28.8.12

A Unilever e a menina Etelvina



A notícia veio ontem em todos os jornais: a Unilever anunciou ao mundo, via Financial Times, que «a pobreza está a regressar à Europa» e que, por esse motivo, vai vender os seus produtos em embalagens muito mais pequenas. (Viragem de 180º quando as prateleiras estão cheias de caixas enormes que anunciam «mais 25% grátis», mas adiante.) 

É impressão minha ou a demagogia do marketing não tem limites? Ou, então, está a prever-se que os europeus venham a ser pagos, (mal, evidentemente...) já não ao mês, mas talvez à semana ou mesmo à jorna. Comprarão o champô para uma lavagem, desodorizante para uma tarde e pensarão duas vezes antes de armazenarem na despensa dois sabonetes que terão as dimensões daqueles que nos dão nos hotéis. 

Perceber que pode dar jeito, a quem tem o porta-moedas pouco recheado, comprar pontualmente metade da dose do que é habitual é uma coisa, lançar uma campanha generalizada, nestes termos, por causa do empobrecimento deste velho continente é uma outra. Acredita-se mesmo que, na Europa, é assim que se ajuda a resolver o problema da falta de dinheiro ou que se combate uma mentalidade consumista? Quantas etapas diferentes não haveria / haverá a percorrer? Não se entende que esta fase de «empobrecimento» é diferente do processo que está a tornar certos bens acessíveis a quem nunca os teve, na Ásia ou em África? E alguém já pensou, por exemplo, na produção e utilização adicional em embalagens, que uma decisão destas implica, com o impacto mais do que provável em termos ambientais?

Enfim, tudo isto me lembra a menina Etelvina. A menina Etelvina devia andar pelos 85 quando a conheci, viveu sempre numa vila «da província» e, em plena década de 80, lamentava-se amargamente porque, na mercearia, já ninguém lhe vendia 100 gramas de manteiga em embrulho de papel vegetal, nem 50 gramas de açúcar, como sempre tinha comprado, em cada dia da sua longa vida. Porquê? Porque era assim que sempre tinha sido e que devia ser, para se poupar.

Se a menina Etelvina ainda fosse viva, seria uma fã da Unilever.

P.S. – A propósito do tema, ler a crónica de Ferreira Fernandes no DN
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