2.5.12

Democracia ligada à máquina?



Esqueço o 1º de Maio e o Pingo Doce e rebobino até ao tema da semana passada – as ausências na sessão oficial comemorativa do 25 de Abril – porque elas foram o ponto de partida para a crónica de José Vítor Malheiros (JVM) no Público de ontem, que levanta algumas questões fundamentais que não quero deixar passar. 

JVM recorda que «as críticas dirigidas à Associação 25 de Abril e a Mário Soares têm a ver com o facto de, segundo os seus críticos, ser falsa e injusta a acusação segundo a qual a actuação do Governo “deixou de reflectir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril configurado na Constituição da República Portuguesa”». A parir daí, tece uma série de considerações sobre a dicotomia «ou há democracia ou não há», generalizadamente aceite mas que é profundamente redutora. Como muitas outras realidades, a democracia tem graus ou diferentes estados de saúde, como se prefira, e, como diz JVM, «até pode respirar, mas ligada à máquina, como é o caso em Portugal.» E concretiza: 

 «Temos partidos políticos, eleições, Parlamento, liberdade de expressão. Só que as coisas não são tão simples como isso. (…) 

Portugal hoje é um bom exemplo de uma situação em que a democracia formal não representa sequer formalmente a vontade do povo. A própria direita aceita aliás sem rebuço que Portugal vive hoje em regime de protectorado, devendo sujeitar-se às imposições da troika. Dizer que isto é democracia representa uma curiosa interpretação, que corresponde a dizer que um prisioneiro que pode escolher a cor das paredes da sua cela é, no fundo, uma pessoa livre e não pode por isso mencionar sequer a sua falta de liberdade. (…) 

É possível falar de democracia quando a Europa que comanda os nossos gestos é dirigida por órgãos que não elegemos? Quando os mercados sem rosto decidem das nossas políticas através dos nossos ministros, que irão contratar daqui a três anos? As eleições, onde elegemos partidos com base em promessas e programas eleitorais rasgados com a maior desfaçatez no dia seguinte, representam a vontade do povo? (…) 

Esta democracia não tem pelo menos umas parecenças com uma ditadura? Não, não digo que seja ela, é claro que se trata de outra pessoa. Mas não há ali umas parecenças de família, a esta luz, quando nos olha de lado?» 

Parecenças de família, que não vale a pena tentar esconder debaixo do tapete. Muito pelo contrário.
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