20.2.11

Quem tem medo de uma moção?


Até agora havia o anúncio de uma moção de censura a ser apresentada pelo Bloco no próximo dia 10 de Março, neste momento já existe o respectivo texto e são conhecidas todas as posições que os partidos vão tomar no dia da votação. Les jeux sont faits.

Não entro na discussão das questões de timing, processos e tácticas, que tantos problemas estão a trazer ao Bloco, porque não me interessam especialmente: colem os cacos e organizem-se… Mas tem sido tão grande a agitação na comunicação social, na blogosfera e no Facebook, que entro também agora nela.

E começo precisamente por aí. Porque será que esta iniciativa de um pequeno partido como o Bloco, que não tem certamente um batalhão de militantes, nem mesmo uma expressão eleitoral esmagadora, provocou este estrondo, da esquerda à direita e em todos os centros? Se tanta gente acha tudo isto um disparate sem sentido, porque não passar à frente sem dar demasiada importância?

Em segundo lugar, por que razão é que um certo número de militantes do PS, especialmente identificados com a sua ala esquerda, ficaram tão «zangados» com a existência desta moção? O Miguel Cardina já abordou este ponto e aproveito a boleia da resposta que ele adianta e com a qual concordo plenamente: «para algumas pessoas, o Bloco poderia ser uma hipótese de pôr o PS nos eixos da social-democracia. Mas esse é um combate que compete travar aos militantes socialistas nele interessados».

Vou mais longe: conscientemente ou não, muitos dos que «não perdoam» ao Bloco esta moção (repito: para além da questão do timing e dos processos), dentro e em certas manchas à esquerda do PS, têm ou parecem ter uma secreta esperança de ver alterado o ADN daquele partido, gostariam que ele fosse mais ou menos escaqueirado para se libertar de trotskismos e leninismos e ficar reduzido ao que consideram a sua ala «mais ajuizada», seduzível pela via social-democrata e, portanto, capaz de alianças de governação, mesmo com o PS actual. Em alternativa, apreciariam (ou esperam?) que um ou outro dos seus dirigentes acabe por lhes bater à porta, pé ante pé. Ou, quem sabe, que se repitam episódios da história e seja possível festejar uma entrada colectiva, como a de uns tantos ex-MES (Jorge Sampaio e amigos) nos últimos anos da década de 70. Sem Fazenda nem Louçã, obviamente, mas com Miguel Portas e José Manuel Pureza à cabeça.

Pois, mas creio e espero que isso não aconteça. A especificidade do Bloco tem a ver precisamente com o seu ADN compósito e com ele deve prosseguir, amadurecendo com episódios como este a que estamos a assistir e do qual poderá e deverá sair reforçado, sobretudo depois do debate generalizado que terá lugar, por todo o país, durante as próximas três semanas. Porque a moção, para além de todas as críticas circunstanciais que possa merecer, tem toda a legitimidade e uma função clarificadora indiscutível.

Acusá-la de inviabilizar futuras alianças à esquerda é argumento que, na minha opinião, não colhe. Porque estas só serão possíveis e desejáveis numa base de verdade e não escamoteando-a, como clarificou José Manuel Pureza num comentário ontem deixado no Facebook: «a participação numa solução de governo situada à esquerda é não só compatível como exige mesmo ruptura com as políticas de que o PS concreto - e não um arquétipo de conveniência para discussões abstractas - vem sendo o aplicador zeloso» e «impõe um relacionamento franco e unitário (no velho sentido da palavra) com o eleitorado socialista e com todos os dirigentes que reconhecem o enorme fosso entre o PS concreto e a abstracção benigna usada para tranquilizar consciências». Assino por baixo. O caminho faz-se caminhando, com diálogo mas com frontalidade.

*****

P.S. - Como já disse anteriormente, a discussão do que se escreve neste blogue «passou» para o Facebook (sem que eu tenha feito nada por isso, como é óbvio…). Neste momento, existem lá 40 comentários a este texto. Quem tiver conta aberta, e estiver na minha lista de «amigos», poderá vê-los aqui.
...

6 comments:

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Estou absolutamente de acordo consigo. Não escrevia melhor.
Um abraço.
Jorge Nascimento Fernandes

باز راس الوهابية وفتواه في جواز الصمعولة اليهود. اار الازعيم-O FLUVIÁRIO NO DESERTO disse...

é o velho jogo político da moção de censura vinda da esquerda para manter a direita afastada do poder o máximo de tempo possível

é o engolir de sapos com Soares para não ter Freitas

é um joguito tão velhinho

se não fossemos nós
e dá visibilidade

e apela às classes médias altas que estão a ser prejudicadas pelos cortes

Joana Lopes disse...

Obrigada, Jorge.

JPN disse...

Joana, o problema destas discussões é que geralmente nos centramos na parte dos argumentos dos outros que são mais frágeis e fazemos dessa fraqueza a nossa força argumentativa, não nos atirando à nossa própria fragilidade argumentativa. Trabalho esse que é o único que nos pode fazer crescer. Porque não é pelo outro pensar mal que eu penso bem mas é, tantas vezes, por eu me concentrar no erro do outro, que crio uma plataforma argumentativa circular.

Para tentar não cair também eu nesse erro, deixa-me só esclarecer, primeiro, uma coisa:

1. Lamento a forma como o governo do PS tem vindo a negociar à direita, deixando cair algumas bandeiras sociais que, desde Guterres, têm qualificado as politicas socialistas e acho que isso é politicamente objecto de censura;
2. Revejo-me nalgum enunciado da MC ( o conluio PS/PSD sobre o ordenado dos gestores públicos é apenas mais um sintoma disso) e penso que não está devidamente acautelado o facto de a própria definição de um quadro de crise ser um cenário tendencialmente favorável ao aumento da fuga à responsabilidade laboral e social por parte das empresas, ao facto de ser necessário ser exemplar com o desperdício público para aumentar a coesão social em torno dos serviços públicos e ao facto de não serem facilmente digeríveisl os benefícios fiscais à banca.
3. Considero que a MC é infeliz não pelo que fez (irrisório) mas pelo que pode levar o BE a não conseguir fazer (trabalhar para que haja uma visão de esquerda sobre estes aspectos nocivos da politica que o Governo tem vindo a seguir). Ora como eu acho que esse objectivo é maior em relação àquilo que o BE fez, acho que temos todos, os que nos entendemos de Esquerda, de nos concentrar nisso, de tentarmos discutir se há alguma forma de a Esquerda, para lá do discurso bondoso das politicas sociais, apresentar uma ideia sobre o trabalho económico a fazer, que seja credível para os cada vez mais portugueses que vivem mal, que não têm emprego, que trabalham precariamente. E nesse sentido acho que, para a esquerda, a defesa das boas razões da MC, o debate sobre as realidades que elas recobrem, é mais importante do que o esquartejamento das más razões do BE.

Posto isto parece-me que:

1. Não compreender que a ala esquerda do PS se sinta incomodada por esta MC é que me parece de todo incompreensível. Então se é esta que dentro do PS desenvolve toda a sua estratégia argumentativa na possibilidade de haver um consenso à esquerda, passando necessariamente pelo BE, como não se sentirem incomodados ao saberem que dentro do seu espaço politico de referência têm cada vez menos hipótese de defenderem essa ponte? Não se trata de estes quererem que o BE possa fazer por eles o seu trabalho, trata-se de eles terem sempre como referência a possibilidade de uma visão de esquerda ser construída a partir dessa relação. Podemos dizer, azarinho, o nosso caminho separa-se aqui, mas dizer que não os compreendemos?! Vejamos o caso do Manuel Alegre e como partiu e escavacou o eleitorado do PS, com prejuízo evidente não só para a ala esquerda do PS, também para toda a esquerda (e eu sei que há muita gente de esquerda que pensa que é a mesma coisa ter lá o Cavaco ou o Alegre).

JPN disse...

(continuação. parti em dois porque o escrevi primeiro no facebook e o blogger tem limitações de caracteres por comentário)

2. Com todas estas questões muito interessantes sobre o que interessa ou não interessa há duas realidades a que o BE se tenta furtar a discutir:

a) a ferida interna que esta moção causou dentro do BE. e não vale a pena acusar de taticismo uma determinada visão sobre a mesma MC. Uma MC apresentada em abstracto, por cabeçalhos ( e que cabeçalhos!), é o ponto zénite do taticismo.

b) a quem parece mais incomodativa a realidade compósita do BE é ao próprio BE que deixa a Internacional para os seus ritos privados. A realidade compósita do BE tinha, ao tempo da sua criação, dificuldade em eleger um deputado. Tratava-se de um eleitorado residual, sem grandes possibilidades de crescimento. Hoje tem 16 deputados. Todos sabemos que esse crescimento se deveu não a um crescimento dos apoiantes das parcelas desse ideário compósito do BE, sim ao modo como esse ideário compósito não impediu o BE de um pragmatismo político (para não dizer taticismo, já que esta palavra causa alguns engulhos) capaz de cativar eleitorado à esquerda.

3. Aquilo que é aparentemente um problema, a forma como o BE geriu uma realidade compósita, é para mim a grande lição para a esquerda: se o PS, o PCP e o BE conseguirem entender-se como os compósitos do BE souberam entender-se, esta crise financeira poderá ser uma oportunidade politica para a Esquerda.

Por outro lado o BE transporta para mim outra grande aprendizagem política : para a esquerda conquistar o poder tem de começar por perder a ideia limitativa de que o seu exercício se confina à prática política convencional (eleições, partidos na AR, autarquias, etc). É um trabalho sobre a cultura, sobre o modo como vivemos uns com os outros, nos ouvimos. E se nos ouvirmos mais teremos por inaceitável que alguns de nós ganhem o que nunca poderão gastar, quando outros de nós não têm acesso ao mais elementar. E se nos ouvirmos mais uns aos outros percebemos que o que a Esquerda pode ter de interessante para a comunidade não é a discussão em tom de tragédia, ou de ópera bufa, sobre a traição do PS, o conservadorismo do PCP ou a esquizofrenia do BE, é a forma como consegue articular um discurso político, credível nos vários planos, também o económico, sobre a forma como a vida de milhões de portugueses vai ficar atolada, presa neste pathos da crise.

Esse é um diálogo que, por mais dificuldades de concertação caseira que manifestemos, nem é apenas nacional.

Obrigado Joana por ter tido a oportunidade de defender estas ideias.

Joana Lopes disse...

Joaquim,
Muito obrigada pelo(s) teu(s) excelente(s) comentário(s), com o qual concordo em grande parte e por isso – e só por isso – esta minha resposta é curta.

1 - «…se é esta [ala esquerda] que dentro do PS desenvolve toda a sua estratégia argumentativa na possibilidade de haver um consenso à esquerda, passando necessariamente pelo BE». Quem, quando, onde?

Não sei se leste o artigo do Elísio Estanque no Público (pus online aqui ) e, sobretudo, se seguiste a discussão no mural dele. Foi isso que tive no horizonte ao escrever essa parte do meu texto.

2 e 3 – De acordo.

Parágrafo final: aplaudo.