16.7.14

Quando se manifestava em cima de blindados



Não sei se estava tanto calor como hoje, em 16 de Julho de 1975, mas, politicamente, o ambiente era bem mais tórrido do que aquele que se concretiza agora em guerras de números de simpatizantes de alguns e de cisões e contracisões de outros. O povo está bem mais sereno (vá lá saber-se porquê e se para o bem) e quem disser o contrário que levante o braço.

O IV Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves, vivia na maior das efervescências o seu último mês, o PS já o abandonara há cinco dias e o PPD fez o mesmo precisamente na madrugada de 16 de Julho. Seguiram-se, no mesmo dia, João Cravinho e Jorge Sampaio, então independentes, que justificaram a decisão num longo documento de 14 páginas, em que concluíam que «a crise geral do sistema» resulta «de a burguesia se mostrar já incapaz de governar e de o proletariado não ser ainda capaz de o fazer». (Sorrisos inevitáveis, a 39 anos de distância...)

Mas o que marcou essa data, sobretudo para quem a viveu, foi uma «manifestação unitária pelo poder popular», que desfilou pelas ruas de Lisboa para exigir a «dissolução da Constituinte», «controlo operário» e a queda do Governo Provisório e a instalação de um Governo Popular. Convocada pelas comissões de trabalhadores e de moradores, contou com a adesão da UDP, CMLP, CRTSM, MES, ORPC (m-l), PRP-BR e AEPPA (Associação de Ex-Presos Políticos Antifascistas). Nada de especialmente novo, para os tempos que iam correndo, não fosse o facto de, pela primeira vez, terem participado centenas de militares fardados e com blindados, Dinis de Almeida incluído.

Noticiava o Diário de Lisboa do dia seguinte: «O traço dominante da manifestação de ontem foi a fusão, no mesmo corpo popular, de trabalhadores e soldados que durante larga parte do percurso ocuparam conjuntamente os veículos militares armados, numa demonstração pública sem precedentes do reforço da linha revolucionária no Exército e da compreensão da sua cada vez maior evolução para uma forma de braço armado do povo.»

O resto do Verão não arrefeceu e... acabou como é sabido.

(Fonte, entre outras) 
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