9.1.08

«Le Deuxième Sexe»

«On ne naît pas femme, on le devient»

Cartier-Bresson

Continuo com Simone de Beauvoir, no centenário do seu nascimento.

Le Deuxième Sexe foi certamente uma das maiores «pedradas» que levei como leitora, no início da idade adulta. Estudante recém-chegada a Lovaina, no fim da década de 50, com uma mala quase de cartão, ida desta west coast salazaríssima e com dezanove anos – tentem imaginar o cenário. Apanhei então, em cheio, a grande repercussão desta obra na Europa francófona (*).

Le Deuxième Sexe esteve longe de ser um manifesto militante ou um qualquer arauto dos movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde. Mas os espíritos não estavam preparados para a problemática da libertação da mulher, tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».

Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber.

Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe «regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória. Tornou-se, de facto, o livro fundador do pensamento feminista.

Paralelamente, iam sendo publicadas outras obras da autora, como a trilogia das Memórias – o que mais apreciei de tudo o que dela li e que não foi pouco (**).

Simone de Beauvoir nunca provocou grandes empatias e foi sempre objecto de discussões sem fim (que duram até hoje) sobre a sua importância relativa quando comparada com a de Sartre.

Mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então para nós – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après».

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(*) Le Deuxième Sexe, Vol. I – Les Faits et le Mythes, Vol. 2 – L’Expérience Vécue, Gallimard, Paris, Juin / Novembre 1949.
(**) Mémoire d’une jeune fille rangée (1958), La force de l’âge (1960), La force des choses (1963).



2 comments:

Ana Cristina Leonardo disse...

seria interessante discutir a frase da Beauvoir à luz da biologia e neurologia actuais.

Anónimo disse...

Avance Cristina com o saber dessas ciências laboratoriais e obscuras... Aprenderei sempre....já que nunca tive tempo para apreciar a obra da filósofa / escritora.... cordialmente jrdm