5.7.10

O capitalismo neoliberal em estado zombie?


Tenho vindo a divulgar uma série de textos recentemente publicados, nomeadamente da imprensa espanhola, que podem ajudam a reflectir para além da espuma dos dias e das crises, independentemente de se concordar ou não com as opiniões e os diagnósticos que veiculam.

É hoje o caso para uma entrevista em que Antoni Castells, economista, conselheiro de Economia e Finanças da região da Catalunha, anuncia o inevitável «fim do capitalismo», não tanto pela crise actual mas pelos seus próprios valores e características.

Aconselho a leitura na íntegra e retiro alguns excertos:

«El capitalismo liberal es incapaz de superar su propia crisis. Para empezar, tiene como objetivo el crecimiento ilimitado. En sí mismo, no es sostenible. Se basa además en el sometimiento del resto de actividades sociales a la suya y a sus reglas y valores: la apropiación de la plusvalía, el individualismo, el deseo ilimitado de agrupar riqueza y la competitividad, que no tiene nada que ver con la competencia. (…)

Se ha llegado a la decrepitud, que a largo plazo conduce a la muerte. Es cuestión de tiempo. Hay quien habla de hundimiento inmediato, otros vislumbran brotes verdes. El capitalismo neoliberal vive ya en un estado zombie.(…)

El problema es la generalización de los valores del capitalismo, que eran inicialmente los de la burguesía. Se han impuesto sobre la creatividad social. Asumimos la generalización de la corrupción, incluso pensamos que hubiéramos echo lo mismo. Cuando esos valores se convierten en los de todos el sistema se vuelve insostenible.

Como tal aún puede durar bastante tiempo. Que esté muerto no significa que desaparezca. Antes es necesario que surja otro tipo de sociedad que lo sustituya.»
...

4 comments:

Manuel Vilarinho Pires disse...

"Para empezar, tiene como objetivo el crecimiento ilimitado": de facto, o liberalismo não tem nenhum objectivo sistémico deste género.
Tem apenas por base a "crença" que dar aos agentes económicos a possibilidade de agir em liberdade é melhor do que orquestrar a economia.
Como dar aos "gays" a liberdade de se relacionarem como entenderem é melhor do que obrigá-los a casar com pessoas do outro sexo para procriar.
A ciência económica constituiu uma base esmagadora de factos que lhes dá razão, ou seja, que comprova que um sistema económico em que todos os agentes optam em liberdade de acordo com as suas preferências pessoais cria mais riqueza do que um sistema económico "dirigido" por "expertos".
Sem se preocupar com a distribuição da riqueza, é verdade...
Mas também parece haver evidências que sugerem que um sistema que cria mais riqueza também a distribui melhor, por contraponto a um sistema em contracção, que a concentra mais... era disto que falávamos há uns dias, não era?
Posto isto, eu digo-te o que é que em meu entender faz confusão aos esquerdistas e os desincentiva de reconhecer a realidade como ela é:
O capitalismo, ou liberalismo, ou economia de mercado, é apoiado no egoísmo, e na satisfação do egoísmo!
E quem chega às convicções políticas por via do altruismo sente-se tão inseguro a olhar para o liberalismo como o César das Neves a olhar para a satisfação dos instintos primários libidinosos do Cristiano Ronaldo... que no entanto é pai por essa via! E recusa a realidade... que a continuação da espécie é garantida pelo sexo, e não pelo casamento, por bonito que o casamento possa ser, e é...
Por hoje, fico-me por aqui...

Joana Lopes disse...

Se quiseres, substitui, na primeira frase, «objectivo» por «crença» e podes tirar o adjectivo liberal ao capitalismo: este sempre pressupôs a possibilidade de crescimento praticamente ilimitado. Qualquer empresa que se preze tem (tinha?) sempre a obrigação de crescer, ano após ano. Estacionar = derrota.

«O capitalismo, ou liberalismo, ou economia de mercado, é apoiado no egoísmo, e na satisfação do egoísmo!». Não digo que não, mas podes crer que o que me aproxima (de um modo geral) deste texto, não se chama altruísmo, mas sim realismo. O sistema em que vivemos já deu o que tinha a dar, não está a ser capaz de se gerir. Outro virá (também chego sempre ao mesmo…)

Manuel Vilarinho Pires disse...

Na realidade, eu tiro mais facilmente o prefixo capitalismo ao liberal que o sufixo liberal ao capitalismo... porque o que faz a diferença é o respeito pela liberdade (da actividade económica, da vida social, dos indivíduos), mais do que a propriedade das empresas.
Na Europa do Séc.XX os capitalismos autoritários e controleiros da economia, sempre limitadores da concorrência, geraram economias quase tão pobres como as comunistas.

Numa economia de mercado as empresas não têm nenhuma obrigação de crescer... nascem, crescem, definham e morrem, substituídas com vantagem por outras que satisfazem melhor as necessidades e os desejos dos consumidores. Nâo se utiliza dinheiro dos "taxpayers" para pagar subsídios que distorcem os mercados, nem para salvar bancos nem grandes empresas que deram passos maiores que o chinelo e se espatifaram, desse modo premiando a imprudência e a ineficiência.

Eu não conheço a obra deste economista, mas não me surpreende que as suas convicções sejam mais decorrentes das suas preferências do que da investigação objectiva de factos... dou alguns exemplos:

"Las revoluciones del Mayo francés, la Primavera de Praga, los movimientos en México, las protestas contra Vietnam, Martin Luther King... Todo ello puso de manifiesto al poder económico que había perdido posiciones. En 1970, el 10% de la población en EEUU ostentaba el 33% de la riqueza, cuando en 1949 alcanzaba casi el 50%."
Ele reconhece que os anos de ouro do capitalismo do Séc.XX, os 50s e 60s, disseminaram riqueza de uma forma sem precedentes? Não! Coloca a questão numa perspectiva de luta de classes, esquecendo o factor que estancou o crescimento e voltou a alimentar as assimetrias a partir dos anos 70, o choque do petróleo...

Outro preconceito, a associação de corrupção ao capitalismo. Pelo contrário, há imensa produção científica a demonstrar correlações negativas entre corrupção e criação de riqueza... e os campeões da corrupção são países "socialistas" (os da "criatividade social"?) ou países "capitalistas" sem economia de mercado (cada vez menos, que a América do Sul já não é o que foi).

Finalmente, desde miúdo que eu oiço anúncios da morte para breve do capitalismo... que crescem de convicção quando há uma crise... é um pouco como anunciar que o mar se vai embora quando se vê a maré a baixar...
Talvez por se apoiar no egoísmo dos indivíduos que fazem pela vidinha, que existe mesmo, e não numa orquestração do colectivo, que acaba sempre por desafinar, a economia de mercado parece ter uma capacidade de regeneração que as economias "científicas" não têm...
Não me parece que ele vá viver tempo suficiente para assistir à morte do "zombie"... nem nós...
;-)

Joana Lopes disse...

Claríssimo e muito bem explicado.

Excepto que tu tens uma crença na capacidade de regeneração do sistema baseado na liberdade individual «egoísta» (a expressão é tua) que eu não partilho.
Mas não seremos nós a ver nenhum sucedâneo do zombie, nisso estou de acordo.