13.4.10

Grandes verdades


Desde que redescobri o Portugal Contemporâneo, passo por lá de vez em quando e nunca me arrependo. A produção de Pedro Arroja é tão grande que não consigo acompanhá-la, mas julgo que a sua longa série de posts recentes começou com a defesa de Bento16 e da Igreja e chegou agora a uma luta aguerrida contra o protestantismo, com longas dissertações sobre filósofos e filosofias. E eu, que há décadas substituí Kant por outro tipo de software mas ainda tenho «A Crítica da Razão Pura» aqui bem perto, abro os olhos de espanto ou dou uma gargalhada, conforme a dimensão do disparate.

Mas adiante quanto a coisas muito complicadas e regressemos ao protestantismo como raiz de muitos males, com duas citações apenas:



Quando eu for grande, também hão-de ler neste blogue coisas destas e assim.
...

13 comments:

Miguel Serras Pereira disse...

Pois é, Joana, não há dispositivo técnico que não possa tornar-se obscurantista se se propuser substituir o uso público da razão.

Deixando de parte as crónicas entre o hilariante e o deprimente do nosso economista que, em tempos, suponho que para revigorar a tradição e os direitos da verdade, propunha no DN a privatização dos rios, a verdade é que, se não penso que para instituírem e exercerem a democracia os cidadãos tenham de estudar a fundo a história da filosofia ou sequer a disciplina chamada filosofia, necessitam todavia de desenvolver, ao proclamarem e assumirem a responsabilidade de participar na definição das leis, normas, direitos e deveres por que se governam, a capacidade de uma certa distância reflexiva em relação às suas próprias ideias e ao senso comum, ou a capacidade de introduzirem nos seus hábitos mentais e no senso comum uma interrogação crítica, uma exigência de darem conta e razão do que deliberam a sós consigo cada um deles e também do que cada um deles propõe, discute ou empreende como acção na companhia dos outros - de cuja anterioridade lhe vem a própria linguagem de que se serve no "diálogo da alma consigo própria" e é condição sine qua non, e por definição comum, tanto da sua liberdade ao lado e com os outros como da sua liberdade "para si".

É esta filosofia não-profissional, não-académica, inseparável do falar quotidiano da ágora e incontornável no processo de tomada de decisões de qualquer assembleia democrática - cuja importância política encontramos, apesar de tudo, afirmada em continuadores de tradições da história da filosofia tão diferentes como aquelas em que se inscrevem, para citarmos um tanto arbitrariamente só estes, Hannah Arendt, um pragmatista francês da nossa geração como Jean-Pierre Cometti, um racionalista clássico e marxista sui generis como F. Châtelet, ou um filósofo da autonomia tão singular como C. Castoriadis - é esta filosofia, dizia eu, que, independentemente do conhecimento maior ou menor que tenhamos de Marx ou de outros pensadores, fazendo parte integrante dos costumes de uma sociedade na qual permaneça activo o projecto da autonomia democrática, é ao mesmo tempo condição e objectivo da cidadania governante enquanto política feita por todos, tal como, na mesma ordem de ideias, do livre-exame e da liberdade de criação.

Um abraço para ti

msp

jpt disse...

Santa Paciência a sua ... o PC e o Causa Nossa são os únicos blogs censurados [riscados] cá em casa. Há anos, tamanhos os dislates pro-fascistas ali inscritos.

Joana Lopes disse...

Os teus comentários deixam-me quase sempre em jeito, porque me apetece passá-los a post e pôr o meu texto aqui na C. de Comentários. É o caso hoje, Miguel...

Mas, paradoxalmente, o Arroja segue os teus conselhos: faz «filosofia não-profissional, não-académica, inseparável do falar quotidiano» - dele, obviamente.

Vitor M. Trigo disse...

Joana,
agradeço o resumo do que Arroja disse.
Em tempos segui as suas crónicas, excatamente porque delas discordava quase sempre - há que estar atento aos "argumentos do contra".
Mas perdi a paciência, ou, como dizem os brasileiros, "enchi o saco".
Não há paciência para inteligentes intelectualmente desonestos.
Arroja não está na minha lista de preferências. Muito, mesmo muito longe disso.
O teu post mostrou-mo de novo sem ter que o aturar.
Obrigado por issso.

Vitor M. Trigo disse...

Esqueci-me de salientar como apreciei, e concordei, com o brilhante comentário de Miguel Serras Pereira.

Miguel Serras Pereira disse...

Não sei, Joana. A "filosofia" do PA, eu diria antes que é sub-escolar, sub-académica: cheia de argumentos de autoridade, de exibição de pseudo-erudição, de fragmentos mal colados de leituras sumárias e provavelmente já más à partida. Até os giros estilísticos que adopta revelam uma ambição de magistério, que transparece também no tipo professoral - ou sub-professoral - da questão que põe aos pupilos quando, ao rematar de um post, lhes diz que, tendo em conta o que ele disse, digam eles qual é a solução (que ele já sabe).
Cito-o, tanto mais que é tão divertido como as amostras que tu já nos proporcionaste no teu post:

"Para o catolicismo, a Verdade não está nada na mente, depois de observar os dados da realidade e de ser aclamada pela maioria. Para além das Escrituras, a Verdade está no Passado (Tradição) e um homem é capaz de chegar lá sozinho e pela razão, mesmo que todos à sua volta gritem e protestem contra ele. O principal significado de que a Verdade está no Passado (Tradição) é o de que só se chega à Verdade vivendo a realidade.
(…) A questão que imediatamente ocorre é então a seguinte: dentre as pessoas e instituições vivas, qual aquela que tem maior experiência da vida e reflectiu mais tempo sobre ela? Qual aquela que tem a maior memória da humanidade, aquela que, por isso, está mais próxima da Verdade? Qual é?
A resposta é para ser dada pelo leitor". http://portugalcontemporaneo.blogspot.com/2010/04/qual-e-aquela.html

Gosto particularmente da ideia de que a Verdade está na Tradição, na História e na experiência, mas um homem pode lá chegar sozinho pela razão. Tens de convir que o PA supera como nenhum profissional ousou fazer as querelas da tribo - que, protestante, socialista, quiçá ateia, teima em não o ouvir e em não pôr esta sã filosofia nos programas escolares.

msp

Joana Lopes disse...

Por tudo isso é que o Arroja me fascina neste momento.Não vou largá-lo tão cedo.

E olha que há mais de 1.000 pessoas que lêem aquele bolgue por dia!

Anónimo disse...

Pedro Arroja é o paradigma do pensamento católico actual. Basta entrar numa qualquer igreja ao domingo para ouvir este tipo de raciocínio ou pior.

Joana Lopes disse...

Não assisto a missas há muito tempo, a não ser por ocasião de enterros, mas quero crer que exagera um pouco, não?

Miguel Serras Pereira disse...

Sim, caro Anónimo,
você subestima o Pedro Arroja dizendo que ele é o paradigma do pensamento católico actual. Primeiro porque o "paradigma" é uma noção eivada de protestantismo e depois, porque se paradigma houvesse no que ele escreve seria o do catolicismo sem pensamento, livre dessa actividade mental que só complica a administração da "verdade absoluta" e a disciplina dos fiéis ao Papa, das mulheres aos homens, do simples cidadão ao primeiro-ministro, do vestido de noiva ao branco e à sua superioridade.
Cf. Arroja, ele próprio no seguinte post http://portugalcontemporaneo.blogspot.com/search?q=vestido+de+noiva :

"Os católicos acreditam que acerca de cada coisa da vida existe uma Verdade, podendo embora existir coexsitirem imitações e até falsificações da verdade. A Verdade torna-se a norma em relação à qual todas as imitações são avaliadas, e as falsificações descobertas, e está num plano superior a elas. Assim, por exemplo, o verdadeiro vestido de noiva é branco. É claro que as noivas se podem vestir de aul ou amarelo, mas essas são imitações do verdadeiro vestido de noiva, que é branco. O vestido branco de noiva encontra-se num plano superior a todos os outros."

Saudações cordiais

msp

Miguel Serras Pereira disse...

… há pouco esqueci-me de colar à citação de Arroja que fiz, esta outra, que se destinava a completar a ida às fontes:

"À parte esta verdade absoluta, tudo o resto é relativo. Um vestido de noiva tanto pode ser branco como preto, um homem vale tanto como qualquer outro, a religiosidade e o ateísmo têm o mesmo estatuto, e o mesmo acontece com o homem e a mulher, o homossexual e o heterossexual, o primeiro-ministro e qualquer cidadão, o Papa e o mais comum dos católicos, a verdade e a mentira, etc. O Papa Bento XVI, como referi anteriormente, considera este relativismo cultural o grande mal da modernidade."
Cf.http://portugalcontemporaneo.blogspot.com/2010/04/intolerancia.html

Aqui fica, portanto.

msp

Vitor M. Trigo disse...

Mau, vocês estão quase-quase a por-me de novo a ler Arroja.
Vocês não são amigos da onça. Parecem-me mais a própria onça...

Joana Lopes disse...

A ideia é mesmo essa, Vítor: pôr-te a ler o Arroja... A propósito: vou ver o que escreveu hoje!