11.12.13

O Ocidente sem fé no futuro?



Não é preciso fazer grandes inquéritos, nem comparar percentagens dos resultados obtidos nas respostas, para se saber que, em grande parte do Ocidente (nomeadamente na Europa), se perdeu «a fé no futuro». O simples turista sente-o imediatamente assim que desembarca em muitos países da Ásia, da América Latina e mesmo em alguns africanos: vista de fora, a Europa continua bela e depositária de grandes valores, mas «virada para trás» e em risco de se tornar um belo conjunto museológico.

O Económico publica hoje um artigo de Gideon Rachman em que este afirma que, apesar de o Ocidente continuar a ser, para muitos milhões de pessoas do mundo inteiro, o lugar onde o cidadão comum leva uma vida de conforto mais do que invejável, as estatísticas mostram que norte-americanos, e sobretudo europeus, se mostram muito mais pessimistas do que outros quanto ao futuro dos seus filhos.

Tudo como consequência da globalização? Sim, de certo modo, mas a verdade é que esta veio para ficar e não vale a pena sonhar com proteccionismos ou com uma possível guerra na Ásia, que devolveriam a supremacia incontestada ao Ocidente. Mais: se «o surgimento de uma mão-de-obra global ajudou a manter os salários baixos no Ocidente», «seria moralmente duvidoso tentar estimular os padrões de vida ocidentais à custa de uma tendência económica que retirou centenas de milhões de pessoas da pobreza nos países em desenvolvimento».

E das duas uma: ou a classe política, dos dois lados do Atlântico, aprende decididamente a gerir correctamente esta conjuntura (segundo Gideon Rachman, promovendo um sistema fiscal mais redistributivo e subindo o salário mínimo), ou, «se tivermos mais uma década de malaise económica no Ocidente, ou se rebentar uma nova crise financeira, é muito provável que as soluções e os políticos sejam mais radicais» e que vejamos reforçada a ascensão da direita populista tanto na Europa como nos EUA.

Mas infelizmente, muito infelizmente, não parece haver grande luminosidade ao fundo do túnel.
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4 comments:

Miguel disse...

Joana, um curto comentário: é duvidoso (para mim) que a globalização capitalista (e a expressão "tendência económica" é ainda mais duvidosa) tenha retirado centenas de milhões de pessoas da pobreza. Do que não tenho dúvidas é que, se essa "tendência" não for travada, depressa as devolverá a tal condição. E sim, pode ser travada.
Dito isto, declaro-me visceralmente contrário a qualquer alternativa fundada na manutenção dos privilégios do ocidente. Mais: estou firmemente convencido que as alternativas à globalização capitalista serão construídas contra esses privilégios.
Abraço
Miguel Teotónio Pereira, Marvão

Joana Lopes disse...

Miguel,
A globalização é consequência de progressos tecnológicos e tentar combatê-la (ou mesmo «travá-la», como dizes) é como lutar contra a invenção da máquina a vapor. Foi / está a ser mal feita? Sem dúvida e é isso que é preciso que seja alterado, concordando contigo que é muito difícil que isso aconteça em sistemas capitaistas.
Quanto ao facto de haver milhões que com ela saíram da miséria é um facto inegável (basta olhar para a China, Vietname, Laos, etc., etc.). E contra factos não há argumentos. Mais uma vez: da melhor maneira? Claro que não.
Abraço

Miguel disse...

Joana:
Talvez não tenhas reparado que eu falei na globalização capitalista, não na globalização. Esta, é irremissível, e consequência daqueles avanços de que falas. E, moralmente falando, ainda bem. É desejável. Aquela, não é, e pode, e deve, ser travada. A alternativa é a barbárie.
Por outro lado, não conhecendo a realidade dos países a que te referes como tu, mantenho as minhas dúvidas. Milhões que sairam da pobreza na China, India, Vietname, Laos? Será? É mesmo um facto? E em África, quantos milhões sairam da pobreza? E na América Latina, os avanços sociais e económicos também de milhões devem-se à "globalização", ou à "anti-globalização", ou seja, a politicas económicas anti-"tendência" (no sistema financeiro, na mineração, nas politicas sociais,etc)? O que para mim é relevante é isto: a ideia de que a globalização capitalista arrancou milhões à pobreza é um mito, e não é um mito inocente. Ele destina-se a "legitimar" uma acumulação de capital crescente e crescentemente desregulada e livre de qualquer controle social e politico. Há já muitos sinais a prová-lo, e não apenas, nem principalmente, no ocidente.

Joana Lopes disse...

Miguel,
De acordo em muito do que dizes, mas uma precisão: não foi propriamente a globalização que arrancou quem quer que seja à miséria, mas países (como a China, para citar o caso mais flagrante) que dela se aproveitaram para levar a água ao seu moinho. Outros, nomeadamente em África, nem disso foram capazes ou não quiseram, deliberadamente por corrupção desenfreada (Angola...). A América Latina tem um pouco de tudo.