8.6.10

O pó da simpatia


«A pensar em Madrid, pus-me a imaginar que inventavam o pó da simpatia. Inventavam-no apesar da lei do tabaco – esse pó seria como que uma espécie de rapé – e, a princípio, tinha o seu quê de clandestino. A nova intenção era capaz de transformar um país inteiro. Quem o provasse, mudava imediatamente de humor e não só sorria, como se tornava adoravelmente alegre e simpático, descontraído, atento às opiniões diferentes do próximo: elegante, discreto, inteligente, verdadeiro democrata.

Numa primeira fase, o inventor do pó da simpatia fazia os seus primeiros testes ou experiências com os taxistas de Madrid e, numa semana, mudava-lhes o carácter castiço e grosseiro, convertendo-os em pessoas que escutavam música clássica ou então recitais de poesia. A sua simpatia era tão avassaladora e as suas gargalhadas tão benéficas, que Espanha mudava espectacularmente da noite para o dia, porque eram esses mesmos taxistas de Madrid que contagiavam a revolução dos cravos e o riso: um riso que, por arte do pó mágico, se estendia aos bispos fundamentalistas e ao pessoal da Iberia e acabava de pulverizar literalmente o tradicional mau feitio dos franquistas. E o país inteiro ria e ria. Não se escreviam mais romances sobre a guerra civil e havia uma grande festa na antiga casa trágica de Bernarda Alba.

A revolução chegava a Espanha através das suas bases mais trogloditas e contagiava o reino dos cidadãos. O riso é o fracasso da repressão, ouvia-se dizer por todo o lado. E os taxistas de Madrid e os comandantes da Iberia convertiam-se na elite intelectual mais importante da Europa. E ríamos todos. Os bispos espanhóis também.»

Enrique Vila-Matas, Diário Volúvel.
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1 comments:

flaviomac1 disse...

Não sei de onde saiu isso, mas não tem nada a ver com o Pó da simpatia (sulfato de cobre) utilizado para cura a distancia.
Para saber mais sobre o assunto recomendo a leitura do livro Exteriorização da Sensibilidade de Albert de Rochas.
Livro esgotado, mas facilmente encontrado nos sebos.