23.7.12

Pedro Ramos de Almeida



Ana Sá Lopes, no jornal «i»:

Foi-se mais um daqueles a quem tiravam o sono 

Pedro Ramos de Almeida morreu ontem em Lisboa, aos 80 anos. A doença respiratória não o deixou acabar de escrever a história do MUD Juvenil, um dos movimentos mais populares de combate à ditadura, a que se juntou quando tinha 18 anos.

Militante e antigo dirigente do PCP, Ramos de Almeida faz parte do (ínfimo) grupo de portugueses que combateram, com poucas armas e bagagens, a grande crise nacional dos últimos 50 anos – a ditadura.

Uma ditadura que tinha uma biografia para escrever. Pedro Ramos de Almeida é autor, entre muitos outros livros e ensaios, de “Salazar: biografia de uma ditadura”. Se os revolucionários de Abril ficaram simbolicamente homenageados como “os homens sem sono”, os da linhagem de Pedro Ramos de Almeida têm sido insuficientemente reconhecidos como os homens a quem tiravam o sono.

Veja-se o depoimento de Virgínia de Moura sobre a prisão em 1954 de dezenas de jovens do MUD: “Usou-se e abusou-se da violência, batendo em alguns, obrigando outros a fazer estátua durante dias consecutivos, longos períodos de incomunicabilidade, enclausuramento em segredos, internamentos no Conde Ferreira (hospital psiquiátrico de então, no Porto), transferência de jovens para Caxias, e muito concretamente, entre outros, foram vítimas de violência os arguidos Pedro Ramos de Almeida (22 anos, estudante de Direito de Lisboa), sete dias e sete noites sem dormir e dois (leia-se quatro) meses de segredo”.

Aos poucos, a maioria dos jovens é libertada até ao julgamento, mas Pedro Ramos de Almeida fica preso. É o próprio que contou, em texto no jornal comunista “O Militante”: “À maioria dos presos é fixada caução e admitida a sua libertação condicional até ao julgamento. Entretanto, a excepção é constituída por seis réus, acusados de serem membros da Comissão Central do MUD Juvenil – Maria Cecília Alves, Agostinho Neto [futuro presidente de Angola], Ângelo Veloso, Hernâni Silva, Hermínio Marvão e Pedro Ramos de Almeida”.

Condenado a quatro anos de prisão, Pedro Ramos de Almeida fugirá do Forte de Peniche em 1961 (*). Partiu depois para o exílio. Em 1962 viveu em Praga, como dirigente do PCP, representando o partido junto de revistas internacionais dos partidos comunistas. Muda-se, depois, para Argel, ao serviço do PCP, onde ficará cinco anos, na qualidade de membro do comité central do Partido Comunista, a Junta Revolucionária Portuguesa, o órgão dirigente da Frente Patriótica de Libertação Nacional. Dirige na altura a rádio Voz da Liberdade, uma emissora de combate à ditadura que emitia para Lisboa a partir de Argel.

Entre 1969 e 1971 esteve na clandestinidade em Portugal – uma altura em que pintava os seus prematuros cabelos brancos com tinta castanha comprada na drogaria. Regressa a Portugal em 1971 depois de ter obtido a garantia, através do seu padrasto Fernando Abranches Ferrão, de que não haveria processos contra ele. Começa a militar na CDE e quando chegou o 25 de Abril tornou-se militante do MDP-CDE, de que foi dirigente. Entre os muitos livros que escreveu, destacam-se a História do Colonialismo Português e o Dicionário Político de Mário Soares. O dirigente histórico do PCP Domingos Abrantes recordou ontem o “intelectual de grande craveira”, que “teve sempre uma actividade empenhada, não só na juventude, mas em toda a luta da unidade antifascista”. Para Carlos Brito, ex-militante e ex-dirigente do PCP é a perda de “um grande amigo” e uma perda “para a esquerda”. “Foi um grande combatente, com muito mérito”. Pedro Ramos de Almeida era pai do nosso camarada de redacção Nuno Ramos de Almeida e de João Ramos de Almeida, jornalista do Público

(*) Uma correcção: PRA já não estava preso em Peniche quando se deu a célebre fuga de um grupo de presos (e portanto não o integrou) e a fuga em questão não aconteceu em 1961, mas sim em 3 de Janeiro de 1960. 
.

0 comments: