23.6.14

Senhores e súbditos



«[O governo português], dócil e humildemente agradecido, remeteu-se ao silêncio habitual sobre as questões europeias, o que permite adivinhar que continuará a fazer tudo o que julga ter de ser feito em nome da mais estrita fidelidade ao Governo alemão. Será esta a triste e inelutável sina do Governo de um pequeno país que, justamente, acabou de sair daquele limbo da "soberania limitada" que tanto invocou ao longo destes últimos três anos para justificar, sempre à conta de terceiros, as políticas que promovia? (...)

Os governantes domésticos ignoram uma dimensão essencial da política democrática e do civismo republicano: a estratégia negocial, a capacidade de assumir o confronto mas também de saber contemporizar, a persistência nos objectivos sem comprometer a concertação das soluções necessárias, o diálogo entre pares. Apenas se reconhecem na velha rábula do "bom aluno da Europa" que nos conduziu à miséria presente e que postula uma clara antinomia entre a subserviência e a velhacaria, com os mais fortes, em contraponto à manipulação e à prepotência com os mais fracos. Submissos e discretos com os credores e os funcionários da troika mas ferozes com os cidadãos rebaixados à condição de meros súbditos. Nem conhecem outra forma de "fazer política", como por cá demonstra, com exuberância, o tipo de relacionamento cultivado com os parceiros sociais, os partidos e os próprios órgãos de soberania. A maquinação agressiva agora lançada contra o Tribunal Constitucional é o mais flagrante exemplo deste padrão de conduta estranho à cultura democrática e a um mínimo de sentido de Estado. Não se recorre ao tratamento insultuoso e à ameaça explícita que penosamente vimos testemunhando ao longo das últimas semanas, por força de meros "intuitos dilatórios". O desígnio prosseguido foi disfarçar os clamorosos fracassos da governação e responsabilizar o mensageiro pelas más notícias. Não importa que a independência dos tribunais se comprometa, que a democracia se degrade e que o povo sucumba... desde que o Governo se salve.»

Pedro Bacelar de Vasconcelos

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