rivais de estudantes e culminando, ao princípio da tarde, com um pedido do reitor à polícia para que evacuasse a Sorbone. Seguiram-se cinco horas de verdadeira batalha campal, com barricadas, cocktails Molotov, pedradas, matracas e gases lacrimogéneos, que se saldaram por dezenas de feridos e mais de 500 prisões. Os distúrbios continuaram nos dias que se seguiram.

O movimento não se manteve fechado no mundo dos estudantes: extravasou para o do trabalho, a nível de operários, de camponeses e do sector terciário, reuniu-se numa gigantesca manifestação em 13 de Maio e esteve na origem de uma longa greve geral incontrolada.

O que houve de absolutamente específico, e de certo modo inesperado, foi que não estiveram em questão (apenas) motivações sociais ou laborais, mas sim exigências de alterações profundas a nível do relacionamento humano e dos costumes. Recorde-se que uma das causas para a ocupação de Nanterre foi a revindicação de os rapazes passassem a ter acesso às residências universitárias femininas... Ainda hoje se debatem em França, com grandes desacordos, estes temas ligados às características do fenómeno. Não vou por aí.

Mas lembrar-nos-emos sempre da apologia da subversão e da transgressão, do «é proibido proibir», da « imaginação ao poder» – da grande utopia.

Foram-se acalmando as hostes, foi dissolvida a Assembleia Nacional em 30 de Maio e realizaram-se eleições legislativas (que os gaulistas ganharam por larga maioria) no mês de Junho.

Mas nada ficaria na mesma.

Ainda agora, e volto à campanha para as eleições presidenciais, o mais provável (até ver) futuro presidente da República francesa, Nicolas Sarkozy, disse, em discurso muito acalorado (e estava muito calor em Bercy no passado dia 29...):
"Mai 1968 nous avait imposé le relativisme intellectuel et moral. Les héritiers de mai 1968 avaient imposé l'idée que tout se valait, qu'il n'y avait donc désormais aucune différence entre le bien et le mal, le vrai et le faux, le beau et le laid. Ils avaient cherché à faire croire qu'il ne pouvait exister aucune hiérarchie des valeurs. D'ailleurs, il n'y avait plus de valeurs, plus de hiérarchie. Il n'y avait plus rien du tout !".

Surgiram logo protestos de protagonistas lendários de 68. Cohn-Bendit (sempre ele...) disse que Sarkozy é um bolchevique e Jacques Lang veio declarar:
"J'ai participé aux événements de Mai 68. Cela a été un moment de libération dans un pays qui à l'époque était relativement claquemuré. Mai 68 a été un moment où se sont affirmés des droits nouveaux dans tous les domaines".

Ségolène Royal comentou a intervenção de Sarkozy (num comício em 1 de Maio):
"Quelle mouche l'a piqué? (...) Il a tenté de liquider une partie de l'Histoire: Mai 68" e lembrou que, em 68, "De Gaulle a dit que la société voulait le dialogue et la participation et que on lui a répondu par la force (...). Mais Mónsieur Sarkozy n'est pas le général De Gaulle».

Quase quarenta anos depois, a polémica continua viva.

E bem vivos estão também, na nossa memória, os célebres slogans de 68. Aqui ficam uns tantos. Estou certa de que acordarão nostalgias em alguns «soissante-huitards» que por cá andam...


* Soyez réalistes, demandez l'impossible!

* Dessous les pavés, c'est la plage!

* La chienlit, c'est lui! L'anarchie, c'est je!


* Les murs ont des oreilles. Vos oreilles ont des murs.

* Mettez un flic sous votre moteur.

* Ici, on spontane.

* Le rêve est réalité.


* Nous somes tous des juifs allemands.

* J'ai quelque chose à dire, mais je ne sais pas quoi.

* Ne prenez plus l'ascenseur ! Prenez le pouvoir!

* Le pouvoir est au bout du fusil. (Est-ce que le fusil est au bout du pouvoir ?)

5 comments:

cs disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
cs disse...

caramba. fiz um post sobre o dia 2

coincidência...

a comunicação social de vez em quando esquece estas datas tão importantes

:))

Anónimo disse...

Oh Joana, que Deus (?) te abençoe! O problema é que os nossos
soissante-huitards estão na reforma e quem ainda manda e-mails como o teu é tido por xanfrado. Obrigada, de louca para louca.

Joana Lopes disse...

Obrigada, Isabel.
Loucos somos todos um pouco. Mas o que me faz impressão é que há quem ache que isto de escrever em blogues é «perder tempo»... O que será ganhar? Será (ainda) sofrer para merecer o céu?...

Anónimo disse...

J'ai appris des choses interessantes grace a vous, et vous m'avez aide a resoudre un probleme, merci.

- Daniel