13.6.14

Tempos de desmaio



António José Teixeira, no Expresso diário de ontem, volta ao tema do discurso de Cavaco e merece ser lido. Alguns excertos:

«Neste ano de 2014, conquistámos o direito a ter esperança.» Ouvi, li, reli e não gostei. As palavras de Cavaco Silva, proferidas no dia em que celebramos Portugal, repousam naquela ideia nunca assumida, mas sempre implícita, de que cumprimos um castigo pelos nossos pecados. Vivemos acima das possibilidade, abusámos. Logo, teríamos de expiar a nossa culpa. Três anos de punição, também chamados de ajustamento. Agora findos, poderemos então acreditar em melhores dias. Antes não. Esperança só depois do sacrifício. Durante o sacrifício até a esperança se veda. Só deste modo se tomaria consciência do tamanho da culpa. (...)

Dizer-se que conquistámos este ano o direito a ter esperança não é um reconhecimento de facto. É a ilusão de um êxito que tem pés de barro, apesar de todos os relógios e elogios oportunistas. O que temos pela frente não é muito diferente dos últimos anos. Credores e pacto orçamental não se cansam de o lembrar. (...)

Parados, espera-se crescimento e emprego. Aguarda-se por uma Europa pasmada, dividida, mesquinha, todos os dias empenhada em se apoucar, velha e nem por isso sábia, vergada ao peso da sua história e sempre tentada a não aprender com ela. (...)

Não se vislumbra qualquer compromisso com o País. Pelo contrário. As palavras de todos os dias são de desprezo pelos portugueses e pelas suas instituições. Não faltam exemplos dos de cima aos de baixo. Somamos crises à crise financeira e económica. Os de cima não percebem que já há pouco cimento a prendê-los aos de baixo. O regime abre brechas indisfarçáveis. A nomenclatura entretém-se em fogos de artifício. Especializa-se no tiro no pé. De vez em quando apela a consensos. Mas já nem ela acredita no que diz.

Retiraram-nos a esperança e agora querem iludir-nos com a conquista do direito a ter esperança. A esperança, dizia Borges, é um dever. Um dever árduo, permanente, mesmo que tantas vezes impossível. Importam-se de nos respeitar um pouco? Será que nos importamos em nos dar ao respeito?»
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