22.9.12

Maria Benedita, 91 anos



Esteve ontem em Belém. 

Conheço-a há muitos anos, nem sei dizer quantos. Pertenceu, tal como eu, a várias gerações de católicos que não se conformaram com a ditadura e que participaram, à sua maneira, nas lutas que a fariam cair. Em condições especiais: mãe de nove filhos, a MB pertencia a «boas famílias», do mais salazarista que imaginar se possa, tanto no plano estritamente político como religioso. Tinha dois cunhados que recordo como figuras absolutamente sinistras do clero português, um marido de que já falarei.

Esteve sempre «presente», sobretudo a partir da década de 60 e até ao 25 de Abril. Participou, por exemplo, na vigília da capela do Rato e, muito antes, vivi com ela um episódio que aqui recordo. 

Entre Abril e Novembro de 1967, desenvolveu-se todo um processo relacionado com a perseguição ao padre Felicidade Alves, uma das figuras centrais da história da luta dos católicos contra o fascismo, que era prior de Belém (paróquia a que MB pertencia) e que acabou por ser destituído do cargo. Houve inúmeras reacções ao facto e, a páginas tantas, um grande grupo de pessoas solidárias com o padre Felicidade dirigiu-se de Belém para o Patriarcado, onde se acantonou no átrio e numa pequena área do passeio, protegida por um gradeamento e por isso a salvo da intervenção da polícia que se perfilava frente ao palácio. Foi pedida uma audiência a Cerejeira que não apareceu mas enviou um secretário com a missão de dispersar os presentes. Ficará na memória de todos «Esta casa é nossa!», um grito repetidamente lançado nessa tarde, no seu jeito bem peculiar, por Francisco de Sousa Tavares. O Cardeal não nos recebeu, mas estava reunido, a essa mesma hora, com alguns paroquianos de Belém muito activos contra o padre Felicidade. Quando essa reunião terminou e os participantes desceram a escada, deu-se uma cena patética: uma dessas pessoas, salazarista ferrenho, viu, no meio da multidão que se encontrava no átrio, a mulher (a MB) acompanhada por uma das filhas. Gritou mandando-as para casa, elas não arredaram pé e choraram abraçadas, silenciosamente. Inesquecível, por muito tempo que eu viva.... 

Estive anos sem ver a MB. Em 2004, encontrei-a, já com 83 anos, lindíssima e muito calma como sempre, numa manifestação, frente ao palácio de Belém, contra a possível nomeação de Santana Lopes como primeiro-ministro. Disse-me então: «Sabe? Eu estou cansada mas era importante vir, não consegui ficar em casa.»

Ontem, no mesmo local, não a encontrei. Mas soube que lá esteve por uma imagem num vídeo e por esta fotografia que a Myriam Zaluar hoje me «ofereceu». Quando meteu conversa com ela, sem a conhecer, obteve como resposta: «Nós temos de lutar!»

Exacto. Continuemos.
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