15.4.11

Carta Aberta a Otelo Saraiva de Carvalho


Este texto foi escrito para este blogue por Maria Manuela Cruzeiro.

Andamos todos perplexos. Perplexos é pouco. Antes desorientados, angustiados, revoltados. Este Abril que vivemos hoje é o tempo da comissão liquidatária do pouco que restava de um outro tão diferente de há 37 anos…. O caos tomou conta do país que, para cúmulo da ironia (que também pode ser trágica!) o vive em pleno esplendor: esplendor da palavra fácil gratuita, vazia, irresponsável. Ninguém a quem estendam um microfone resiste à compulsão de acrescentar ruído ao ruído já quase ensurdecedor. Os media, parasitas insaciáveis, recolhem sem esforço, hora a hora, minuto a minuto, verdadeiras iguarias para o banquete de fim de festa com que se comemoram a si mesmos.

Agora foi de novo a sua vez…de novo porque já houve outras (talvez demasiadas) em que as suas palavras, acredito que contra-vontade, foram prato forte para isso a que impropriamente continuamos a chamar «comunicação social» mas sobretudo foram música de violino para os ouvidos daqueles que andam há 37 anos a tirar desforra de uma derrota que traz o seu nome. Ao contrário dos primeiros que descartam sem um sobressalto as suas declarações, para correr atrás da última verdade (que afinal era já penúltima e antepenúltima) sobre recessão, austeridade, deficit público, pib, agências de rating, ajuda económica, os outros, os tais jogadores da hora incerta, esses não vão largar, mais a mais agora, que as cartas lhes são mais do que nunca favoráveis.

Otelo, você deu-lhe os trunfos todos! Afirmar que «se soubesse como o país ficava, não tinha feito a revolução» é mais do que alguma vez poderiam sonhar. E não vão perder-se em exercícios de hermenêutica barata que não é essa a sua vocação, como não fizeram quando das suas incendiárias declarações sobre o «Campo Pequeno», o «Fidel de Castro da Europa» ou «os trabalhadores têm sempre razão». Estas palavras colaram-se-lhe à pele, e você tem passado estes anos a tentar esclarecer o contexto, as motivações, os sentimentos que as ditaram. Com pouco ou nenhum sucesso, diga-se a verdade. Por cada aniversário da Revolução elas lhe são atiradas à cara, intactas como cristais de puro ódio e ressentimento. Fazem já parte do jogo viciado da contra-revolução, que em vez de argumentos, usa o golpe baixo, o ataque pessoal, o descrédito dos homens para descrédito da obra. Primeira batota: confundir os homens com a obra. Porque há, todos sabemos, uma verdade que é simultaneamente um grande mistério: como todos os grandes momentos da história, o 25 de Abril foi feito por homens vulgares e cheios de defeitos. Mas que uma força maior uniu, e escolheu para artífices de desígnios que em muito os ultrapassam. Todas os defeitos se lhe podem perdoar, até porque de alguns deles a história se serviu para concretização dos seus enigmáticos planos. No seu caso, leviandade, vedetismo, inconstância, mas nunca, para glosar o prefaciador dos seus dois livros, Eduardo Lourenço, «em absoluto infiel á audácia e generosidade que um dia fez de si a chave da nossa revolução».

Ora aqui é que bate o ponto: as suas declarações tomadas à letra são a confissão de um erro ou a tardia descoberta de um embuste. Ambos trágicos e sem remédio. E isso se é devastador pessoalmente, historicamente é um gigantesco absurdo. Tomadas à letra, repito. Porque eu, e muitos outros seus amigos e admiradores fazemos-lhe a justiça de tentar perceber o contexto, as motivações, os sentimentos: o desencanto, a angústia a raiva e a impotência pelo que fizeram deste país. Mas não compreendemos, nem aceitamos, que na crise mais grave que vivemos após a Revolução, as suas palavras sejam achas para a fogueira inquisitorial em que se joga tudo o que de longe possa ainda lembrar Abril.

Estamos a dias de um novo aniversário. E já que não vai haver sessão solene (acabou-se a hipocrisia) nada melhor que uma boa polémica assim ao estilo do jogo do passa-culpas dos políticos, agora sobre o 25 de Abril (e, claro, as suas responsabilidades na crise actual). As suas palavras, Otelo, são uma óptima deixa. Mas as cartas estão viciadas. E acho que você devia «renunciar». Ou então exigir um novo baralho: limpo e sem truques.
...

11 comments:

Anónimo disse...

O texto é ignóbil. Sem rodeios. Cada um assina a ignomínia que é. Mas ao publicá-la, JL, V. apouca-se.

Para mais, cada um é livre de dizer o que quer. A autora disto reescreve a história, censura-a. Com a profissão que tem é inacreditável.

Isto é uma vergonha. Indigna isto. Indigna a inaceitável manipulação. Indigna o fascismo explícita da autora. Indigna, claro, a censura branqueadora que uma intelectual faz sobre a história desta triste personagem.

Isto é horrível, JL, ultrapassa a distância das opiniões.

Joana Lopes disse...

Uma das heranças do 25 de Abril é poderem ser escritos comentários como o seu, mesmo que resguardados pelo anonimaato - o que é lamentável para quem parece tão seguro das acusações que faz.

Niet disse...

Eu gosto bastante do texto! Por tudo: visão ampla, livre e sem marcas ideológicas restritivas.Sente-se o real e inexorável purismo comparável ao sentimento soberano do" todo o poder aos sovietes "; que, como frisa Maximilien Rubel, foi palavra de ordem que nunca teve dono(s)!Niet

jpt disse...

Lamento imenso, o meu comentário (o 1º desta caixa) entrou anónimo sem que eu tenha percebido como, algum clic mal-feito. Tão tarimbado estou a comentar, inclusivé aqui neste blog, que só posso atribuir este lapso não a uma estupefacção mas sim a um indignação. Radical.

E sim, JL, estou absolutamente seguro das acusações (é bom o termo que escolheu) diante de um texto de uma mulher que conhece a história e que por motivos políticos espúrios (a política não é espúria, mas esta
"política" é-o) reduz, propositadamente, maliciosamente, a enorme diferença do abril de então para o abril de agora, do Portugal de então para o de agora, uma retórica de apoucamento das diferenças (económicas, sociais, culturais, religiosas, .... militares, sim já agora, militares), no sentido de desvalorizar a sociedade democrática portuguesa, uma retórica comum em "fragmentos" da "esquerda" portuguesa. Na prática o texto de Cruzeiro está no eixo da imbecilidade de Otelo, só que se julga diverso. O que Cruzeiro agita, ao dizer que agora quase parece o antes, é o apoucamento do que é e foi o fascismo (ou outro nome que lhe queiram dar), apenas por desprezo à sociedade democrática, como tantos que se filiaram nas utopias ceausesquianas ou terceiro-mundistas, na esperança de rápida resolução das contradições sociais, se quiser descrever a vileza moral que aqui está presente. Uma vileza fascista, se não lhe perdoarmos esse apoucamento.

Pior ainda, repelente, o otelismo desbragado, apesar-de-Otelo. Quem critica Otelo, apenas "com ataques pessoais" (assim ilegitimados por Cruzeiro) é por causa das palavras descontextualizadas, as parvoíces sobre "Campos pequenos" (e estádios de futebol, também conheço a história). A historiadora, simpatizante, elide aqui, escandalosamente, as FP-25, os atentados, os mortos, a procura de um prática terrorista, o objectivo (pacóvio, amador, mas existente) da anti-democracia. A historiadora Cruzeiro esquece, registando a extrema direita dos ataques pessoais, ignorante, a delação dos companhheiros, as estrategias pessoais, esquece os exilados, os assassinos, alguns que ainda por aqui andam, um ou outro até meu amigo, décadas passadas.

O texto é uma vergonha. Pelo seu apaziguamento do que foi o fascismo (eu tenho, em cima da secrtária o Pulsar da REvolução, tamanha repugnancia isto me causa, sintomático de um ambiente ideológico desvairado que aí anda, desonesto,porque este texto é fundamentlmente uma desonestidade, tamanha repugnância que quis ir buscar imagens para um post sobre esta indecência mas não tenho tempo e isto só me faz mal, o contacto com esta gent só faz mal. Apazigua o fascismo, desvaloriza as transformações da democracia (mente, mente, por elisão) e limpa o percurso terrorista (imbecil é certo) de Otelo (e dos que foram e são simpáticos com Otelo).

É isto as brumas da memória a que V. alude no título do post? PArece-me que não, ou então não percebi nada do que V. andou anos aqui a escrever. Pois nunca lhe encontrei a malvadez que este texto transpira

(a ver se agora o texto está assinado. Jpt, do ma-schamba)

jpt disse...

um erro, Cruzeiro não fala da "extrema-direita" mas sim da "contra-revolução", essa que ataca todos os aniversários Otelo (e a sua obra) através de "ataques pessoais".

hergh...

Joana Lopes disse...

OK, jpt, assim já nos entendemos (com texto assinado e sei que o 1º saiu anónimo por lapso).
A autora lerá os seus comentários e responderá se assim o entender: não vou fazê-lo por ela.

jpt disse...

É a sua posição e eu acato-a. Mas registe a minha. Vivemos tempos complicados, por isso potencialmente convulsos, muito mais do que há tempos poderíamos imaginar. Derivas anti-democráticas como as que aqui estão são queimadas no mato, pegam-se e descontrolam-se. (Falo do aí, claro) Por isso textos destes destes, posturas destas, que são perenes, desde há muito, agora não se discutem, combatem-se. Eu nunca iria discutir este texto, é o que é, vale o que vale, acima de tudo transparece o que transparece (e é sintomático das falácias éticas e ideológicas de uma falsa esquerda portuguesa, sempre prisioneira de ter sido socializada no Portugal salazento, pré e pós 25.4). Portanto eu não o discutiria com a autora - quem escreve isto, quem falseia a história e limpa o terrorismo sai da "humanidade", quem limpa o fascismo é uma ultramontana fossilizada.

Quis discutir consigo a sua publicação. O que são coisas diferentes. Como é que alguém atenta como V. não larga este lastro? Esses critérios, essas afinidades (Electivas? Afectivas?) isso sim seria motivo para debate.

Mas respeito o seu critério. Ainda que percebendo que V. está prestes a atravessar o Rubicão.

faff disse...

Da euforia à depressão; "...pois é pá, esta merda não anda porque a malta não quer que esta merda ande..." Otelo foi um dos revolucionários possíveis, para a revolução possível de um possível país que, no 25 de Abril - se não houver futebol - celebra o 25 de novembro com cravos na lapela, convicto de cumprir assim a sua obrigação histórica, caminhando de "vitória em vitória até à derrota total." Parabéns pelo texto.

Jagganatha disse...

o homem pode ter as opiniões que quiser

mudança de opiniões

o sistema ruiria mais cedo ou mais tarde

talvez com menos consequências económicas

o passado já foi

se não fosse ele seria outro qualquer

Podia ter sido em Março

aconteceu ser em Abril

foi bonito...foi histérico
foi uma revolução palerma como todas as revoluções

o povo nunca ganha...só as élites ganham qualquer coisa

Os Marius e os Silas deste mundo

Paulo Mouta disse...

Gostei do texto e admiro Otelo mesmo com todas as suas contradições e inconstâncias. Ficará numa História que nem sequer o merece...

Anónimo disse...

eu nao gostaria de escrever nada mas eu acho que a garotada do 25 eram no minimo muito inocentes, pois será que eles nao viram as velhas raposas que estavam doidas pelo puder pelo puder tudo póde mas nao foi bom para o povo portugues os militares em matéria de politica zero porque os politicos estavam fora de portugal e chegaram lógo mas como turistas só falando asneiras vamos prender a b c d e num ano acabaram quase com portugal e mais uma vez o povo pagou a conta.e só