2.6.10

Amos Oz sobre Israel (2/6/2010)


«For 2,000 years the Jews knew the force of force only in the form of lashes to their own backs. For several decades now we have been able to wield force ourselves. Yet this power has, again and again, intoxicated us. Again and again we imagine that we can solve every problem we encounter with force. To a man with a big hammer, says the proverb, every problem looks like a nail. (...)

The problem is that we are not alone in this land, and the Palestinians are not alone in this land. We are not alone in Jerusalem and the Palestinians are not alone in Jerusalem. Until we, Israelis and Palestinians, recognise the logical consequences of this simple fact, we will all live in a permanent state of siege – Gaza under an Israeli siege, Israel under an international and Arab siege.»

...

8 comments:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Para dizer o que tenho a dizer, vou ter que ser politicamente incorrecto.

Nasci em 57, poucos anos depois da guerra acabar, e habituei-me a ver os judeus como pessoas decentes, trabalhadoras, cultas, educadas, vítimas do militarismo nazi como uns séculos atrás tinham sido vítimas do fundamentalismo religioso católico.
Um povo com um crédito a haver pelo terror que lhe tinha sido imposto até ao resgate pela América.

Mas as gerações dos meus avós não tinham essa visão dos judeus, e para eles, "judeu" não era um elogio.

A geração dos meus filhos, também não.
Israel é um país muito militarizado, o melhor exemplo de "democracia musculada" que hoje se arranja, que trata os vizinhos usando a força com um despudor que os países mais poderosos felizmente não têm, na realidade, a única potência atómica que hoje em dia parece capaz de usar o nuclear para fins bélicos, e espero estar enganado ao escrever isto.
A geração dos meus filhos já não os vê como um povo de famílias de médicos, artistas, comerciantes, cientistas, vítimas da brutalidade nazi, mas como a "superpotência" militar que consegue resolver os seus problemas pelo uso da força, e só dessa forma os consegue resolver.
E como um país democrata, para o bem e para o mal, porque isto significa que o comportamento do Estado israelita não decorre da sua captura por uma minoria belicista, é antes o retrato da vontade do povo israelita livremente expressa em eleições.

Isto só pode acabar mal, a não ser que o povo israelita e, de uma maneira geral, os judeus que estão fora, perceba que isto só pode acabar mal e consiga inverter este caminho. Mas à medida que o tempo passa, é cada vez mais um caminho só de ida...

Joana Lopes disse...

100% de acordo contigo, Manel. A democracia tem por vezes preços bem caros, como é o caso.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Eu não vejo isto como um preço pela democracia. Não te passa pela cabeça que se Israel tivesse uma ditadura seria menos musculado, pois não?
A democracia não é um seguro 100% eficaz contra a asneira colectiva, até o regime nazi foi eleito democraticamente, mas é o que de melhor se conseguiu arranjar na história da humanidade nesse domínio.
O que há em democracia é a responsabilização do povo pela acção do seu governo, porque ela representa a vontade popular.
Seria mais simpático e mais fácil de resolver se a acção do governo fosse só da responsabilidade dos governantes... mas não é.

Vitor M. Trigo disse...

Uma precisão - O mito de que o regime nazi foi eleito democraticamente é uma mistificação. Alguns dados:

- 20.05.1928, os nazis conseguem 12 deputados;
- 14.09.1930, os nazis alcançam 107 deputados;
- 10.04.1932, Hitler perde (36.8%)eleições presidenciais para Hindenburg (53%);
- 31.07.1932, nazis conseguem 37.8% dos deputados;
- 06.11.1932, nazis perdem 34 lugares no parlamento;
- 30.01.1933, Hitler chega ao poder - é nomeado PM;
- 28.02.1933, por decreto são suspensas as liberdades constitucioais;
- 05.03.1933, nazis obtêm 43.7 % dos deputados;
- 23.05.1933, lei concede plenos poderes a Hitler;
- 14.09.1933, todos os partidos são proíbidos 8excepto o nazi);
12.11.1933, nazis obtêm maioria absoluta no parlamento (661 dep.).

Agora sim, o regime nazi "é" o próprio estado. Até 1945 nunca mais houve eleições na Alemanha.

António P. disse...

Boa noite Joana,
Pois...
há israelitas bons e maus;
palestinianos bons e maus;
portugueses bons e maus,
e por aí fora.
A lucidez de Amos Oz coloca a todos nós o desafio de sairmos do cerco em que todos estamos.
Pena que do lado israelita haja vozes como a de Amos OZ ( e não só ) e que do lado palestiniano e dos outors paises árabes não.
Cumprimentos

Helena Araújo disse...

Manuel,
mesmo os povos vítimas de crimes atrozes têm nuances entre o preto e o branco (levei algum tempo a perceber isso...)
As vítimas do Holocausto não eram todas respeitáveis pessoas dos sectores de serviços, I&T e cultura. Estavam longe de ser um grupo uniforme em termos de formação e ética. Como todos os outros povos, aliás.
Podemos esperar de um povo, em que tantos dos seus foram obrigados a descer ao mais horrível inferno de si próprios, que depois disso se tornem pessoas com apurado sentido de justiça, quando está em causa a sua segurança?

Vítor,
o "regime nazi", propriamente dito, não foi eleito. Mas Hitler chegou ao poder por via democrática. Com maioria parlamentar, e nomeado (enfim, a contragosto...) pelo Presidente.

António P.,
uma pequena rectificação: do lado palestiniano há muita gente lúcida e que quer a Paz - apesar de o preço desta ser insuportável para os palestinianos. Estou a falar de aldeias e comunidades destruídas e esquecidas à força, de centenas de milhares de pessoas expulsas da sua casa e do seu país que, pelos vistos, nunca serão autorizadas a regressar, do despovoamento forçado de Jerusalém, da quase inultrapassável dificuldade de fazer uma viagem de 15 km, etc.

Penso que, apesar de tudo, naquela região é mais fácil ser um judeu "lúcido e justo" que um palestiniano "lúcido e justo". São muitas décadas de perseguição e quotidianas humilhações, de atroz sofrimento, sensação de impotência e de ressentimento.
Perante a escandalosa assimetria de poder, perante os horrores quotidianos a que os palestinianos são sujeitos, o que me espanta é que ainda haja gente que não perdeu a esperança num mundo melhor - que eles não se tenham tornado todos em kamikaze.

Pode-se pedir a um David que não use truques baixos para vencer o Golias?

Há tempos, uma senhora judia (residente em Basileia, fugida da Alemanha no fim dos anos 30) dizia-me abertamente: "Se Israel já está a usar todos os meios para tornar a vida impossível aos palestinianos, porque é que eles insistem em ficar lá? Porque é que ainda não se foram todos embora? Porque é que não vão para os países amigos, onde há espaço suficiente para eles?"

Isto já vai longo, mas gostaria ainda de lembrar um alemão reformado, meu amigo, que volta e meia vai à Palestina ver e ajudar. Ajudar: fazer uma barreira humana de estrangeiros, para que os palestinianos possam colher as suas azeitonas (as que os colonos não roubaram ainda) sem levarem um tiro destes. Ou atravessar um check point com os outros palestinianos, para que o soldado israelita na fronteira se sinta intimidado com a presença de um estrangeiro e não faça as chicanas habituais - como obrigar uma ambulância com doentes a esperar durante horas e horas, ou obrigar uma mulher em trabalho de parto a esperar "o que for preciso".

Joana Lopes disse...

Obrigada, Helena, pela sua «contribuição», Um abraço

Manuel Vilarinho Pires disse...

Helena, obrigado pela sua resposta.

O povo judeu é tão homogéneo ou heterogéneo como outro povo qualquer.
O que eu queria dizer é que a minha geração simbolizava-o nas famílias respeitáveis e respeitadas que foram primeiro sujeitas a humilhações inimagináveis e depois ao genocídio nazi, a geração dos meus avós (e se calhar a dos alemães que toleraram o nazismo) nos usurários que enriqueciam impiedosamente à custa da miséria dos outros, e a geração dos meus filhos nos militaristas impiedosos que sujeitam os vizinhos a humilhações inimagináveis e, de quando em quando, a bombardeamentos de populações civis.
E isto é relevante porque, por grosseiras que sejam as simplificações que usamos ao generalizar os símbolos, usamo-los para construir as nossas opiniões àcerca das coisas.

As circunstâncias que levaram os judeus a, democraticamente, enveredar por uma via tão musculada, terão sido certamente ponderosas para as suas decisões colectivas. Mas não reduzem nem tornam justo o sofrimento de quem é vítima deles e da sua violência.
E, sendo Israel uma democracia, e isso é inegável, podem ganhar pontos aos olhos de pessoas como nós, mas também ganham o peso de uma responsabilidade colectiva naquilo que Israel faz, a que nenhum se pode furtar, porque um governo democrático representa-os a todos, independentemente da heterogenia de cada um.

E porque é que isto é relevante para o meu comentário e, mais especificamente, para o pessimismo do meu último parágrafo? Porque numa guerra só uma das partes tem capacidade de a acabar: a que tem mais força. A que a está a perder pode desejar todos os dias que ela acabe mas, até a outra decidir isso, não tem mais do que continuar a ser sovada.
E Israel e, sendo Israel uma democracia, o povo israelita, não quer acabar a guerra. Vai deixando eliminar as pombas e elegendo sistematicamente os falcões. E a verdade é que só Israel pode acabar esta guerra...