21.12.12

No país em que eu nasci



Excerto de um texto publicado no Facebook por Mário de Carvalho.

«No país em que eu nasci, quem mandava eram os ricos que encarregavam das tarefas sujas uns professores de Coimbra e uns militares que por sua vez comandavam legiões de desgraçados. Durante gerações, houve pessoas, em número mínimo, que beneficiaram duma vida remansosa dentro dum circuito fechado e protegido. A sua insensibilidade social era completa. Nem se apercebiam de que em volta havia pobre gente maltratada, humilhada, presa, espancada. Se lhe chegassem rumores (através das criadas, por exemplo) considerariam que era natural. O imperfeito mundo funcionava assim mesmo, éramos "um país pobre", resignassem-se. E até encontravam uma especificidade nacional justificativa do nosso fascismo doméstico. Era desumano? Paciência. Havia oratórios, terços, missas, e em calhando cilícios e bodos aos pobres. A desumanidade redimia-se nos ritos.

De repente (surpresa para eles) caiu-lhes uma revolução em cima, transtornou-lhe os planos, estremeceu-lhes as carreiras, desmarcou-lhes as festas. O que se chama, na sabedoria popular "uma patada no formigueiro".

Nunca perdoaram esses momentos – fugazes – de perturbação das pequenas vidas. Não tardariam, eles e seus descendentes, a ser repostos nos lugares de antes (em circunstâncias e conluios que não importa agora rever) mas num quadro jurídico e institucional diverso: a democracia. Essa incomodidade áspera, própria de intelectuais irrealistas, operários transviados e outros lunáticos, mostrava-se demasiado imponente para se derrubar de golpe? Dissimulasse-se. Corroesse-se por dentro. Desviassem-se os recursos do Estado. Praticasse-se uma permanente cleptofilia. E, dentada a dentada, sangria a sangria, desgaste a desgaste, chegou o momento que julgaram oportuno para rasgarem as fantasias e voltarem aos plenos poderes de antes, a coberto dos seus criados. A vingança serve-se fria. Há um nome francês que se usa no caso: "revanche".» 
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2 comments:

Septuagenário disse...

Lendo e pensando, chegamos à conclusão que os netos de uns, estarão a vingar os seus avós ricos.

E que os netos dos avós pobres, estão outra vez na mó de baixo.

Penso que Mário de Carvalho, se esquece que se criaram novos-ricos e novos-pobres.

Ou seja, esquece-se que houve um dia em que "se baralhou e tornou a dar".

E é bom que os diversos Mários que nasceram no país do «salazarismo» denunciem que se passou a governar num país do «anti-salazarismo».

Qual deles o pior!

Não dizer as verdades todas, é uma maneira de mentir, e isso é mau.

José Gonçalves Cravinho disse...

Pois eu,um simples operário emigrante na Holanda desde 1964 e já velhote (88anos),digo mais uma vez que os pulhas,os velhacos,os cínicos,os hipócritas,os trafulhas da Alta,da Média,da Pequena Burguesia com destaque para os Vigários de Cristo,mas também gente da Plebe,que sabiam como tirar o melhor partido da Ditadura clerical-fascista do Estado Novo,agora com o liberalismo económico,em liberdade e democracia ÊLES,seus apaniguados e os «filhos da mesma escola»muito melhor sabem como tirar o melhor partido desta SITUAÇÃO.Só os bem intencionados ou os palermas como eu,é que foram,são e serão sempre as eternas vítimas.E não esquecer que ÊLES estão a vingar-se do 25 d'Abril.
A Pátria-Mãe p'ra mim madrasta/
empurrou-me p'rà emigração/
e maldita seja a Governação/
que Portugal p'rà miséria arrasta.