3.11.12

Querida paridade



Os «Media do Futuro» são assunto de homens e só para homens. 
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Aquele senhor magrinho



«O dr. Cavaco Silva, que, segundo corre por aí, é o Presidente da República, desapareceu. Não se vê na televisão. Os jornais não falam nele. Anda calado como um rato e escondido atrás de uma cortina. A população supõe que o bom do homem continua em Belém a olhar para o Tejo e a contar navios. Mas não tem a certeza. Há gente, armada de binóculos, que o tenta descobrir, sem o mais vago resultado. E há gente que perde o seu tempo e a sua paciência a especular sobre o que lhe sucedeu, se de facto lhe sucedeu alguma coisa. Já se demitiu sem ninguém saber? Emigrou? Caiu a um poço? É um grande mistério. Por assim dizer, um mistério histórico. Um facto é certo: Portugal elegeu um senhor magrinho para resolver os sarilhos da pátria e, agora que precisa dele, ele não está cá.»  

Vasco Pulido Valente, Público, 3/11/2012
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Uma imagem que fala por si



... esta, da capa do Público de hoje. Eu sei que a escolha da frase é do jornal, e não uma afirmação de um técnico do FMI, mas espelha bem a realidade (desenvolvida, aliás, em notícia da segunda página). É nas mãos de uns burocratas que está o que há de mais importante nas nossas vidas.

Ao que chegámos!
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E quanto a convergências com o PS...



João Semedo dá hoje, no «i», uma boa entrevista a Ana Sá Lopes. Caracteriza – bem, no meu entender – o que pode, e não pode, ser uma «plataforma mínima» de entendimento com o PS. Sublinho dois pontos:

– Já muitos tentaram, por dentro, «desencostar» o PS da direita. Em vão. JS cita, a título de exemplo, o caso dos chamados ex-MES. E eu, que acabei de ler a biografia de Jorge Sampaio da autoria de José Pedro Castanheira, tenho todos os detalhes bem presentes: foram engolidos.

– A primeira condição de que a esquerda não pode prescindir é que o PS rasgue o MoU. Ao contrário de muitas formulações propositadamente vagas que por aí circulam (como, por exemplo, «denunciar» o MoU), esta é bem clara: rasgar é rasgar. E JS explica o que entende por este acto, na parte da entrevista que não transcrevo – é só ler.

Excertos da entrevista (os realces são meus):

«O adversário do Bloco é a direita. Mas o problema do PS é um problema complexo. O Partido Socialista é o que é. E nós verificamos há muitos anos na sociedade portuguesa uma diferença nítida entre as escolhas da direcção do PS e o que são – pensamos nós – as aspirações, as preocupações da sua base social de apoio. (...) Houve gente que tentou resolver esse problema entrando para o PS. Foram deputados, secretários de Estado, ministros, até Presidentes da República. Estou a referir-me ao M.E.S [Movimento da Esquerda Socialista, no qual em 1974 militaram Jorge Sampaio, Ferro Rodrigues e João Cravinho, entre muitos outros], que entrou em bloco, estou a referir-me à Plataforma de Esquerda, ou a parte dela. Não noto que o Partido Socialista tenha vacilado muito ou tenha mudado muito o seu rumo. Nós temos um problema, que é termos um Partido Socialista que sempre esteve mais perto da direita que da esquerda. O desafio é desencalhar o Partido Socialista da direita. Isto não vai apenas do nosso desejo ou da nossa vontade. Eu gostaria muito que o Partido Socialista de António José Seguro, tal como diz que está contra o Orçamento do Estado, estivesse contra o Memorando. Eu posso desejar isso, mas não basta desejar. (...)

Nós estamos na disposição de uma plataforma mínima. A nossa moção (...) diz o que são para nós os mínimos de esquerda. São quatro pontos apenas: primeiro, rasgar o Memorando. Segundo, devolver aquilo que os portugueses perderam em direitos, em salários, em pensões, em serviços públicos. Terceiro, uma reforma fiscal que tribute mais os rendimentos de capital e de propriedade que os rendimentos do trabalho. Quarto e último ponto: o controlo público do crédito bancário, que significa a nacionalização dos bancos que entretanto foram intervencionados. (...)

E eu pergunto: é possível a esquerda entender-se, construir um governo, uma alternativa, com base no respeito pelo Memorando?» 
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Carta à Alemanha



José Maria Castro Caldas publicou este belo texto na página da IAC. 

«Senhora Merkel, Chanceler da Alemanha

Venho pedir-lhe, por ocasião da visita que em breve nos fará, para levar consigo na partida uma breve mensagem aos seus concidadãos. Eis o que gostava que lhes transmitisse:

Sabemos que na década passada os vossos governos vos disseram que tinham de abrir mão de parte dos salários para preservar o futuro do vosso Estado Social. Disseram-vos, e vocês acreditaram, que se prescindissem de uma pequena parte do rendimento presente vos tornaríeis “mais competitivos” e que, dessa forma, o vosso país poderia obter uma poupança capaz de sustentar as vossas pensões e os direitos sociais dos vossos filhos no futuro.
Sabemos que a década passada não foi fácil para vós e que o vosso país se tornou desde então menos bonito e mais desigual. Sabemos também que o objetivo pretendido foi conseguido. Que a Alemanha se tornou «mais competitiva», exportou muito, importou menos e mais barato, conseguiu grandes excedentes da balança de pagamentos e acumulou poupança nos vossos bancos. (...)
Perdoe-me senhora Merkel se entre uma e outra palavra deixei transparecer amargura em excesso. É que não sou capaz de o esconder: o espetáculo de uns povos contra outros é para mim insuportável, sobretudo quando afinal todos eles se debatem com um problema que é comum – o da finança que governa com governos ao serviço de 1% da população, como o seu e o nosso. À memória ocorrem-me tragédias passadas que deviam ser impensáveis. Concordará comigo pelo menos num ponto: é preciso evitar esses inomináveis regressos ao passado.»

Vale muito a pena ler na íntegra
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2.11.12

No dia deles



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O sindicalizado faz greve, o líder sindical abstém-se




Como bom dirigente socialista que é, abstenção é prática habitual na sua zona de conforto quotidiana. Está com os seus.

Isto não significa que não concorde com parte das críticas que JP faz à CGTP quanto ao modo como esta central sindical liderou o processo de anúncio da greve do próximo dia 14 (business as usual, infelizmente....) Mas o actual momento é suficientemente grave para que todos os esforços tivessem sido feitos, por ambas as partes, para que a UGT também aderisse. E tudo leva a crer que não terá sido o caso. 
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Da vergonha



Mesmo os neo-indignados como Bagão Félix, que partilham muitas das opções do modelo austeritário que este governo tenta concretizar obsessivamente, têm vendo a distanciar-se. Hoje, em entrevista ao Dinheiro Vivo, põe o dedo numa importante ferida:

«A ser verdade que são os técnicos da Troika que estão a ajudar nesta reforma sinto-me envergonhado, porque é certo que temos um memorando de entendimento assinado, metas a concretizar, estamos dependentes das instituições, mas não dos seus funcionários. Quem escrutinou esses funcionários que não conhecem o país? E agora vêm com regra e esquadro aplicar modelos sem conhecer o povo, o país, a sua história. Este tipo de análise exige conhecimento profundo enraizado na realidade portuguesa.» (O realce é meu.)

Nem mais.
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Isso é que era bom!


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1.11.12

Policarpo não vacila



O cardeal de Lisboa foi hoje entrevistado por Manuel Vilas-Boas, na TSF, e ouvi-o na íntegra, em trânsito.

Interrogado sobre a polémica provocada por recentes afirmações suas sobre manifestações insistiu (cito via Expresso): «As grandes decisões nacionais não podem ser decididas fora do quadro institucional da democracia, senão é o fim da democracia, um estado pré-revolucionário. Que Nossa Senhora nos defenda disso». E também: «Somos uma democracia representativa, temos órgãos de soberania que elegemos, (não estamos numa ditadura), têm o seu dinamismo, onde a vontade popular se exprime nessa eleição».

E a propósito da necessidade da revisão da Constituição: «Eu sou um acérrimo defensor do quadro democrático em que estamos inseridos. Agora, há circunstâncias, o bem comum pode exigir que o próprio exercício dos direitos seja prudente, tenha em conta o bem comum.»

Estamos, portanto, triplamente esclarecidos: a democracia é assegurada pelos actos eleitorais, de um hipotético estado pré-revolucionário esperamos que Nossa Senhora nos defenda e venha a revisão da Constituição se necessário for.

Passos Coelho não diria melhor, Vítor Gaspar explicaria o mesmo, mas em português técnico e muito mais devagar. Policarpo merece uma boa condecoração no 10 de Junho. 
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Zona Euro: Um golo na própria baliza?



Num texto publicado hoje no Expresso online, Jorge Nascimento Rodrigues refere um estudo de dois investigadores do National Institute of Economic and Social Research (NIESR), que sublinham os efeitos devastadores no PIB e no aumento dos rácios de dívida pública de «um cenário em que os governos europeus conjugam políticas de austeridade», naquilo que se parece «mais com um pacto de suicídio" do que com uma solução de "coordenação óptima [em termos dos modelos económicos]».

A sincronia de políticas de austeridade – quer nos países já com planos de intervenção da troika, quer em outros da zona euro – é «um golo na própria baliza», «autopunitivo» para toda a União Europeia.

«A sincronia de actuação dos governos traz um problema acrescido – para além do efeito multiplicador negativo das medidas de austeridade tomadas individualmente, acrescem os impactos das medidas tomadas nos outros membros da zona euro e União Europeia. O multiplicador é ainda maior.»

Na íntegra AQUI
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No dia dele



Em 1 de Novembro de 1756, exactamente um ano depois do terramoto que destruiu grande parte de Lisboa, a população, paupérrima, aproveitou a data para lançar, por toda a cidade, um grande peditório. Batia-se às portas e pedia-se, precisamente: «Pão, por Deus». 

A tradição espalhou-se depois por todo o país e foi mesmo exportada para o Brasil. Sempre a aprender...
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O Processo de Refundação Em Curso



Afinal é simples: a misteriosa «refundação» reduz-se a um relatório a apresentar este mês à troika em termos gerais e, detalhadamente e para aprovação, em Fevereiro. Nele, serão definidas e quantificadas reduções de custos, de estruturas e de serviços e do número de funcionários.

Marques Mendes explicou tudo isto ontem, na TVI24, de forma cristalina, e revelou também o que seria de esperar: já cá estão (terão chegado esta semana) os técnicos do FMI que vão assessorar o governo nesta tarefa.

Por razões óbvias, a caução do PS (e da UGT, chamada ontem à arena por Paulo Portas, no seu discurso no Parlamento) será preciosa. O famoso apelo lançado ao PS terá mesmo saído como um dos primeiros conselhos dos «assessores» do FMI? É bem possível.

Passos escreveu uma carta a Seguro, esta acusou a recepção mas não revelou ainda o que responderá. À saída do Parlamento depois da votação do OE, afirmou que sempre teve «uma postura de enorme responsabilidade, colocando o interesse nacional acima de qualquer outro interesse», mas foi acrescentando que «há uma alternativa em Portugal e essa alternativa é protagonizada pelo PS, que alia disciplina e rigor orçamental à prioridade do crescimento e do emprego».


Ou seja? Vai o PS recusar sentar-se à mesa, correndo o risco de fazer o papel do PCP e do Bloco quando não quiseram falar com a troika? Será que pode?

Vai insistir na tecla: «É tarde»? É o que faz Francisco Assis, em artigo do Público de hoje (sem link): «O que pretende verdadeiramente o primeiro-ministro? Recuperar a iniciativa política? Relativizar a dimensão do seu próprio falhanço? Comprometer o PS com um programa de redução do Estado social? Talvez um pouco de tudo isto. Seja como for, tenha as intenções que tiver, esta proposta chega tarde de mais. De certa forma, é pena que assim seja.» 

Mais vale tarde do que nunca, será a resposta óbvia. Nascerá no Largo do Rato alguma formulação para uma «abstenção violenta»»? 

Mas vale a pena voltar ao artigo de Francisco Assis, muito, muito elucidativo: «Precisamos de estabelecer um verdadeiro compromisso histórico entre a esquerda democrática e o centro-direita portugueses. O actual Governo já não dispõe de condições para promover tal consenso. O país precisa de entrar rapidamente num novo ciclo político. O Partido Socialista volta a estar no centro da vida política nacional, readquirindo uma condição de charneira que aumenta a sua responsabilidade imediata. É, por isso, natural que dentro deste partido se estabeleça uma discussão útil entre aqueles que preconizam a solução acima defendida, e alguns sectores mais voltados para entendimentos à esquerda. Essa discussão deve fazer-se sem tabus e sem receios. Pela minha parte, espero que prevaleçam os primeiros, sem que haja a tentação de dispensar o contributo dos segundos.» (O sublinhado é meu.)

Claríssimo como água: o centrão, mas com o PS ao leme. Refundações há muitas.

P.S. - O artigo de Francisco Assis pode ser lido na íntegra AQUI.
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31.10.12

O barulho de Relvas (por Ricardo Araújo Pereira)



Neste reino do «faz de conta», estou com o RAP.

«Creio que cada pessoa devia poder escolher a forma de tratamento deferente que lhe parecesse mais apropriada e aplicá-la ao ministro sem necessidade da mesquinha verificação de que ele possui realmente as habilitações que permitem esse tratamento. É o que vou passar a fazer relativamente ao almirante Miguel Relvas.» 

E RAP passa a tratar Relvas por bispo, maestro, escuteiro, visconde e desembargador... 

Na íntegra AQUI.
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E o OE foi aprovado às 14:43




PCP, BE Verde e 15 deputados do PS votaram contra essa antecipação, os outros representantes do PS (ao todo são 74), guess what? Abstiveram-se! Registe-se, para mais tarde recordar – não só a opção do PSD e do CDS, mas, também e sobretudo, a do Partido Socialista. Os actos ficam com quem os pratica.

O OE para 2013 está aprovado na generalidade. Mas a luta continua - já a seguir, junto à AR.
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Falta pouco


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Barroso: outro que andará mais recolhido




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...
Quem lhe diria?


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Não


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30.10.12

Fisco: a grande evasão



Como tantos outros, todos os dias cito quem nunca pensaria evocar, a propósito dos mais variados temas relacionados com a especialíssima fase em que nos encontramos. Novos opositores dentro dos seus próprios partidos, neo-indignados (roubo a expressão a José Maria Castro Caldas) com todas as ambiguidades inerentes a este estatuto. Vamos isolando mensagens dos respectivos mensageiros, frequentemente com um certo grau de oportunismo – consciente e assumido no que me diz respeito.

Chegou a vez de recorrer a Paulo Rangel que, em artigo do Público de hoje, chama a atenção para uma realidade gritante e em crescimento acelerado: a fuga ao fisco. Mesmo os que, até anteontem, eram mais do que escrupulosos, consigo e com os outros, estão a deitar os princípios para trás das costas, por necessidade ou por crescente revolta. Cada vez vejo menos pessoas a pedir facturas, mais pequenas lojas que só aceitam dinheiro vivo e que não registam as vendas, mais apelos nas redes sociais para que sejam compradas prendas de Natal directamente a artesãos, toda a gente a fugir ao IVA sempre que possível, o contrabando a somar e a seguir. E é óbvio que a procissão ainda nem saiu do adro...

E, no entanto, Paulo Rangel tem razão:

«A dimensão acumulada dos aumentos da carga fiscal é de tal ordem que vem legitimar a fuga, desculpar a omissão, estimular o incumprimento. O peso da opressão tributária é de tal monta que incentiva a invocação do direito à indignação e à rebeldia fiscal. Estão criadas as condições para o renascimento da cultura da fuga e da evasão; e, pior e mais grave, estão lançados os alicerces de uma nova ética da evasão. Trata-se de uma enorme perda para a consciência cívica da sociedade portuguesa, que tão lenta e tão debilmente tinha começado a interiorizar a justeza e a justiça do estado fiscal. É esta perda comunitária de legitimidade, de ética e de civismo que constitui o verdadeiro risco moral da escalada dos impostos.» 
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E a Grécia soma e segue



Continuo atenta, diariamente, ao que se passa na Grécia. Hoje, ao meio-dia, o primeiro ministro grego declarou que as negociações com a troika tinham chegado a bom termo e que a Grécia receberia a quantia acordada, por ter conseguido definir as medidas de austeridade necessárias para o orçamento de 2013. «A Grécia ficará no euro. E sairá da crise», acrescentou.

Garantida estaria a aprovação no Parlamento, com o voto positivo do seu próprio partido – a Nova Democracia – e do PASOK (mesmo que a Esquerda Democrática mantivesse a já declarada posição negativa).

Mas, pouco depois, Venizelos, líder do PASOK, absolutamente furioso, negou que as negociações tivessem terminado e classificou a declaração de Samaras como «indecente»...

(Fonte 1 e 2

Vai bem a Grécia, como se vê. Vai bem a coligação, com os nervos à flor da pele, enquanto a população se afunda.

Tendo passado quase todo o dia com o debate na nossa Assembleia da República em som de fundo, ao ler esta notícia grega, tive não um sentimento de déjà vu, mas de uma espécie de regresso ao futuro. Porque isto por cá também não vai acabar bem. Nada bem, se algo de muito extraordinário não acontecer muito em breve. 
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Mais palavras para quê



(Foto de Alfredo Cunha)
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Alemanha e Portugal – descubra as diferenças



Em 1923, 100.000 soldados belgas e franceses entraram pela Alemanha dentro, obrigando-a a pagar dívidas em géneros, depois de uma guerra que iniciou e que perdeu. A situação de Portugal é diferente em 2012: os portugueses «pagam o erro de ter acreditado que a União Económica e Monetária seria um projecto de solidariedade política e não uma organização de prestamistas capazes de utilizar o terror social como técnica de cobrança contra os membros devedores».

Outra diferença: quem governava a República de Weimar mobilizou os seus governados contra as tropas de ocupação. Por cá, em 2012, «reina o colaboracionismo, em duas versões: a entusiástica, de Passos Coelho ("ir para além da troika"), ou a variante fatalista, de Gaspar ("não há margem de manobra").»

Segundo Viriato Soromenho-Marques.
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Não esquecer


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29.10.12

Em 29/10/1936, a chegada dos primeiros presos ao «Campo da Morte Lenta», no Tarrafal



Eram 152 e tinham partido de Lisboa onze dias antes. Uns tantos haviam participado no 18 de Janeiro na Marinha Grande, alguns outros na Revolta dos Marinheiros de 8 de Setembro, os restantes em em actividades várias.

Um desses presos era Edmundo Pedro que tinha então 17 anos. Retomo um texto seu, publicado em tempos nos «Caminhos da Memória», em que é descrito um episódio que revela bem o que foi aquele que ficou conhecido como «o período agudo» da vida no Tarrafal.

Em Agosto de 1937, depois de uma tentativa frustrada de fuga por parte de um grupo de prisioneiros, estes foram forçados a cavar uma vala em volta do campo, que garantisse maiores condições de segurança e matasse à nascença quaisquer ilusões de sucesso em novas tentativas de evasão. É a este acontecimento que Edmundo Pedro se refere nesta página retirada do seu primeiro volume de Memórias (*). 

«O trabalho da abertura da vala prosseguiu durante algum tempo. Mas eram cada vez menos os prisioneiros que escavavam o fosso. Nos primeiros dias, os guardas percorriam as tendas para ver quem estava em condições de trabalhar. Compeliam os que estavam deitados, com os primeiros sintomas de febre, a levantarem-se e a alinharem na formatura que precedia o trabalho da vala. Não me recordo, com rigor, o tempo que alguns de nós aguentámos aquele trabalho-escravo. Talvez duas semanas. Talvez três. Quando a quase totalidade dos prisioneiros ficara retido nas camas pelas febres elevadas, o Manuel dos Reis foi obrigado a suspender a abertura da vala. Fiz parte do número reduzidíssimo dos que aguentaram até ao fim aquele trabalho de forçados. 

Estava prestes a completar dezanove anos. Era saudável e vigoroso. Não estava ainda enfraquecido pelo regime prisional. 


Do abuso do poder


@Paulete Matos 

«O primeiro e fundamental abuso do poder é retirar aos homens e mulheres o fruto do seu trabalho, expropriá-lo com os impostos e com as descidas de salários, ou com o desemprego pago na miséria. Não é comunismo, nem esquerdismo, nem socialismo, é doutrina social da Igreja, é pensamento social-democrata, reformista e, pasmem, liberal, liberal das liberdades. Tem a ver com a recusa do roubo da escassa propriedade dos pobres, da mediana propriedade dos que deixaram nas últimas décadas a pobreza de que os seus pais ainda se lembram com medo.» 

José Pacheco Pereira, Público, 27/10/2012
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Respiremos



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Continuem a dizer que Portugal não é a Grécia...




Estas considerações constam do projecto de parecer sobre o Orçamento para 2013 que será analisado hoje pela Comissão Especializada Permanente de Política Económica e Social. 

Ainda não prendemos jornalistas por divulgarem listas de nomes de pessoas alegadamente suspeitas de evasão fiscal, mas cuidado: em épocas de turbulência como a que vivemos, o que parece impossível hoje pode acontecer depois de amanhã. 
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De facto!...


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28.10.12

Adeus, Francisco José


O cineasta Luís Filipe Rocha dirige hoje, no Público (sem link), uma implacável carta aberta ao ex-secretário de Estado da Cultura. E não é só FJV e este governo que estão em causa, mas toda a política de cultura (ou a falta dela) também nos executivos anteriores. 

 «Caro Francisco José Viegas, acreditando nas notícias publicadas, desejo-lhe as melhoras. 

Nunca percebi como é que um escritor pode aceitar ser secretário da cultura de um Governo como o que temos. Como é que um escritor se pode sujeitar a um tão triste papel, a uma tão melancólica e insignificante sinecura? Por amor ao carro preto e aos estofos de couro? Por cupidez pelo estatal cartãozito de crédito? Por inebriamento com as alfombras da corte? Pela viagrice bimba que se diz que o poder provoca? Pelo arranjinho futuro? Por vaidade paroquial e familiar? Por vingança? Ingenuidade? Lirismo? Humor negro? Fidelidade amiguita? Nunca percebi. Não sei se um português tão suave como você escreverá algum dia memórias, mas, se tal acontecer, peço-lhe, por favor, que explique aos seus leitores por que aceitou ser secretário da Cultura de um Governo destes. 

É verdade que os dois Governos anteriores a este de que você fez parte desconsideraram a Cultura como nenhum outro Governo o havia feito em democracia. Até ao patetismo extraordinário de o ex-primeiro-ministro reconhecer publicamente, entre mandatos e em campanha eleitoral, que se tinha borrifado de alto para a cultura durante o mandato inteiro, mas que ia emendar-se. Em quase 40 anos de vida democrática não me recordo de algum outro Governo que tanto tenha desprezado e ostracizado a cultura como os dois Governos do senhor engenheiro Sócrates. Os seus três “ministros da cultura” foram os mais irrelevantes e nulos de todos os que conheci desde 1976. Ninguém deu por eles, para além das famílias e dos amigos, e, infelizmente, daqueles agentes e criadores culturais que desde 2005 começaram a sentir a negligência, o desinteresse e a grosseira ignorância a abaterem-se inexoravelmente sobre eles. 

Mas exactamente por esse lastro dos Governos anteriores e pela composição e ideário do novo Governo, não era previsível para todos que a cultura iria ser ainda mais destratada? Não era evidente, com este Governo, a assumida intenção de menosprezar de vez e, se possível, para valer, a cultura e os seus agentes e criadores? Não era óbvio o desdém ideológico e maninho, por isso mesmo fatal, ao despromovê-la e subordiná-la a este primeiro-ministro? 

Para desfrutar de um ano e tal de mordomias e regalias pacóvias (e precárias...) você teve de colocar mais uns valentes tijolos no túmulo da nossa vida cultural, que tão pifiamente os Governos anteriores começaram a cavar, e de ficar, no pedestal da nossa pindérica iconografia governamental, ao lado dos irrelevante e nulos seus antecessores. Com uma pequena mas não despicienda agravante: mais do que eles, você teve de prometer impossíveis, de desfazer possíveis, de disfarçar, de sorrir seraficamente e de dizer adeus de longe. 

Adeus, Francisco José, até sempre, que, apesar dos Governos, o país dura, e dura, e dura... Votos de melhor saúde e de longa vida.» 
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Ontem, em Madrid



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Bibliotecas improváveis

Refundar = Que se lixe a troika?



Passos Coelho aventurou-se ontem no domínio da novilíngua e afirmou ser necessário, não uma renegociação, mas sim uma «refundação» do programa de ajustamento assinado com a troika.

Como não explicou a escolha do termo, trata-se do truque clássico de lançar expressões que se pretendem mágicas e que acabam, propositadamente, por nada esclarecer. 

Certamente que não quis falar de um «aprofundamento» do MoU, primeiro porque isso nada significa, segundo porque teria que o renegociar com a troika, o que, aparentemente, não pretende fazer.

Vou então ser optimista. «Refundar» pode querer dizer «afundar» e, assim sendo, o que está em causa é deitar o dito MoU ao mar, em cerimónia a anunciar, com pompa e circunstância. Passos Coelho gritou ontem, subtilmente e pela primeira vez: «Que se lixe a troika!»Queremos as nossas vidas.»

É isso.
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