27.8.14

A natalidade que não temos



No Negócios de hoje, João Taborda da Gama fala de natalidade, mais exactamente de «Procriação fiscalmente assistida», e destaco este parágrafo porque há anos que defendo o que nele é dito: «A baixa fecundidade lusa não é coisa que me preocupe muito. No grande esquema das coisas, tanto valor tem uma criança nascida em Cantanhede como em Cantão, e não parece que a população do mundo, que não termina ali em Gibraltar nem nos Urais, esteja para acabar». Escrevi em tempos um texto em que imaginava o Alentejo desertificado cheio de famílias cambojanas e hei-de repescá-lo um dia.

Pretender aumentar a natalidade com medidas fiscais é não só ineficaz como absurdo, quando, simultaneamente, se constroem toda a espécie de muros para que só circulem nativos europeus ou candidatos a vistos gold. A Europa (e Portugal por tabela) já não é, e nunca mais será, terra de gente branca com olhos azuis. Se estes não se multiplicam... azar venham outros.

O texto de JTG merece ser lido na íntegra, mas pode só estar disponível um pouco mais tarde. Ficam alguns excertos.

«Há agora uma obsessão europeia com políticas de fomento natalista que incluem medidas fiscais. E Portugal está em último quanto a número de filhos – aliás, somos também o país com menor actividade física, e não parece que as coisas andem desligadas. (...)

Em matéria de família, cada uma sabe de si; já vi céus e infernos em famílias grandes e em famílias pequenas, em famílias com pai e mãe, só com pai, só com mãe, só com mães, só com pais. Liberalismo selvagem é a minha filosofia sobre natalidade. Quanto menos controlo, melhor. Desse, do Estado e da sociedade. O futuro a Deus pertence e quando estiver a morrer só me hei-de arrepender dos filhos que não tive e, enquanto cá estiver, gosto pouco que me digam que tenho filhos a mais ou a menos. Pratico em relação aos outros uma feroz abstinência proselitista natalista, e a última coisa que quero é o IRS a piscar-me o olho para ir ao sexto filho. (...)

Ter filhos por causa de um benefício fiscal é comprar uma casa no Algarve por causa da Nespresso de oferta, e o povo é mais esperto do que isso. (...)

Se o quociente familiar é uma medida de justiça fiscal que repõe a igualdade entre famílias grandes e pequenas, há ainda uma proposta que ajuda à tranquilidade de alguns lares: a possibilidade de declaração separada. O argumento para a declaração tributária separada é o de que havendo liberdade quanto a finanças conjugais separadas (o princípio "uma cama, duas contas"), não pode o Fisco impor um momento anual de intimidade conjugal patrimonial. Admito uma visão de conjugalidade ultrapassada e minoritária que passa pela partilha quer de contas bancárias, quer de wc (há agora a moda dos dois lavatórios), e sobretudo não compreendo o que pode levar um casal a querer preencher duas, e não uma, declarações de IRS. Mas também aqui é preciso afastar preconceitos pessoais. A possibilidade de declaração separada era necessária à luz do princípio da maior neutralidade possível da lei fiscal. Felizes esses lares onde a 31 de maio não haverá angústias ("Zé Manel, marcelopresidente2016 está-me a dar erro, e já só tenho uma tentativa. Qual era o raio da senha? – Tenta santana, deve dar, mas não juro") nem recriminações (mas deitaste fora os recibos todos da farmácia como, Maria?!?!").» 
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