19.10.13

Engenho e arte



Passei os dois últimos dias em Lalibela, a «Nova Jerusalém» da Etiópia, cravada numa região mais árida e agreste do que aquelas em que estive antes (e portanto mais pobre), mas também a que mais turistas procuram e por um motivo indiscutível.

Não há palavras (e muito menos fotografias parcelares) que possam dar uma ideia, mesmo aproximada, do que são as suas onze igrejas, escavadas na rocha e em muitos casos ligadas por túneis. Distribuem-se por dois conjuntos separados por um rio (um com seis igrejas, outro com quatro), estando fisicamente afastada a décima primeira: última a ser construída e a mais espectacular, com a sua forma em cruz, enterrada, e com quinze metros de altura.

As escavações começaram em pleno século XII e todo o conjunto foi construído em apenas vinte e quatro anos, o que é quase inacreditável! Terão estado implicados nas obras, usando instrumentos mais do que rudimentares, 40.000 homens e conta a lenda que trabalhavam enquanto havia Sol e que os anjos faziam o turno da noite…

As igrejas de Lalibela, Património da Humanidade segundo a UNESCO, são um dos grandes motivos de orgulho dos etíopes e com toda a razão. E por falar em orgulho, embora não venha a propósito, há um outro facto que não se cansam de referir: a Etiópia nunca foi colonizada por nenhum outro povo, realidade de que poucos países africanos se podem gabar. 






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18.10.13

Etiópia: terras e gentes (*)



A Etiópia é um país muito extenso e tem por isso regiões com características muito diferentes. Por exemplo, se uma parte do Sul é ocupada por savanas e uma outra por bosques, aquela por onde tenho andado – algumas centenas de quilómetros entre Bahir Dar e Gondar, e respectivos arredores, – é verde, totalmente verde e lindíssima, com montes e vales bem cultivados (claramente, o celeiro do país) e milhares de cabeças de gado a que não faltam excelentes pastos.

Tudo é muito pobre, as casas são absolutamente rudimentares, pessoas e animais inundam as estradas e andam grandes distâncias a pé. (Conta-se como piada que os etíopes ganham tantas medalhas em maratonas, e não só, porque, desde crianças, se habituam a correr quilómetros para chegar à escola.)

Embora a Etiópia seja praticamente autossuficiente em termos alimentares tendo de importar muito pouco, tem falta de quase tudo o resto em infraestruturas e tecnologia. E aí é que as coisas se complicam, não só por problemas políticos num país que é governado há vinte e dois anos praticamente em regime de partido único, com as inevitáveis consequências em termos de corrupção, como pelo facto de a moeda nacional ser tão fraca que tudo o que tem de vir do exterior tem um peso difícil de suportar (face ao euro ou ao dólar, tudo aqui é tão barato que os preços correntes mais parecem gorjetas…).

Em todo o caso, aparentemente vai-se progredindo um pouco (por exemplo através de um interessante sistema de cooperativas) e, ao contrário dos seus vizinhos da Eritreia e da Somália, é raro que etíopes fujam por esta África acima para se afogarem às portas da Europa. O futuro dirá como tudo isto vai evoluir. Mas não será nada fácil.








(*) Este post foi escrito no dia 17 mas o hotel em que estava tinha a internet «avariada»…
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Nilo Azul? (*)



Dia pesado depois de um acordar às 4 para apanhar um avião que me trouxe de Addis Abeba até ao grande Lago Tana, em Bahir Dar, com as suas 37 ilhas (na realidade, algumas são penínsulas), na maioria habitadas e onde podem ser vistas muits igrejas ortodoxas, tipicamente circulares. Visitei uma – Azwa Maria –, do século XIV, revestida do chão até ao tecto com belíssimas pinturas que, para além do efeito decorativo, tinham como função permitir a explicação de cenas bíblicas às populações analfabetas.

A tarde foi dedicada ao rio Nilo, «Nilo Azul» (tão azul como o Danúbio…) e às respectivas cataratas. Sem dúvidas de beleza indiscutível, mas que não sei se justificam o enorme esforço físico exigido para lá chegar, por longuíssimos caminhos cheios de lama e de pedregulhos. É o preço a ser pago pelas vantagens de se visitar um país (ainda?) não invadido por turismo de massas: caso contrário, as ditas cataratas seriam, com toda a certeza, muito facilmente acessíveis…









(*) Este post foi escrito no dia 15 mas, desde então, os hotéis onde estive tinham sempre a internet «avariada». 
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14.10.13

Uma enorme capital



Addis Abeba nada tem de muito especial como cidade, excepto dois bons museus, um Arqueológico e outro Etnográfico, é desorganizada como seria de esperar (com 3,1 milhões de habitantes dos 85 que o país tem). Ou por outra: tem algo que nem eu, nem pessoas com larga experiência de viagens, alguma vez tínhamos visto: um mercado gigantesco, absolutamente caótico, que tem nada menos do que 103 hectares e onde se vende tudo o que imaginar se possa. Indescritível!

Dependente da agricultura como a Etiópia é, terra onde «quem trabalha são as mulheres e os burros» (estes, utlizados para as mais variadas tarefas), depende cada vez mais de investimentos chineses e turcos, exporta algodão e têxteis, carnes de várias espécies animais e, evidentemente, café. Aliás, reza a lenda ou a história (nem sempre é fácil perceber-se em que plano se está exactamente) que foi aqui que o café foi descoberto. Como? Uma cabra ter-se-á mostrado tão excitada depois de comer repetidamente a respectiva planta que os donos decidiram seguir-lhe o exemplo, descobrindo assim as respectivas potencialidades.

Muito teria a contar mas estou sem tempo. Só mais uma pequena nota. A um etíope que me explicava hoje que, não tendo aderido ao calendário gregoriano, estão agora em 2005, disse-lhe que se preparassem para 2011 e seguintes. Julgo que não percebeu porquê.


13.10.13

No reino de Saba



Aterrei já há algum tempo em Addis Abeba, mas, praticamente, ainda só deu para perceber que o ritmo, que por aí nos parece normal, é afinal é mais ou menos frenético quando comparado o que se passa por estas bandas. As formalidades para sair do aeroporto passaram por várias fases e duraram quase duas horas, mas tudo bem: amanhã também é dia e já deu, entretanto, para ouvir falar da rainha de Saba, de não sei exactamente quem que seria tetraneto de Noé e da hipótese muito provável de que tenha sido mesmo aqui o tal berço da humanidade, que tantos reclamam.

Antes, foi uma dormida em terras de sua majestade Merkel, mais concretamente em Frankfurt. E se o aeroporto para mim tem poucos segredos, tantas foram as escalas que já lá fiz, ainda não foi desta que revi a cidade propriamente dita, onde só estive uma vez mas da qual guardo uma sensação inesquecível. Já há alguns anos, chegada de Pequim, na minha cabeça estavam ainda as ruas cheias de multidões, os milhares de bicicletas e automóveis, o movimento que não para durante vinte e quatro horas, quando aterrei em Frankfurt, numa tarde chuvosa de Novembro, e lá passei algumas horas. No centro da cidade tudo era cinzento, chuviscava, não se via rigorosamente ninguém, até um gato preto fugiu alucinadamente quando encarou alguns seres humanos. A sensação que tive foi que a Europa tinha acabado durante as duas semanas em que eu estivera na Ásia e que ninguém me tinha avisado.

Mas agora estou numa terra cheia de gente, é tarde e oiço muita música nas ruas, o roaming dos telefones não funciona, pelo menos hoje porque houve um desafio de futebol importante (???) e estou longe, longíssimo, de muita e muita coisa. O que é excelente! 
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