30.9.14

Se fôssemos internacionalistas como a Mafalda...



A crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1:

«Já uma vez citei aqui Ramos Rosa, que me disse que, por vezes, a rádio o perturbava, porque as palavras o interpelavam. Também a mim, palavras ou frases lidas ou ouvidas se me impõem, tecendo estranhos laços, criando novos sentidos, perturbando os que pré-existiam... Assim foi, neste início de semana em que a Tecnoforma se mantinha nos noticiários, mas abundavam, sobretudo, as referências aos resultados da votação entre Costa e Seguro.

Primeiro foi um desenho de Mafalda, a contestatária: é o primeiro dia do ano, Mafalda senta-se na cama, plena de expectativa, pergunta: “A fome e a pobreza no Mundo acabaram?” Já levantada, uma outra pergunta: “As armas nucleares foram suprimidas?” Junto à mesa do pequeno almoço, pergunta ao pai: “SIM?” O pai responde, tartamudeando: “Bem, acho que não, filha!” E Mafalda, num imenso grito: “Então para que foi que a gente mudou de ano???”

Não, não é uma indirecta às primárias do PS. É, quando muito, um lamento directo por, quando se discutiu, nas televisões, frente a todos os portugueses, votantes ou não naquele Partido, o nome do candidato a primeiro-ministro, ter havido tão pouco de Mundo nas perguntas e respostas, fosse tudo tão português, tão pequenino, tão claustrofóbico.

E depois, leio no Público a citação de um Relatório da Organização Internacional para as Migrações: “Pelo menos oito pessoas morrem todos os dias ao tentarem encontrar refúgio e melhores condições de vida em países mais ricos, a maioria na travessia do Mediterrâneo entre o Norte de África e a Europa.”

Oito pessoas? É toda a família próxima de grande parte de nós. E o que pensam disso os candidatos a ministros, os ministros, as televisões que dedicam longas horas a notícias de futebol? Não consigo deixar de pensar que, se perdêssemos alguns minutos mais a pensar e a falar disso, se tivéssemos as preocupações internacionalistas da Mafalda, talvez precisássemos de menos drones e menos operações contra o terror.

Ou, talvez, apenas, se por cada programa sobre a bolsa houvesse um outro de poesia...»

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