3.6.11

Governo? Primeiro-ministro? Ou um Regime de Credores?


Um texto que Miguel Portas publicou ontem no Facebook.

1. O que está em causa nesta eleição é, desde logo, um programa de governo – o da troika. Desta vez, não há lugar ao habitual “prometo mas não cumpro”. Aquilo é mesmo um programa com medidas rigorosamente calendarizadas. Apesar disso, só a esquerda o discutiu. O tripartido que assinou o Memorando de cruz, desconhecendo o seu preço em juros, fez tudo o que pôde para esconder dos eleitores o elenco das malfeitorias que subscreveu. Só por isso não merecem o seu voto.

2. Ao contrário do que se possa pensar, não há nenhuma questão de governo nesta eleição. O programa da troika foi escrito em Bruxelas, a conselho do FMI e do Banco Central Europeu, que já é o nosso principal credor (uma parte nada interessada, está bem de ver). Esse programa será diariamente monitorizado em Bruxelas e fiscalizado em Lisboa a cada três meses. Chamar “governo” à administração local responsável pela sua execução é no mínimo exagerado. Classificar de “primeiro-ministro” a criatura que irá a despacho, é, no mínimo, uma piada de mau gosto. Eles, os do meio, não merecem o seu voto. Não merecem, sequer, metade dos votos que têm obtido.

3. Na verdade, temos uma questão de regime, o que é bem mais do que uma questão de governo. Quem decide não vai a votos, antes se plebiscita através dos votos nos partidos colaboracionistas. Quem decide não é controlado, controla. Quem decide, abre e fecha a torneira das tranches de financiamento em função das condições políticas que considere úteis ou necessárias - exactamente o que está agora a suceder na Grécia, onde o FMI condiciona os euros a um apoio de bloco central à Austeridade. Quem decide, numa palavra, são os credores. O regime saído desta relação de forças é um regime de credores.

4. Há quem, em Bruxelas, deseje a nomeação de um alto-comissário, ou seja, de um “governador”. Não é preciso. Um poder sem rosto é bem mais eficaz. A política reduzida à burocracia atinge o seu esplendor: vende-se a si própria como técnica. Neste regime, o soberano é o eurocrata. Mas ele ainda precisa dos colaboracionistas para se legitimar. Até por isto, no dia 5 eles não merecem o seu voto.

5. Mexa-se. No domingo levante-se e "deite". Ninguém pode alegar ignorância. Ninguém pode dizer "fui enganado". Quem votar no tripartido da troika sabe que vota contra si próprio - na redução dos salários e pensões reais, nos cortes em educação e na saúde. Sabe que cai o abono de família e a acção social escolar do mesmo modo que aumentam as taxas moderadoras, a electricidade e o IVA... e já agora o desemprego, consequência maior da recessão que este programa provoca. Não, ninguém pode alegar ignorância. Só compra quem quer.

6. A dificuldade desta eleição é com a abstenção. São muitos os que pensam não valer a pena ir votar porque já está tudo decidido. São homens e mulheres castigados pela crise, punidos pela vida, que desacreditam. São jovens condenados à precariedade, que lhes aparece como superior às suas próprias forças, ou idosos que vêm a vida a andar para trás e não encontram, dentro si, as energias para mais esta batalha. Todos, sem excepção, sabem que não irão votar contra si próprios. Mas todos, sem excepção, duvidam que valha a pena votar. O pior da troika, o pior do Protectorado é precisamente isto: pôr as pessoas a duvidar de si próprias e das virtualidades da democracia. Mas é precisamente esta a melhor razão para que ninguém lhes torne a vida mais fácil.
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8 comments:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Sugerir que nesta eleição está tudo definido à partida, porque o próximo Governo não poderá senão implementar o MoU com a troika, é uma falácia. Repetida vezes sem conta, mas uma falácia.
O próximo Governo tem TODA a liberdade de não cumprir o MoU. Nem ele, nem Portugal, serão penalizados cível ou criminalmente, se não o cumprir. O acordo faz parte do processo de concessão de empréstimos a Portugal, de que Portugal se pode desvincular a qualquer momento. Cessando a concessão dos empréstimos, como é óbvio.
Só pode considerar a aplicação do MoU uma inevitabilidade quem não esteja disposto a prescindir dos empréstimos.

A sugestão de que está tudo definido à partida é uma suspeição que, eventualmente, tem por alvo os partidos da troika, mas, de facto, é apontada ao coração da Democracia, porque sem liberdade de escolha não há Democracia. Talvez devesse ser usada com mais cuidado.

Niet disse...

Oh. MV. Pires, caro economista: Para lá de achar este texto do Miguel Portas uma belíssima peça política- trabalhada para levar a carta a Garcia, e muito bem-quero crer, vai-me desculpar, que o MV Pires está a fazer bluff...para nos desafiar. Bom repto pedagógico, sem dúvida !!!! Leia um conjunto de três artigos de Jacques Sapir no Marianne2.fr Online. Vem lá tudo: as divergências estruturais- económico-politicas- não cessam de crescer no interior da Zona Euro, desde 2002/03. E como sabemos a lógica neo-liberal fez crescer a " locomtiva alemã", que se quer libertar- por problemas demográficos graves e lógicas interpartidárias escondidas...-do fardo de ser credor ou avalista dos PIGGS," clube " a que podem vir a ser associados a França, a Bélgica, entre outros. Grande análise- de fundo- sobre a impossibilidade grega de cumprir e, segundo Sapir, de ter que inexorávelmente sair do Euro para salvar a face...Abrç. Niet

Anónimo disse...

Para sermos mais exactos, nem desta vez, nem em nenhuma outra, escolhemos realmente quem governa, nem as políticas dos que nos governam...

Acontece que quando as pessoas descem às ruas conseguem até aquele milagre de fazerem partidos como o PS e o PSD aprovarem uma constituição de uma país a caminho de uma sociedade sem classes, coisa que o próprio Freitas do Amaral reconheceu como sendo uma objectivo que não era estranho ao próprio CDS!

Talvez seja possível concluir que um povo nas ruas consegue os milagres que não acontecem quando se dirige ordeiramente para as urnas funerárias onde serão enterradas as suas esperanças.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Meu amigo,

Se por milagre o BE ganhasse as eleições, já agora com maioria absoluta (milagre por milagre, porque não pedir a maioria absoluta?), tem a certeza de que governaria no estrito cumprimento do MoU, em vez de iniciar um processo de ruptura com esta forma de tentar ultrapasar a crise, que conduziria, entre outras iniciativas, ao início de um processo de renegociação da dívida com os credores?
Se não tem, ou mesmo se tem que não, está de acordo comigo que os eleitores têm perante eles escolhas plurais, e não um programa de governo único, ainda por cima (alegadamente) imposto pela troika.
(Abstenhamo-nos de entrar, e eventualmente nos perdermos, na discussão sobre se o MoU foi imposto pela troika ou voluntariamente assumido pelo Governo como forma de reduzir o risco de insolvência da República para, dessa forma, conseguir da troika um plano de empréstimos a juros mais baixos do que no mercado. A ideia de que o resgate não é ajuda, na mesma medida em que o compromisso não é imposto).
Se o eleitorado tem escolhas, o que o Dr. Portas lamenta não é o fatalismo da aceitação de compromissos para conseguir os empréstimos em condições favoráveis, aquilo a que ele chama de submissão aos credores, mas o derrotismo de reconhecer que a visão dele é minoritária entre o eleitorado português e a visão dos "partidos de troika" recebe o seu apoio eleitoral maioritário.
Se tem (a certeza que um Governo do BE se submeteria ao MoU), então teria de considerar que estávamos perante uma encenação estranha em que o BE se afirmava na campanha eleitoral como o campeão da resistência à ingerência externa, apesar de tencionar submeter-se a ela. A mim, isto parece-me impossível.
Eatamos pois perante uma análise que diminui a democracia, sugerindo que ela já não serve para os eleitores decidirem sobre o rumo a dar ao seu destino colectivo, mas apenas para prestar vassalagem ao invasor estrangeiro que já decidiu o rumo por eles. E falaciosa, porque afinal o eleitorado tem mesmo diferentes opções à sua consideração, e vai escolher uma diversa da dele.
Ora a prática de diminuir a Democracia através de acusações falaciosas não e nova tem um nome: é o populismo demagógico. Em tempos de crise, diz a história que a sua probabilidade de sucesso aumenta. Estejamos atentos e às suas tentativas e sejamos prontos a desmascará-las.
Não concorda?
Um abraço...

Niet disse...

MV Pires: As questões económicas que aflora têm um substracto politico incontornável. Por isso, abri o " jogo " e citei-lhe- para ir ler e comentar, meu caro- o texto do Sapir. Já anteriormente, se conheciam as teses do Roubini, do Krugman e de Stiglitz sobre as " tempestadas " monetaristas na Zona Euro. O Sapir- da escola política daquele fabuloso mago que se chama L. Todd - até indica que Portugal, no Outono deste ano, pode ter que se refinanciar de novo. Analiso com muita cautela a prática politica do BE mas, neste momento,temos que lhe dar o crédito para manter e reforçar uma forte posição alternativa face aos herdeiros de Estaline e aos imprevidentes boy-scouts da fatal e letal economia de casino. Abraç. Niet

Manuel Vilarinho Pires disse...

Meu amigo,
O que aqui está em jogo é saber se as eleições são livres, e cada um de nós pode escolher em liberdade e consciência a resposta que prefere dar à crise, ou se são uma farsa, porque a resposta já está definida antes de votar. Por outras palavras, se vivemos em Democracia ou em ditadura.
A tese do Dr. Portas é que estas eleições são uma farsa. A minha é que somos livres de escolher, por exemplo, votando no partido dele.
Pode ler e considerar plausíveis teses que sustentam que as escolhas já estão feitas. Pode crer que haja forças obscuras no mundo financeiro a determinar às nações rumos contrários aos que os seus eleitores escolhem livremente. Pode dar crédito a quem prevê que Portugal vai ser forçado a renegociar a dívida (até o Doutor Nogueira Leite o prevê, se bem que com base na aritmética, e não na fé ou em fezadas).
Mas uma coisa não pode negar. Que cada um de nós tem toda a liberdade de, no Domingo, votar para primeiro ministro em quem promete não cumprir o MoU e seguir um caminho alternativo e muito diferente. E que se o candidato que receber a maioria dos votos for um desses, será o próximo primeiro ministro de Portugal.
A previsão do Dr. Portas que as eleições serão fatalmente ganhas pelos candidatos da troika não altera que serão ganhas por quem for escolhido por cada um dos eleitores em liberdade e em consciência. E isto não tem nada de fatalidade, é a essência da Democracia.
Sugerir que as eleições são menos que livres é mais uma machadada na Democracia (que, como sabe, as recebe todos os dias vindas da esquerda e da direita) e resulta mais da sua incapacidade de convencer os eleitores das suas teses do que da intervenção de forças ocultas que nos manipulam no momento de votar.
Talvez um exercício de humildade e reflexão, em vez do exercício do insulto, permitisse ao Dr. Portas descobrir modos de explicar melhor aos eleitores as suas (correctas, no seu ponto de vista) teses a ponto de virem a ter no futuro (ou já amanhã) um apoio maioritário?
Um abraço

Niet disse...

Caríssimo MV. Pires: Não vamos transformar a nossa discussão num torneio de Antropologia Política, pois não? Até porque, como já nos conhecemos, temos pontos de vista, ab initio, muito diferentes. Claro, o MV. Pires tem razão- do seu próprio ponto de vista,é óbvio- em querer insinuar que o Miguel Portas está a meter medo aos eleitores, por um lado; e que,por outro lado, v., MV. Pires, entende que o Contrato Social e Político que articula a União Europeia não foi parar às urtigas, como o sugere M.Portas ...Mas atenção, meu caro, por efeitos parecidos com as errâncias do caos no interior da teoria das probabilidades,lá nos vamos defrontar com o fantasma da guerra das ideologias num cenário de democracia representativa em época de saldos! E nesse ponto, de um paradoxal e sofisticado eleitoralismo puro e duro, a mensagem de Miguel Portas/BE é muito percutante e certeira, do meu ponto de vista. Salut! Niet

Manuel Vilarinho Pires disse...

Meu amigo,
O Miguel Portas não está a meter medo aos eleitores. Está-lhes a dizer: a Democracia, que vocês pensa(va)m que é uma coisa boa, é afinal uma farsa. Se calhar até podem prescindir dela para experimentar alternativas (e muita gente já se esqueceu do que são as alternativas).
No meu ponto de vista, já agora, a UE não mandou os seus princípios para as urtigas, a UE morreu. Não nos resta senão procurar aproveitar, dos cacos, os que nos podem ser úteis (eu, por exemplo, considero útil o Euro, por razões que posso explicar, mas não agora).
Juntando estas duas circunstâncias, não é difícil perceber porque são imprudentes (na melhor das hipóteses) ou manhosas (na pior das hipóteses) estas desvalorizações da democracia.
Até porque, em Portugal, é mais provável que contribuam para o bom acolhimento a algum Professor de Finanças a pregar a austeridade, do que para o do reconhecimento da virtude da visão do Miguel Portas para lidar com a crise. Caso em que as palavras dele, quer sejam movidas pela imprudência, quer pela manha, são bem menos inteligentes do que possam parecer.
Um abraço