31.5.10

Por caminhos tortuosos


É um erro reduzir a importância das crónicas que César das Neves publica semanalmente no DN a meros pretextos para comentários jocosos, como eu própria o tenho feito muitas vezes. Porque há milhares de pessoas que as lêem e porque o autor está a ter cada vez mais tempo de antena, como foi patente este fim-de-semana, a propósito do desagrado de alguma direita com Cavaco Silva por este não ter vetado a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O texto de hoje volta aos mesmos temas de sempre – família, aborto, divórcio, etc., etc. -, CN afirma que «o Tribunal Constitucional cede à ideologia e o Presidente lava as mãos como Pilatos», mas como uma nuance mais subtil: relaciona as problemáticas e as decisões com a fragilidade da democracia e acena com novos papões.

Refere «o totalitarismo do orgasmo» da actual «modernidade» para perguntar o que salvará a identidade nacional se a situação se alterar e amanhã «tivermos um parlamento nihilista, espírita, xenófobo ou iberista».

Mais: recorre à ameaça do perigo amarelo frisando que «o sucesso chinês revela um modelo alternativo, mostrando que se pode atingir a prosperidade sem liberdade». Ou seja: avisa que o perigo somos nós, «os maus», já que «o pior ataque ao pluralismo, hoje como sempre, vem de dentro, dos abusos dos democratas». Só falta chamar-nos fascistas.

Quem pensar que este tipo de argumentos só tem eco nos taxistas, engana-se: ele anda por aí e está a causar estragos.
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2 comments:

Paulo disse...

Pessoas como CN são perigosas (já para não falar do modo insultuoso como ele se refere à maioria parlamentar).
E, depois, aquela obsessão pelo tema... se afinal já percebeu que "apesar dos ataques, a verdade da família, baseada numa doação mútua, estável e fecunda, resistirá", para quê tanta insistência?

Manuel Vilarinho Pires disse...

Joana,

Curioso, este João César das Neves...

Como já deves ter percebido, eu afirmo convictamente que não sou de esquerda, mas que também não sou de direita, porque preciso de, pelo menos, três dimensões para situar aquilo que penso.
E o que eu penso é que toda a gente deve poder ter a possibilidade de fazer tudo o que lhe der na real gana e que não interfira com a capacidade de os outros fazerem o mesmo.
Sendo a política aquilo em que o colectivo se permite interferir com o privado, esta forma de ver as coisas tem reflexo em, pelo menos, três dimensões:
No plano económico, sou liberal.
No plano político, democrata.
No plano dos costumes, liberal.

Esta longa introdução para dizer que a posição que vejo como em oposição à minha é a dos que se sentem mais confortáveis com o controlo:
No plano económico, planificador.
No plano político, ditatorial.
No plano dos costumes, moralista.

E aos que andam no meio vejo como confusos, que nem se sentem confortáveis com a liberdade, nem com o controlo, em todos os planos da nossa vida colectiva.

Ora a citação do João César das Neves sobre a China, num tom quase nostálgico, mesmo que virado para o futuro, diz-me que estas prateleiras tão heterodoxas em que arrumo as ideias podem não ser tão disparatadas assim... afinal o "liberal" que não gosta da liberdade de costumes dos outros também vê virtudes nas ditaduras!