8.6.14

O emigrante trezentos mil e um



Na passada sexta-feira, Nicolau Santos publicou este excelente texto no Expresso diário, só acessível a alguns. Merece ficar aqui na íntegra. 

«Hoje é um dia histórico: depois de nos últimos três anos cerca de trezentos mil jovens e menos jovens terem emigrado, seguindo as sábias palavras do primeiro-ministro, para quem a emigração e o desemprego foram grandes oportunidades que se abriram no âmbito do processo de ajustamento que Pedro Passos Coelho tem conduzido também sabiamente, eis que hoje parte o emigrante trezentos mil e um.

Trata-se obviamente de um marco histórico, não só por ser ultrapassada a barreira histórica dos trezentos mil (a fazer lembrar outros trezentos que estão no nosso imaginário, como as lojas dos trezentos), como pelo emigrante que hoje parte. Trata-se não de um desempregado, mas de um cidadão empregado. E como muitos outros, é um cidadão altamente qualificado, que teve aliás a hombridade de reconhecer que o país tinha gasto muito dinheiro na sua formação, pelo que ele entendia colocar esse saber à disposição da Pátria.

Contudo, os tempos são difíceis, há filhas para criar, a carga fiscal é demasiado elevada no país (hoje também se celebra o dia da libertação fiscal, aquele em que estatisticamente, que não na realidade, deixamos de pagar impostos e na Europa só existem quatro países onde esse período acaba depois do nosso) e a reforma incerta, pelo que o cidadão em causa decidiu mesmo emigrar.

Vai, claro, ganhar mais do que ganhava no país, uns modestos 23 mil euros. O melhor, contudo, é que são 23 mil euros isentos de impostos, já que se trata de um cidadão não residente a trabalhar numa instituição internacional. E ao fim de três anos (está agora com 54) pode pedir a reforma antecipada, ou esperar até aos 65 para a receber por inteiro (70% do vencimento).

Convenhamos que é uma grande oportunidade e em vez do seu talento estiolar nos corredores bafientos da Pátria e ser remunerado mal e porcamente, não há como ir dar-lhe brilho na cosmopolita capital do país mais importante do mundo, onde se reconhece o valor de quem o tem e se paga em conformidade: muito, sem impostos e com reforma assegurada e ao abrigo de qualquer Governo que não respeita os contratos que faz com os cidadãos.

Estou certo, portanto, que todos os portugueses se associam ao voto que aqui faço de que o Prof. Vítor Gaspar tenha uma excelente viagem e que a sua passagem pelo departamento de assuntos orçamentais do FMI que vai chefiar seja coroada de enorme sucesso.

Infelizmente, admito que poucas pessoas estejam hoje no aeroporto a despedir-se do Prof. Vítor Gaspar. Mas avise-nos quando voltar. Se ainda estivermos vivos, depois dos cortes nos salários e no Estado social e do enorme aumento de impostos que se verificaram nos últimos três anos, teremos todo o gosto em ir dar-lhe as boas-vindas ao aeroporto da Portela. Temos a certeza que nos trará uma lembrança, nem que seja o estudo definitivo que nos colocará finalmente entre as economias mais prósperas do mundo (embora a vida dos cidadãos possa não acompanhar essa prosperidade).» 
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