10.8.13

Legalidade e legitimidade



Bem a propósito de muitas discussões do dia nosso de cada pão: 

«Olhemos para alguns exemplos recentes da vida política em Portugal, em que vários políticos tiveram que vir dizer publicamente que agiram dentro da legalidade. Quando um político evoca a seu favor a estrita legalidade, quase sempre se colocou fora da legitimidade, isto é, à margem do próprio princípio que funda e legitima o exercício do poder político, as suas regras e as suas modalidades. A razão pela qual as instituições e os poderes democráticos se encontram hoje deslegitimados não é terem caído na ilegalidade; pelo contrário, afirma Agamben, é porque os poderes e os seus representantes perderam a consciência da sua legitimidade que a ilegalidade se tornou tão generalizada. Nestas circunstâncias, a ideia de corrupção tornou-se difícil de apreender, passou a ser um expediente legal a partir do momento em que o que se corrompeu foi a própria distinção entre o princípio da legalidade e o princípio da legitimidade. Por isso, querer resolver certas questões (como a da possibilidade de os presidentes de câmara se poderem candidatar a outra câmara quando já cumpriram o número limite de mandatos) através do direito, levando às últimas consequências a interpretação da legalidade formal, é entrar na perda irreparável de toda a legitimidade substancial. É promover a hipertrofia da lei por ausência de princípios que definam a legitimidade. Se é verdade que um poder que se pretende baseado numa legitimidade que despreza a legalidade é de natureza reaccionária e totalitária, também é verdade que se a democracia fica reduzida a regras e procedimentos jurídicos e já não resta nenhum outro princípio de legitimação senão os resultados eleitorais, então a legitimidade foi completamente absorvida pela legalidade (que os seus beneficiários dirão que “incontestável”) e deixa de haver qualquer saída para a imobilidade e o vazio em que caiu a máquina política. Não é, porventura, neste ponto que nos encontramos?» (O realce é meu.)

António Guerreiro, Ípsilon, 9/8/2013, p.28
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