6.5.11

Ainda nem temos consciência do que aí vem


Recomendo a leitura deste artigo de Manuel Carvalho, no Público de hoje (sem link, recebido por mail): «Um contrato com muitas letras pequenas».

Não concordo com o autor no pressuposto da inevitabilidade do recurso ao FMI, mas, agora que ele aí está, não embarquemos no suspiro de alívio que ontem varreu o país, como se a árvore das patacas estivesse bem carregada e, agora no nosso quintal, exigisse apenas que a reguemos com algum cuidado para que tudo corra bem. Não vai correr bem, pelo menos para a maioria de nós – e Manuel Carvalho aponta muitas razões –, e resta mesmo saber se as patacas cairão. Ou seja, se o programa de governo, gizado pelos técnicos burocratas da troika, será executado, ou se é sequer exequível , tendo em conta os políticos que o terão em cima das secretárias depois da noite de 5 de Junho. O futuro não é cor-de-rosa, mesmo que o seja nas bandeiras - ou mais alaranjado, com ou sem tons de azul e amarelo pelo meio…

«Custa a entender o ar displicente com que alguns líderes políticos comentaram o acordo entre a troika e o Governo. Um bom acordo, disse José Sócrates, melhor que o PEC IV, acrescentou Passos Coelho, duro mas não trágico, pontuou Teixeira dos Santos. No actual estado de cansaço, de desânimo e de desespero qualquer plano seria bem-vindo, desde que o Estado e o país se salvassem da bancarrota. Mas depois do alívio inicial, vale a pena parar um pouco para constatar que, se não vem aí o fim do mundo, o acordo tem muitas letras pequenas, com as quais prova estar muito longe de ser um remédio sem efeitos secundários.

O plano que se cumprirá até 2013 é hipócrita. Não apresenta nenhuma medida bombástica capaz de arrebatar críticas generalizadas, mas impõe uma série de acções discretas que, em conjunto, talvez sejam piores do que os cenários criados nas últimas semanas pela ansiedade, o mau jornalismo e a propaganda. Globalmente, é mais severo do que tudo o que já foi apresentado. Agora, não é apenas a carga fiscal a ser agravada: todo o Estado social que José Sócrates promete proteger sofre um abalo sísmico, a classe média vai ser cercada por novas despesas e mais impostos, o mundo do trabalho será mais instável, inseguro e potencialmente violento, a recessão vai forçar 120 ou 130 mil portugueses a cair no desemprego. Uma a uma, estas acções não intimidam os mais crentes, mas após uma conta de somar conclui-se que o resultado final é bem mais penoso do que o PS, PSD e PP querem fazer crer.

Bem sabemos que não há alternativa realista a este brutal aperto, nem forma de contestar a imposição externa das bases de um programa de governo ao arrepio da democracia – aliás, além de Paulo Portas, este velho país estropiado pela amargura e o fracasso nem fôlego tem para se preocupar com a soberania. Perante tudo isto, só faltava que os cidadãos começassem a acreditar de que a coisa não é assim tão feia. É feia sim, embora tenha uma máscara. Não haverá cortes de salários, mas acabaram as devoluções do IRS que faziam parte importante do planeamento financeiro das famílias; não há suspensão do 13.º mês, mas quem teve a má ideia de comprar casa vai deixar de poder de deduzir encargos no IRS, vai pagar mais IMI e, como se o acordo não bastasse, vai pagar mais juros. As pessoas pagarão também mais nos transportes, na luz, nos hospitais e quem tiver uma reforma confortável terá de fazer contas. A crise será paga com juros agravados, mas em suaves prestações distintas.

Ao menos fazem-se as reformas que anos a fio de negligência e de cobardia adiaram ou impediram, dirão alguns. É verdade. E muitas dessas mudanças tornarão o país melhor e os portugueses mais conscientes de que não há almoços grátis, nem crédito ilimitado para a vida. Outras, porém, alimentarão o desemprego, deixarão centenas de milhares de pessoas expostas a uma realidade na qual tinham deixado de acreditar e, com as reformas que se anunciam para as autarquias, colocarão 75 por cento do território nacional, onde o poder local é a principal fonte de emprego e de protecção social, bem mais perto da desertificação física e humana.

Serão estes custos inevitáveis? Talvez. Mas encaremo-los na sua crua realidade, sem lirismo nem propaganda. O acordo com a troika vale pela soma do que dizem as letras pequenas do contrato, não pelas medidas que dão bons títulos aos jornais. O resgate financeiro vai ter impactes terríveis e vai exigir mudanças a frio, com o seu inevitável coro de frustração e mal-estar. Podia ser pior, podia ser como na Grécia, sem dúvida. Mas o que a troika nos deixa após estas semanas é uma batalha dura e longa. Não temos alternativa aos seus impactes e podemos aceitar que há que sofrer agora para rir no futuro. Mas temos de acreditar também que, após 15 anos de torpor e de irresponsabilidade política, muitos mais portugueses deixarão de ter um lugar digno no país a que têm direito.»
(Os realces são meus.)
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6 comments:

12ºD disse...

Olá boa tarde. Nós somos um grupo do 12º Ano do Externato de Vila Meã – Amarante, e no âmbito da disciplina de Área de Projecto estamos a realizar um projecto sobre a relação dos idosos com a internet, computadores e a educação sénior. No âmbito desse projecto criamos este blog (http://idososdopresente.blogspot.com/) , que estamos a divulgar. Gostarias imenso de receber a sua visita e participação (criticas, sugestões…). Obrigada.

Joana Lopes disse...

Com todo o prazer. Vou já lá ver.
Obrigada.

Rogério G.V. Pereira disse...

"Bem sabemos que não há alternativa realista a este brutal aperto, nem forma de contestar a imposição externa das bases de um programa de governo ao arrepio da democracia" São cada vez mais as vozes dissonantes quanto à INEVITABILIDADE a que o autor faz referência na parte transcrita. Claro que o resto do texto é interessante, mas dentro do paradigma da ausência de alternativas... crediveis (claro)

12ºD disse...

Ja enviamos o mail, gostariamos da sua opiniao sobre os conteudos do blogue, obviamente se quiser. Uma opiniao pessoal para nos tambem termos ideia de como melhorar.
Desculpe o incomodo.

Niet disse...

Caríssima: Quem é o Manuel Carvalho? O crítico de Vinhos do Público, amigo do Barreto e pescador de águas pouco profundas?!? Acho que o Roubini detalhou muito bem o plano da Troika, e creio que a Joana falou disso com muita acuidade, antes. Salut! Niet

Joana Lopes disse...

Niet, sinceramente, não sei de todo quem é o Manuel Carvalho, para além de lhe conhecer a cara por a ver no Público.