3.1.09

Não são apanhados, são deputados

Com Rosa Montero

Nada mais agradável do que chegar ao fim de um romance e ter pena de que não tenha mais umas cinquenta ou cem páginas. Foi o que me aconteceu agora com este livro de Rosa Mantero (*).

Tendo gostado (e como...) de A Louca da Casa e de História do Rei Transparente, temia o desencanto com o terceiro. Totalmente diferente, este manual de «Instruções» dá-nos uma prosa mais enxuta, muito fluente, aparentemente linear, cuja leitura é difícil interromper mesmo a muito altas horas da noite.

Quatro personagens solitárias - um taxista, um médico, uma prostituta e uma velha cientista mais ou menos louca - acabam por se ir cruzando em histórias complicadas e noites longas (tudo se passa de noite, excepto nas últimas páginas). Inesquecível sobretudo o taxista, centro de uma trama que acaba «bem», sem qualquer vestígio de facilidade, e que é mesmo optimista segundo a autora - um longo «caminho que vai da escuridão provocada pela dor até chegar à luz do dia».

A ver, antes ou depois de ler o livro, este pequeno vídeo, em que Rosa Montero apresenta a edição portuguesa.

(*) Rosa Montero, Instruções para salvar o mundo, Porto Editora, 2008, 288 pág.

2.1.09

Quando não vale a pena repetir o que os outros dizem melhor
















«A Revolução Cubana, que faz 50 anos, é um difícil conflito que tenho comigo mesmo. Ao longo dos anos, o meu coração, transbordante de jovens rebeldes descendo da Sierra Maestra de rifles na mão e corações limpos, sangrou com Padilla preso e humilhado (...).
Mas se o coração explica tudo, mesmo o inexplicável, a razão não. Cuba é hoje a recordação de algo íntegro e novo que, se calhar, nunca aconteceu senão dentro do meu coração.»

Manuel António Pina, no JN.

Primeira anedota de 2009

«O PSD não está bem, mas está muito melhor do que estava há um ano.»

Nem quadratura nem círculo










Há anos (ou serão séculos?) que vejo aqueles três senhores + um por pura inércia. Tinha jurado a mim mesma que me ficaria por 2008, porque no pasa nada - nem uma opinião imprevisível, nem o mais leve bater de uma qualquer asa, nem o mínimo rasgo acima do politiqueiro.

Hoje distraí-me porque ainda não assimilei a mudança de ano, mas garanto que depois das Janeiras já ninguém me apanha.

1.1.09

Primatas como nós

Contaram-me ontem à noite uma história quase incrível: num restaurante de Tóquio, dois macacos substituiram humanos, sem desvantagens qualitativas aparentes. São agora empregados certificados pela ASAE lá do sítio, que não permite que trabalhem mais de duas horas e meia por dia.

Perigo à vista em tempos de crise, até porque não consta que sejam sindicalizados nem que se manifestem contra qualquer sistema de avaliação de desempenho.

Aí estão eles.

Estamos em 2009. Oxalá não seja nada.

31.12.08

E aí vem mais um














A todos os que passarem por aqui, excelente fim de 2008 - não se enganem e não comam as passas antes de tempo que o dia de hoje tem mais um segundo.

Verifico que este é o 692º post que escrevo este ano, o que me assusta como sintoma de pura insensatez - pena que não tenha nenhum modo de saber se alguém leu a maior parte para lhe apresentar agradecimentos e sinceros pedidos de desculpa. Continuarei por aqui à minha maneira, meio a sério meio a brincar.

Festejemos o que houver para festejar. No que me diz respeito, é com uma enorme pena que pensarei amanhã no 50º aniversário da revolução cubana - aquela que foi, para mim, a verdadeira «revolução perdida».

Melhores dias virão. Para a frente é que é o caminho.

A terrível realidade

30.12.08

Aníbal & José

Happy New Year!



Há 40 anos, uma vigília contra a guerra colonial






Este texto foi publicado hoje no Caminhos da Memória. Porque é longo, transcrevo aqui apenas a primeira parte e indicarei onde poderá ser lido na íntegra.

1968 foi de facto um ano alucinante e 2008 não poderia terminar sem que se assinalasse um último 40º aniversário. Em 31 de Dezembro de 1968, cerca de cento e cinquenta católicos entraram na igreja de S. Domingos, em Lisboa, e nela permaneceram toda a noite, naquela que terá sido a primeira afirmação colectiva de católicos contra a guerra colonial, numa actividade formalmente «disciplinada». Com efeito, o papa Paulo VI decretara, em 8 de Dezembro, que o primeiro dia de cada ano civil passasse a ser comemorado pela Igreja como dia mundial pela paz e, alguns dias depois, os bispos portugueses tinham seguido o apelo do papa em nota pastoral colectiva.

Assim sendo, nada melhor do que tirar partido de uma oportunidade única: depois da missa presidida pelo cardeal Cerejeira, quatro delegados do numeroso grupo de participantes comunicaram-lhe que ficariam na igreja, explicando-lhe, resumidamente, o que pretendiam com a vigília:

«1º - Tomar consciência de que a comunidade cristã portuguesa não pode celebrar um "dia da paz" desconhecendo, camuflando ou silenciando a guerra em que estamos envolvidos nos territórios de África.
2º - Exprimir a nossa angústia e preocupação de cristãos frente a um tabu que se criou na sociedade portuguesa, que inibe as pessoas de se pronunciarem livremente sobre a guerra nos territórios de África.
3º - Assumir publicamente, como cristãos, um compromisso de procura efectiva da Paz frente à guerra de África.»

Entregaram-lhe também um longo comunicado [agora online] que tinha sido distribuído aos participantes, no qual, entre muitos outros aspectos, era sublinhado o facto de a nota pastoral dos bispos portugueses, acima referida, tomar expressamente partido pelas posições do governo que estavam na origem da própria guerra, ao falar de «povos ultramarinos que integram a Nação Portuguesa».

(...)
Na íntegra, aqui.


Cantata da Paz por Francisco Fanhais, com versos de Sophia Mello Breyner

29.12.08

Gaza: «choque e pavor»

Um artigo inédito de Alain Gresh. A ler na edição portuguesa de Le Monde Diplomatique.

Islândia, triste símbolo de 2008











Estive na Islândia há vinte anos, por razões profissionais, e detestei. Tudo era terrivelmente sombrio e inóspito, desde o clima, ao invasivo cheiro a enxofre proveniente dos geisers, à ausência de árvores e de qualquer vestígio histórico com forma de monumento. Para não falar da alimentação (difícil evitar salmão do pequeno almoço à ceia) e dos preços disparatadamente altos de qualquer ninharia, obviamente importada. População reduzida, de gigantes - elas esquálidas, eles incarnações actualizadas de vikings - que pouco ou nada produzia e, ainda menos, se reproduzia.

Parecia um país inviável mas o nível de vida ali estava para provar o contrário. Os islandeses faziam gala em falar do seu elevado poder de compra e gabavam-se de ter mais automóveis do que habitantes (e que automóveis!). Explicavam-nos que tudo se devia ao bacalhau e, também e sobretudo, às licenças de pesca vendidas a gentes do mundo inteiro. E nós acreditávamos. Sabe-se hoje que a realidade era, ou passou a ser, bem diferente e as razões estão mais do que explicadas.

Desemprego galopante, 17% de inflação, SUV Range Rover a apodrecer em contentores, 30% dos islandeses, sobretudo jovens, a quererem emigrar (e, ao todo, eles são apenas 320.000). O país torna a parecer inviável. Será que voltará a ser uma pura plataforma para novos nómadas em busca de salmão e aparentados, como o foi durante séculos? Para já, e pela primeira vez, quer entrar rapidamente para a União Europeia - pudera!

Penso sempre neste caso como um dos absurdos mais paradigmáticos deste ano que agora acaba e ninguém faz previsões minimamente optimistas para o que se segue.

Nunca fui jogadora, mas houve uma fase da vida em que, por essa Europa fora, vi muitos amigos ganhar, e sobretudo perder, em todo o tipo de pokers e de roletas. Por acaso, até foi com eles que estive na Islândia onde não existia nenhum casino - julgávamos nós.

Antes e depois




... a vida é mesmo diferente - até pelo número de cafés / dia.

28.12.08

Amásios e namorados














No DN de hoje, Nuno Brederode Santos conta uma bela história. Há que a ler na íntegra, mas aqui fica o que me interessa.

Numa esplanada, algures em Lisboa, quatro «gerontes», reduzidos à condição de fumadores enregelados (como imagino bem a cena, eu que a partilho por vezes, na mesma esplanada, com os mesmos gerontes...) ouvem um jovem falar do «namorado da avó». Gargalhar dos quatro, para quem, em termos de avó, o «maior assomo de convivialidade com homens se cingia a retribuir o “boa noite” profissional de Pedro Moutinho e a “despedir-se com amizade” do engenheiro Sousa Veloso».

Esqueceram-se de várias coisas. Nem as avós são ainda o que eram, nem a palavra «namorado» tem a mesma serventia. É que já não há amantes, amásios, flirts, noivos ou mesmo amigos coloridos. Agora é só namorados - do infantário até à cova! (Com raras excepções, claro, dos que ainda passam pelo cartório, pela igreja ou por Badajoz e que insistem em tratar-se por maridos, mulheres ou esposos.)

Além disso, caríssimos, que conheço há tantos anos que ainda devíamos ter avós por esses tempos, aí vai uma em jeito de feminista, o que nunca me sai muito bem: as gargalhadas seriam tantas se o jovem se tivesse referido à «namorada do avô»? Olhem que talvez não!...

Bora lá ao Amadora-Sintra










O que se passou no dia 26 com a afluência às Urgências, na área da Grande Lisboa, toca as raias do absurdo.

É certo que a gripe anda por aí a caçar portugueses (parece que ucranianos, brasileiros e outros que tais têm escapado...), mas que seja precisamente no dia seguinte ao Natal que se dá a grande invasão cheira um pouco a esturro. Certamente que já se tossiu muito a 24 e 25, mas não dava jeito nenhum levar o velhote ou a criancinha ao banco quando o bacalhau estava ao lume e as rabanadas em cima da mesa.

A 26, foi só decidir quem ia passar o dia à espera de uma aspirina ou a fazer as últimas compras no Colombo.

P.S.1 - Ler o comentário que a Ana Matos Pires deixou na C. de C.
P.S.2 - Vim agora do Colombo. Estavam lá todos os que tinham ido no dia 26 mais os que já que beneficiaram do efeito das asprinas do Amadora-Sintra.

Utilizem para o Magalhães

John Lennon, num anúncio, 28 anos depois de morrer.