27.5.10

É mesmo de um trilema que se trata


O Daniel Oliveira publicou agora, no Arrastão, o texto da sua crónica no último número do Expresso. Sem alaridos nem populismos, e de um modo claro e sem floreados, toca em aspectos essenciais do que está verdadeiramente em causa na questão grega – e portuguesa e espanhola e europeia.

A ler na íntegra, aqui ficam apenas estes excertos:

«Num recente artigo, o economista Dani Rodrik resumiu, através de um trilema, as lições a tirar da crise grega: a democracia, a globalização económica e o estado-nação são incompatíveis. Só podemos ter dois destes factores em simultâneo. Se queremos democracia e estado-nação precisamos de proteccionismo. Se queremos democracia e globalização económica precisamos de governo global. Se queremos estado-nação e globalização económica precisamos de governos com mão forte e cidadãos com espírito dócil. É nesta tensão que temos vivido desde o início do século XXI. 

Olhando para o que se passa na Grécia e ouvindo o discurso sacrificial e socialmente autista que domina o debate político português percebemos que se conta com a ausência do terceiro factor do trilema – a democracia – para ultrapassar a crise. (…) Resta-nos, como cidadãos, recusar esta chantagem, obrigando a Europa e os governos a escolherem um caminho: ou a soberania democrática dos europeus, ou soberania democrática dos cidadãos nacionais. Mas nunca a soberania dos mercados.»
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3 comments:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Eu ainda não consegui entender a que é que se chama "a soberania dos mercados"?
Nunca vi nenhum mercado dirigir-se à República Portuguesa e ordenar-lhe aquilo que deve fazer para reagir à crise. Ou aos cidadãos.
Já os vi dizer que só emprestam dinheiro a quem o pede emprestado se satisfizer determinadas condições. Tal como nós fazemos quando decidimos emprestar ou não dinheiro a alguém que nos peça. E tal como nós nos sujeitamos quando decidimos recorrer ao crédito.
Isto é um exercício de soberania? Não, é meramente a prudência, que quem tem meios que lhe pedem emprestados não só pode, como deve, exercer.
Estas exigências reduzem a liberdade do devedor? Reduzem! São os credores que lha reduzem? Não, é a decisão do devedor de recorrer ao crédito que a reduz no futuro, até o crédito ser liquidado.
Não entendo pois em que é que consiste "a soberania dos mercados" e, na pior das hipóteses, vejo o recurso reiterado ao termo como um exercício de "alarido e populismo" por quem nas circunstâncias actuais tem grande dificuldade em montar um argumentário para defender aquilo que gostaria de conseguir defender: a manutenção do nível de estado social vigente até aqui, e a aceleração das grandes obras públicas (mesmo à custa de alimentar as famigeradas PPP que transferem sempre riscos para a colectividade e lucros para os privados) na esperança de que elas contribuam para a retoma.
Se se quiser tentar resolver este problema pelo lado da soberania, pode-se fazê-lo: é dar o calote nos credores! Mas é o caminho mais rápido para o abismo. Como eles não são parvos, ao primeiro calote não emprestam mais um tostão, e depois, nem estado social, nem obras públicas, nem gasolina nas bombas nem sequer comida nos supermercados...

Joana Lopes disse...

Não vou ser eu a interpretar as expressões usadas pelo DO. Mas concordarás que, chamando-lhe «mercado» ou não, a crise financeira internacional tem a ver com algo de parecido - especulação ou o que prefiras, não?

Manuel Vilarinho Pires disse...

A crise financeira internacional terá tido a ver com ganância, especulação e imprudência.
A crise financeira portuguesa não!

A crise financeira portuguesa decorre de termos dívidas muito elevadas e de ser algo duvidoso que tenhamos capacidade para as pagar.
E como essas dívidas foram contraídas através de contratos de crédito com prazo fixado, volta que não volta temos de liquidar uma empréstimo cujo prazo acaba. E se não temos dinheiro na mão para o liquidar, temos de pedir um empréstimo para o fazer, porque se nos atrasarmos com um, deixam logo de nos emprestar. E isto é uma camisa de onze varas!

Mas neste caso, a política não abre opções... a opção que temos permanentemente é pagar ou não pagar o próximo empréstimo a atingir a maturidade, sabendo que quando optarmos pela segunda não virá mais dinheiro de fora e as opções a partir desse momento serão ainda mais fechadas.
E isto não é uma questão de soberania, mas unicamente de responsabilidade.

Por isso, defender políticas ruinosas, como faz o BE nesta circunstância, e ao mesmo tempo argumentar que temos possibilidade de as implementar e, se não o fazemos, é apenas porque nos acobardamos perante terceiros (quer seja a UE, quer sejam os mercados) e abdicamos da nossa soberania, é mesmo demagogia.