19.5.11

Negros Tempos


Um belíssimo texto de Aldina Duarte no «Passa Palavra».

«As notícias da morte de Bin Laden, do filho e dos netos de Kadhafi, os festejos duns e a apatia doutros, tornaram este dia negro, tão negro como os negros anos da minha infância no fascismo.

O fascismo roubou-me a primeira infância. Um dano irrecuperável que dificilmente se perdoa. A tristeza e a pobreza, vizinhas da miséria, inveteradas nos olhos pretos ou castanhos, sempre cansados e tristes, das mães, dos pais, das crianças, dos jovens e dos velhos, tudo era escuro, baço e ressequido, fosse qual fosse o mês do ano. Só nos olhos dos velhos havia o falso fulgor de quem alcançou um pouco de paz, sabendo que a morte se tornava mais próxima do que a vida. A maior parte acreditava que aos olhos de Deus eramos todos iguais, por isso, estar mais próximo da morte significava estar mais perto da dignidade que a vida lhes recusara. Olhos azuis ou verdes nunca os vi no meu bairro.

Refeições da família à mesa não me lembro, porque não havia comida para compor um prato quanto mais uma mesa; não me lembro de fazer anos [festejar o aniversário], nem ninguém da minha família, vizinhos ou colegas da escola primária, durante os meus primeiros sete anos; não havia banheira na casa dos pobres (bairros sociais), para não falar das barracas, onde nem uma sanita ou um lavatório havia; fruteira e mar, por exemplo, eram palavras abstractas; aos seis anos, eu tinha a chave de casa, tinha aulas e não tinha com quem ficar durante as tardes livres até à hora do jantar, quando a minha mãe voltava do trabalho.»

(Ler o resto aqui.)
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1 comments:

septuagenário disse...

Foi pena que os políticos que nos governaram todos estes 37 anos não tivessem a meninice sem banheira como Aldina Duarte.

Talvez dessem mais atenção aos filhos de Aldina Duarte e não "financiassem" tantas banheiras para o lixo e pensassem no futuro.

Quando Mario Soares há 37 anos desceu em Santa Apolónia, com Maria de Jesus, vindos de Paris, gritou emtre a multidão:...e agora não precisamos emigrar mais...

E os que não tinhamos banheira, ficámos muito felizes.

Atenção que MS não foi melhor nem pior, é "um modo de falar".