14.8.10

Alguém previa isto há meia dúzia de anos?


A imagem não mostra uma distribuição do que quer que seja em África ou no Haiti, mas sim em East Point, arredores de Atlanta, EUA.

Na passada quarta-feira, cerca de 30.000 pessoas, depois de esperarem muitas horas em filas que começaram três dias antes, precipitaram-se, empurraram-se e tiveram mesmo de receber cuidados médicos (dezenas de feridos, alguns em estado grave), na esperança de conseguirem um impresso de candidatura para ajuda na obtenção de um alojamento.

O que foi distribuído? 455 cheques com subsídios para arrendamento e 13.000 impressos a preencher para entrar numa fila de espera.

Nestes vídeos, alguns números e imagens esclarecedoras que deixaram os americanos em estado de choque. «É isto a América?»

Inútil chamar a atenção para a cor de pele dominante - ou única.





(Fonte), entre outras.
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E ainda há quem diga que a idade não melhora


George Clooney
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De pequenas histórias que ficam para a História


«O meu primeiro emprego, entre 1959 e 1963, em plena ditadura salazarista, foi o de “locutor da rádio”. Uma das coisas que tinha de fazer era um “programa de discos pedidos” às sextas-feiras, em que os ouvintes telefonavam das 21h00 às 21h30, eu gravava os telefonemas e o programa era transmitido depois, com os telefonemas e as respectivas músicas. Eu arranjei um truque: em vez de atender os telefonemas dos ouvintes, arriscando-me a só me pedirem porcarias, era eu que telefonava aos meus amigos, indicava-lhes a música que eles deviam pedir, e assim compunha programas inteiros com músicas de resistência e contestação de todo o mundo…»

Dois exemplos:





Pescado aqui.
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O regresso


Um curioso texto de Yoani Sánchez, no dia em que Fidel Castro fez 84 anos (ontem).

«Habíamos empezado a recordarlo como algo del pasado, que era hasta una forma noble de olvidarlo; muchos estaban disponiéndose a perdonarle sus errores y fracasos para colocarlo en algún ceniciento pedestal de la historia del siglo XX, donde su rostro - retratado en su último mejor momento - ya aparecía junto a los muertos ilustres. De pronto ha salido a exhibir impúdicamente sus achaques y a anunciar el fin del mundo, como si quisiera convencernos de que la vida después de él carecerá de sentido.

Durante las últimas semanas, aquel que fuera llamado el Uno, el Máximo Líder, el Caballo, o con el simple pronombre personal ÉL, se nos ha presentado despojado de su otrora subyugante carisma, para confirmarnos que aquel Fidel Castro - afortunadamente - ya no volverá, aunque por esta vez sea nuevamente noticia.»
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13.8.10

Paraskevidékatriafobia?


Só se escreve com copy/paste, como no caso do vulcão islandês, e a palavra significa, pura e simplesmente, fobia às sextas-feiras 13 [do grego Paraskeví (sexta-feira) e dekatreís (13)].

Apontam-se variadíssimas causas históricas para que a data sugira azar ou sorte, geralmente de origem religiosa (Cristo morreu numa sexta-feira e havia 13 pessoas à mesa na Última Ceia, por exemplo), e há também quem considere que 12 é um número tão perfeito (12 meses no ano, 12 signos no Zodíaco, 12 horas nos relógios) que 13 só pode ser «impuro».

Mas a realidade aí está para demonstrar que a data funciona. Hoje, haverá certamente mais apostadores no Euromilhões (em França, regista-se um acréscimo de 25% em todo o tipo de jogos) e, por outro lado, continua a não existir fila 13 em muitos aviões e é prática corrente que os hotéis não tenham 13º andar nem quartos com o número em questão.

E eu, que devia ter viajado hoje para Moscovo, e apanhar depois o Transiberiano, talvez tenha tido sorte com o cancelamento russo porque leio que os fogos, embora mais reduzidos agora em número, se aproximam da tal central nuclear (Sarov), de que já falei há alguns dias e que fica mesmo muito perto da primeira etapa que faria no comboio.


Ter ido talvez fosse desafiar o destino para além do razoável e desrespeitar a dita cuja paraskevidékatriafobia…

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Se a inveja matasse


«A petição "Equivalência de Mestre (com maiúscula) aos titulares das anteriores licenciaturas com formação de 5/6 anos" já está na Net e, até ontem, tinha sido subscrita por 13 941 futuros Mestres (com maiúscula).
Pela ordem natural das coisas, seguir-se-á a exigência dos mestres de passarem a doutores "in extenso" (e a dos doutores meramente "distintos" passarem a "distintos cum laude", e estes a "magna cum laude", e estes a "summa cum laude", e por aí fora até ao infinito). É o conceito "Novas Oportunidades" levado ao limite, antes de os títulos de "Dr." e "Doutor" começarem a ser atribuídos a todos os portugueses no momento do baptizado.»
Manuel António Pina, no JL.

E acrescento eu: quem fez a 4ª classe há 40 anos devia pedir a equivalência a Matemática do 9º ano? E a Português do 12º? E assim sucessivamente?
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Ordem de esquecimento à saudade


Gostei de saber que Ruy Duarte Carvalho viveu os últimos anos e morreu em Swakopmund, essa pequena cidade lindíssima, no litoral da Namíbia, onde se tem a surpresa de atravessar a fronteira para uma espécie de Alemanha, pouco tempo depois de deixar para trás a duna 45. É uma bela porta para se sair deste mundo.

As ruas do centro são com aquela que a fotografia mostra, quando se entra na principal livraria podia estar-se em Wiesbaden, a ordem no trânsito e a limpeza das ruas são legado de algumas décadas de presença alemã que os namibianos teimam em não perder.

Bem gostava que me tivessem mostrado a casa onde Ruy Duarte estaria provavelmente a escrever (e não a que Angelina Jolie e Brad Pitt alugaram quando decidiram que uma filha por lá nascesse…), mas nem o Lonely Planet, nem o meu guia (by the way angolano do Sul, tal com Ruy Duarte) ma assinalaram.

Recordar Swakopmund (e o deserto, inesquecível, ali tão perto…) é sempre um enorme prazer e, neste caso, um motivo para divulgar um texto de Ondjaki, escrito ontem mesmo.

cresci numa Angola em que o Ruy acreditou – e ajudou a construir
Sabemos que perdemos um amigo, um mestre, quando nos é tão difícil falar da sua partida. Sabemos que perdemos um escritor, quando somos invadidos por uma brutal saudade daquilo que ele ainda viria a escrever. Angola perdeu, na minha opinião, um dos pilares mais sólidos da sua literatura e da sua antropologia. Partiu o homem, o artista e o pensador, num corpo que reunia estas coisas com tal elegância e intensidade, que parecia um ser de ficção. Quando um homem, como o Ruy Duarte, pode ser lembrado como exemplo de integridade, coerência, honestidade intelectual e elevadíssima qualidade estética em tudo o que fez, esse homem pode partir em paz – e nós podemos entregar-nos, quase a sorrir, à saudade de o querermos reler. Lembro o poeta. Lembro o amigo. Lembro o mestre. Serenamente, celebro os momentos que passei com ele, em conversa atenta, em diálogos de escutar. Ao homem que escreveu “há coisas que eu diria para entender mais tarde”, eu presto a minha homenagem, não como escritor, mas como jovem angolano. Bem sei que eu cresci numa Angola em que o Ruy acreditou – e ajudou a construir. Bem sei que foi sobretudo para as gerações vindouras que ele andou a escrever, mais ou menos cifrados, os textos que esculpiu para nos dizer o que era “fazer arte”, tendo escolhido a abordagem dos seres discretos, dos corajosos, dos que abdicam na hora certa. Devagarinho, lá teremos de dar “ordem de esquecimento” à nossa saudade; e aos poucos, no que nos deste, havemos de ler todos os “sinais misteriosos” – que já se vão vendo… Obrigado, camarada Ruy. Obrigado mesmo!

(Daqui)
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Puro fel


«Se eu fosse mau como as cobras, em vez de “Cavaco Silva e Sócrates interrompem férias por causa dos incêndios” escreveria "Cavaco Silva interrompe as férias por causa das eleições presidenciais; Sócrates interrompe férias por causa de Cavaco Silva."»

Roubado, sem tirar nem pôr, ao Porfírio Silva.
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Morreu o angolano Ruy Duarte de Carvalho


1941-2010. Participou na luta pela libertação de Angola e tornou-se mais tarde nacional deste país. Poeta, antropólogo, escritor e cineasta. Viveu em Swakopmund, Namíbia, nos últimos anos. A sua poesia encontra-se reunida em Lavra (2005) e os livros Vou lá visitar pastores (1999), Actas da Maianga (2003), Os Papéis do Inglês, As paisagens Propícias (2005), Desmedida (2007), que ganhou o Prêmio Literário Casino da Póvoa, e A Terceira Metade (2009), todos na Cotovia. No Brasil Os Papéis do Inglês (Companhia das Letras) e Desmedida (Língua Geral).
(Foto e texto a partir daqui)

Nota – Encontrei dezenas de notícias em jornais e blogues angolanos e brasileiros que referem, em título, a nacionalidade de RDC. Nenhuma em Portugal.

Em meados do século passado desembarquei em Lisboa com uma bicicleta e uma caixa de tintas a óleo na bagagem. Eram prendas preciosas, uma de aniversário e outra por ter feito o 2º ano do liceu, de que tinha conseguido não me separar quando por decisão familiar fui nessa altura remetido de Moçâmedes para fazer em Santarém, num prazo de 5 anos, o curso de regente agrícola. Mas nem da bicicleta nem das tintas a óleo nunca mais voltei a fazer uso. Passei esses 5 anos na condição de aluno interno, a residir no próprio estabelecimento escolar, e tanto as tintas a óleo, que eram o reconhecimento dos meus mais evidentes talentos de infância, como a bicicleta, que era uma adjectivação de gloriosas adolescências coloniais, foram sacrificadas à disciplina e ao programa da minha estadia em Portugal. Fiz o que tinha a fazer dentro do prazo previsto, fui sendo bom aluno e isso me foi assegurando o direito de vir a Angola com passagens por conta do estado durante quase todas as férias grandes. E em 1960, com 19 anos, voltei definitivamente à jóia da coroa do império português para começar a fazer pela vida, até hoje e a partir daí, conforme as circunstâncias e segundo os meus próprios critérios...

Não estou, porém, evidentemente, a contar a estória pelo princípio. Quando de facto fui embarcado em Moçâmedes com destino a Santarém, eu estava também a ser remetido ao exacto local do meu nascimento biológico e de onde, mais cedo portanto, tinha vindo com a família, que entretanto emigrava arruinada mas servida ainda de criada branca e acompanhada de cães de caça, desembarcar em Moçâmedes. De qualquer maneira o que me calhou na vida foi estar de volta a Angola com um curso médio já feito quando a maioria dos sujeitos angolanos da minha classe etária e com recursos para estudar, com alguns dos quais eu tinha feito o 2º ano do liceu, estava a ser, por sua vez, expedida para a metrópole para estudar em faculdades. Não beneficiei, assim, nem de uma iniciação universitária comum nem da escola de cativação ideológica que também foi para a minha geração a casa dos estudantes do império, por exemplo, e pelo menos duas consequências maiores para o meu percurso biográfico terão resultado desta configuração das coisas : a primeira é que o lugar onde vim ao mundo, na Europa, sempre constituiu para mim, desde que me lembro a enfrentar a vida e a reflectir nas coisas, uma referência de exílio; a segunda é que tudo quanto pela vida fora se me foi revelando em termos de relação com o tempo histórico que foi o meu, e determinando o meu lugar cívico no mundo, acabou de uma maneira geral por me ocorrer a maior parte das vezes de maneira directa, física e existencialmente interpelativa, e não raro brutal, para só vir a impor-se de forma ainda assim mentalmente muito elaborada e muito ruminada, nalguns casos, teoria ajudando, quase sempre só depois.

12.8.10

Parvoíces


Um cardeal romano inventou mais uma questão semi-fracturante na ICAR, ao considerar que as crianças devem passar a ter acesso à primeira comunhão antes dos sete anos, considerada até agora «a idade da razão».

Diz ele que a dita idade da razão chega hoje mais cedo, e eu admito que sim, e o tema não teria qualquer interesse a não ser para os implicados, não fosse a mentalidade que os extractos divulgados do texto do cardeal Cañizares revelam.

Ignoro as considerações que faz sobre a evolução da questão ao longo da história e nem discuto, obviamente, se esperar pelos sete anos é privar alguém «de uma dádiva de Deus» ou se está em causa a força necessária «para viver com felicidade e com esperança» - quem tem fé acredita certamente que sim.

Mas quando leio que «as crianças vivem imersas em mil dificuldades, rodeadas por um ambiente que não as encoraja a ser o que Deus quer que elas sejam», não posso deixar de me perguntar que espécie de Deus draconiano é que esta gente tem na cabeça, que tem desejos e exigências concretas para seres de quatro, cinco ou seis anos. Certamente que não vejam muitos desenhos animados, arrumem os carrinhos e não façam xixi na cama. Com a primeira comunhão mais cedo, tudo isto correrá certamente muito melhor. E Deus ficará feliz.

(Fonte)
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Dizem que é uma espécie de cinquentenário

…  o destes senhores...

Os primórdios:

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Sempre demos luzes ao mundo



Os proibicionistas exultam e esperam que, a partir de hoje, passemos a morrer muito mais saudáveis. E a ideia é «avançar de seguida para outros alimentos», o que até já devia ser feito. Em breve,  restaurantes sem saleiros?

Não se educa, proíbe-se: a tradição ficou-nos no sangue (e a UE veio ajudar). Se é possível comprar pão sem sal, ou com muito pouco, esta medida só pode ser publicidade a uma qualquer Tristar ou incitamento a comércio clandestino e ao secular contrabando.

Podiam ter optado por uma pequena etiqueta: «Comer pão mata».
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Do fundo de um grande baú

Jean-Luc Godard e Louis Aragon

Uma foto recebida por mail e a associação inevitável:



J'en ai tant vu qui s'en allèrent
Ils ne demandaient que du feu
Ils se contentaient de si peu
Ils avaient si peu de colère

J'entends leurs pas j'entends leurs voix
Qui disent des choses banales
Comme on en lit sur le journal
Comme on en dit le soir chez soi

Ce qu'on fait de vous hommes femmes
O pierre tendre tôt usée
Et vos apparences brisées
Vous regarder m'arrache l'âme

Les choses vont comme elles vont
De temps en temps la terre tremble
Le malheur au malheur ressemble
Il est profond profond profond

Vous voudriez au ciel bleu croire
Je le connais ce sentiment
J'y crois aussi moi par moments

J'y crois parfois je vous l'avoue
A n'en pas croire mes oreilles
Ah je suis bien votre pareil
Ah je suis bien pareil à vous

A vous comme les grains de sable
Comme le sang toujours versé
Comme les doigts toujours blessés
Ah je suis bien votre semblable

(Louis Aragon, "Les Poètes")
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11.8.10

O milagre indiano?


Se há país que me impressione negativamente é a Índia. Por muitas e variadas razões que não interessam agora, mas, sobretudo, pela miséria visível a cada esquina, com ar de ser eterna, num dos BRIC’s com maior sucesso e maiores taxas de crescimento nesta fase crítica do mundo. Não se tem a mesma sensação na China ou no Sudeste Asiático: a extrema pobreza indiana parece ter-se instalado para ficar.

Porque se trata de um «crescimento predador», onde a evolução da economia «é um processo patológico que se alimenta da desigualdade social e da destruição ambiental» (como li há alguns dias, num blogue brasileiro que recomendo)? Não sei, mas talvez.

Louvada internacionalmente como «milagre económico», pela sua taxa média de crescimento rondando os 7%, este país viu aumentada a pobreza e a desigualdade, no seu enorme território, onde 42% da população vive com menos de um dólar por dia e 75% com menos de dois. Isto porque o crescimento se reflecte em apenas 1% anual no aumento do emprego, como resultado de incrementos de produtividade elevadíssimos e cortes nas despesas com salários para competir em termos de exportações.

Além disso e contrariamente à China, a Índia tem um elevado deficit externo e financia-o atraindo investimento estrangeiro directo e capitais a curto prazo, que pouco têm a ver com as necessidades da população, e só os privilegiados têm acesso ao crédito.

A abertura ao investimento estrangeiro passa pela entrega de concessões nas indústrias extractivas, florestal e turística, assim «retiradas» aos nativos – um dos aspectos mais violentos do milagre indiano.

Daí, o termo «predador»: «É, efectivamente, um complexo processo económico e político no qual os perdedores entregam a sua forma de vida a um crescimento que privilegia alguns, poucos, e não pode elevar o nível de vida da maioria da população».

A seguir, com atenção, nos próximos capítulos.

P.S. – Num comprimento de onda diferente mas complementar, ler India Needs Manufacturing (a que cheguei via Jorge Nascimento Rodrigues no Facebook).
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Premonições


«In my lifetime, we've gone from Eisenhower to George W. Bush. We've gone from John F. Kennedy to Al Gore. If this is evolution, I believe that in twelve years, we'll be voting for plants.»
Lewis Black

(Via Ana Cristina Leonardo, aqui.)
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Quem fala assim não é gaga


«Vivemos a crise mais grave depois do 25 de Abril, num pilar essencial para o Estado de direito, e continua tudo a banhos descansadamente?»

Claro que sim: PR e dirigentes do PS andam mesmo a banhos ou esperam pela chuva que teima em não vir para passarem entre os respectivos pingos. Os que são encostados à parede lá vão afirmando que são necessárias medidas profundas e muitos pactos verdadeiros, esses sim que serão agora para valer. E nem coram de vergonha por não ousarem dizer que o rei vai nu:

«Era elementar que o procurador-geral e a directora do DCIAP se demitissem. Se não, que fossem demitidos e substituídos por quem fosse capaz de reformular a justiça».

E o PSD? Esse fala porque está na oposição. Caso contrário, estaria fugido e o PS andaria aos tiros. É a alternância, estúpido!

(Fonte)

P.S. - Aqui, em declarações à TSF.
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10.8.10

Franceses tipo A e tipo B


Os ânimos ainda não se acalmaram depois das polémicas afirmações de Sarkozy, no passado dia 30 de Julho, em Grenoble.

A ler, na íntegra, um texto de Bernard-Henri Lévy:

« On peut discuter […] des conditions qui permettent d'accéder à l'être-Français ; on peut les multiplier, les affiner, les durcir, les solennise : mais que l'on laisse s'insinuer l'ombre de l'idée qu'il y aurait deux classes de Français selon qu'ils sont nés Français ou qu'ils le sont seulement devenus, que l'on se laisse aller à imaginer un ordre des choses où il y aurait les Français à l'essai et les Français pour toujours, les Français en sursis et les Français sans débat, les Français qui restent Français même s'ils commettent des actes de délinquance et ceux qui cessent de l'être parce qu'ils ne l'étaient, au fond, qu'à demi […] n'est tout simplement pas concevable. »
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As «golden shares» de Mariano Gago


Haverá talvez excelentes razões legais para impedir que universidades públicas de outros países europeus possam criar pólos de ensino em Portugal, mas escapam-me em termos de pura racionalidade.

Diz o Público de hoje que a Universidade de Cádis pretendia abrir por cá um campus universitário, mas que a respectiva autorização lhe foi recusada por… não ser uma unidade de negócio já que não é privada, ou seja, porque os seus fins não são de «natureza económica, nem tem uma ligação directa com a produção de bens ou a prestação de serviços no mercado comum». Caso fossem, gozaria automaticamente da «liberdade de estabelecimento», concedida pelo tratado que institui a Comunidade Europeia.

Parece óbvio que este legalismo burocrático não foi objecto de qualquer tentativa de solução por parte do governo português ou da Procuradoria Geral da República que tem uma palavra a dizer sobre o assunto – leia-se o parecer desta, no Diário da República de hoje.

Não sei que cursos estavam nos projectos da Universidade de Cádis, mas imagine-se, por hipótese, que se tratava de abrir, algures nas planícies alentejanas, vazias e atravessadas por belíssimas estradas que quase ninguém usa, uma faculdade de Medicina que evitasse que algumas centenas de portugueses tivessem de ir parar à República Checa, a Salamanca ou mesmo a Badajoz. Que mal viria do facto de a dita universidade ser pública, do governo espanhol, e não da Opus Dei como a de Navarra?

Tente-se olhar para o fenómeno de longe, de fora, e será verdadeiramente incompreensível uma mesquinhez deste tipo, numa das pontas de uma Europa escalavrada, mais ou menos à deriva, e que se preocupa com obstáculos ridículos que não consegue, ou não quer, ultrapassar.
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Evidências


«Parece que o mundo se divide entre pessoas boas e pessoas más. As boas dormem melhor, as más gozam muito mais durante as horas em que estão acordadas.»
Woody Allen
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Caligrafia


Descubra o blogue.
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9.8.10

Hoje é assim



Há 65 anos, os EUA lançaram, em Nagasaki, uma bomba que matou 80.000 pessoas. Seis dias depois, em 15 de Agosto de 1945, o Japão rendeu-se - no Dia V-J, para os aliados, que deu origem ao fim da Segunda Guerra Mundial.

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Entretanto, muito a Leste


Enquanto a União Europeia se detém e entretém com décimas e centésimas de PEC’s, do outro lado do mundo acontecem factos importantes que, aparentemente, lhe passam completamente ao lado. Os americanos, esses, não dormem.

«The nations of Southeast Asia are building up their militaries, buying submarines and jet fighters at a record pace and edging closer strategically to the United States as a hedge against China's rise and its claims to all of the South China Sea. (…)
For years, experts have predicted that China's "soft power" and growing economy would allow it to dominate the region. But as China's diplomacy turned more aggressive, the region has defied those predictions and looked to Washington for help.»

Mais concretamente: o Sudoeste Asiático, em parte liderado pelo cada vez mais forte Vietname, cresce,  tenta emancipar-se e defender-se da grande China. Da pior forma? Talvez inevitavelmente, para um conjunto de países vítimas de tantas guerras, ao longo da sua história mais ou menos recente.

A ler na íntegra.
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Reconheço


… que não seria a melhor maneira de ver Moscovo, mas eu iria, na próxima 6ª feira, se não tivesse acabado de saber que me cancelaram a viagem. Assim sendo, o Transiberiano fica adiado sine die e as minhas férias de Verão também.

Sabotagem do dr. Cavaco ou ira do universo, o que é verdade é que, depois das cinzas da Islândia e dos fogos russos, não sei exactamente para onde me virar.

Desafiam-me agora para Síria e Jordânia em Setembro, mas sei lá se Fidel convence Obama a não atacar o Irão antes disso!
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Da decência


«Li num blogue insuspeito de simpatias ideológicas pelo PCP a expressão "um homem decente" para caracterizar o desaparecido dirigente comunista António Dias Lourenço, e vi depois a mesma expressão repetida mais do que uma vez em outros dispersos lugares. Caracterizar é distinguir. Numa sociedade minimamente saudável do ponto de vista moral, em que a decência, e não a falta de escrúpulos, fosse a regra, a expressão "um homem decente" não distinguiria. Só em sociedades moralmente doentes como aquela em que hoje vivemos a decência se torna uma característica distintiva e expressões como "um homem decente" têm conteúdo informativo. Dias Lourenço dedicou toda a vida (17 anos dela passados nas prisões de Salazar, outros tantos na clandestinidade) a bater-se por ideias e valores e não por interesses pessoais. Quase 40 anos depois do 25 de Abril, em tempos, como estes, de recém-chegados e de oportunistas, isso é certamente motivo de escândalo. De quantas das notoriedades que abundam hoje na nossa vida política e económica poderemos dizer "um homem decente" sem abastardar a própria noção de decência?»
Manuel António Pina, no JL.

«Decência» significa respeito pelos bons costumes, honestidade, dignidade nas maneiras, compostura. Também se pode falar de dignidade, honestidade, integridade, rectidão, respeitabilidade, seriedade.

Tudo regras que nos nos vamos habituando a elogiar como excepções.
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,,,

Porquê?

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8.8.10

Felgueiras, a heroína



Faço minhas estas palavras de José Manuel Fernandes O resto do post não me interessa.

Mas, de facto, o que pode justificar uma entrevista de Anabela Mota Ribeiro, de mais de sete páginas, aqui e agora, a uma figura tão polémica (estou a ser meiga...) como Fátima Felgueiras que a própria jornalista qualifica como «carismática» e apresenta de forma acrítica e quase heróica? Reabilitá-la uma vez mais? Relançá-la para outros voos? Ou…?

Talvez o meu erro tenha estado apenas em esperar outras opções por parte de quem, até agora, parecia seguir critérios qualitativamente mais respeitáveis nas suas escolhas. Quem se seguirá? Isaltino Morais? Avelino Torres?
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Esta memória das estrelas

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La mémoire et la mer
La marée, je l'ai dans le cœur
Qui me remonte comme un signe
Je meurs de ma petite sœur, de mon enfance et de mon cygne
Un bateau, ça dépend comment
On l'arrime au port de justesse
Il pleure de mon firmament
Des années lumières et j'en laisse
Je suis le fantôme jersey
Celui qui vient les soirs de frime
Te lancer la brume en baiser
Et te ramasser dans ses rimes
Comme le trémail de juillet
Où luisait le loup solitaire
Celui que je voyais briller
Aux doigts de sable de la terre


Rappelle-toi ce chien de mer
Que nous libérions sur parole
Et qui gueule dans le désert
Des goémons de nécropole
Je suis sûr que la vie est là
Avec ses poumons de flanelle
Quand il pleure de ces temps là
Le froid tout gris qui nous appelle
Je me souviens des soirs là-bas
Et des sprints gagnés sur l'écume
Cette bave des chevaux ras
Au raz des rocs qui se consument
Ö l'ange des plaisirs perdus
Ö rumeurs d'une autre habitude
Mes désirs dès lors ne sont plus
Qu'un chagrin de ma solitude


Et le diable des soirs conquis
Avec ses pâleurs de rescousse
Et le squale des paradis
Dans le milieu mouillé de mousse
Reviens fille verte des fjords
Reviens violon des violonades
Dans le port fanfarent les cors
Pour le retour des camarades
Ö parfum rare des salants
Dans le poivre feu des gerçures
Quand j'allais, géométrisant,
Mon âme au creux de ta blessure
Dans le désordre de ton cul
Poissé dans des draps d'aube fine
Je voyais un vitrail de plus,
Et toi fille verte, mon spleen


Les coquillages figurant
Sous les sunlights cassés liquides
Jouent de la castagnette tans
Qu'on dirait l'Espagne livide
Dieux de granits, ayez pitié
De leur vocation de parure
Quand le couteau vient s'immiscer
Dans leur castagnette figure
Et je voyais ce qu'on pressent
Quand on pressent l'entrevoyure
Entre les persiennes du sang
Et que les globules figurent
Une mathématique bleue,
Sur cette mer jamais étale
D'où me remonte peu à peu
Cette mémoire des étoiles


Cette rumeur qui vient de là
Sous l'arc copain où je m'aveugle
Ces mains qui me font du fla-fla
Ces mains ruminantes qui meuglent
Cette rumeur me suit longtemps
Comme un mendiant sous l'anathème
Comme l'ombre qui perd son temps
À dessiner mon théorème
Et sous mon maquillage roux
S'en vient battre comme une porte
Cette rumeur qui va debout
Dans la rue, aux musiques mortes
C'est fini, la mer, c'est fini
Sur la plage, le sable bêle
Comme des moutons d'infini...
Quand la mer bergère m'appelle
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«Quando eu for grande»


No meu tempo, quase todas as meninas que estudavam (poucas, muito poucas) queriam ser professoras. Havia também as vocações declaradas para medicina ou para advocacia, o resto ficava para as excepções. A páginas tantas, foi descoberta a profissão de educadora de infância (e a «terrível» rivalidade entre a escola da Mitza e a da Maria Ulrich...), mas a nata das natas nem sequer ia para além do liceu: aprendia culinária e bordados na Obra das Mães, casava aos 20 e enchia-se de filhos. Claro que estou a falar da média e da alta burguesia lisboetas: na província, ia-se para as escolas do Magistério Primário (que hoje têm um nome complicadíssimo que me recuso a fixar), porque era o que existia nas capitais de distrito e nem sempre havia dinheiro, ou autorização dos pais, para rumar a Lisboa, Coimbra ou Porto.

Os meninos queriam fundamentalmente ser médicos, advogados (uma multidão, já com horror à Matemática), engenheiros - ou economistas, se fossem minimamente modernaços. Se tinham vocação militar ou fascínio por fardas, havia sempre a Academia ou a Escola Naval.

Com poucas alterações, excepto a menor distinção em termos de género e as mil e novecentas variantes de licenciaturas disponíveis, as inclinações mantiveram-se durante décadas. Não me recordo de nenhuma criança dos anos 80 ou 90 ter dito, a sério, que queria ir viver para as montanhas por causa da Heidi, nem de Figo ter feito explodir, em massa, vocações de futebolistas.

Mas leio que, hoje, o que está no horizonte das nossas crianças não é cuidar de doentes, ensinar quem quer que seja, construir pontes ou mesmo ser astronauta, mas sim a esperança de vir a ser um outro Ronaldo, de ganhar a volta a França em bicicleta ou de se tornar vedeta nos Morangos com Açúcar. (Nem sequer o sonho de serem engenheiros informáticos para criarem jogos para a Playstation?!)

Claro que muito de tudo isto passará com a idade e talvez fique apenas demonstrado que nem é a internet mas sim a televisão quem mais ordena nas nossas casas. Fico por isso com a enorme esperança de que ainda se vá a tempo de reformar a Justiça e que surjam excelentes vocações para Procuradores Gerais desta República – um desporto, ou um espectáculo, como outro qualquer…
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