26.10.14

Liberdade, igualdade e democracia


No Público de hoje, um texto de Francisco Teixeira, que ajuda a pensar sobre conceitos fundamentais: 

«A principal crise do nosso tempo é democrática. Claro que a crise económica potencia a crise democrática. Mas a crise democrática é a mais decisiva das nossas crises. A democracia ocidental estrutura-se essencialmente à volta de três eixos: o eixo da liberdade (de expressão e económica), da igualdade (do equilíbrio na distribuição dos rendimentos económicos e sociais, perante e lei e de dignidades pessoal e familiar) e da democracia em sentido estrito, i.e., no sentido em que os cidadãos legitimam, com as suas escolhas individuais e colectivas, quem governa. Ora, estes três eixos estão em grave risco, senão em desabamento. O impressionante é que uma parte substancial das elites político-económicas se recuse, por um lado, a encarar a evidência destas crises e, por outro, contribua activamente para o seu aprofundamento. (...)

A crise da democracia como crise de legitimidade das formas de governação manifesta-se na crise do sistema representativo de eleição. (...) A ideia de sermos governados por representantes e não directamente tem, no essencial, que ver com duas razões: com a ideia segundo a qual as decisões políticas exigem um certo tipo de mediação discursiva e técnica entre as vontades individuais dos representados e as decisões finais, para as quais os representantes e o seu enquadramento institucional estão especialmente preparados; com a quantidade e complexidade das decisões das sociedades contemporâneas, por definição incompatíveis com as possibilidades decisionais directas. (...)

Por sua vez, a crise da democracia tem directamente que ver com a crise da igualdade como valor fundamental. (...) Quanto mais a democracia deliberativa se rarefaz no regaço de uma oligarquia, mais a desigualdade social e económica se acentuam, através dos mais diversos meios, como seja acabando com os principais instrumentos de ascensão social como a escola pública, o acesso à universidade ou desequilibrando as relação de força entre os empresários e os trabalhadores.

Debilitadas a democracia e a igualdade, a liberdade encolhe necessariamente. Desde logo a liberdade de expressão. (...) A perda da liberdade de expressão manifesta-se também, e talvez fundamentalmente, pela despolitização dos âmbitos sociais públicos e privados, onde as racionalidades que exprimam as conflitualidades e as cisões sociais serão, são, deslegitimadas e, até, proibidas, por instabilizarem aquilo que é dado por politicamente correto, o mesmo é dizer, racional. (...)

Sim, a democracia, a igualdade e a liberdade estão em crise. E sim, há uma divisão entre a direita e a esquerda sobre a natureza destes desafios, que passa pelo reconhecimento da deliberação e participação cívicas, sociais e pessoais, percebendo a necessidade urgente da renovação da mediação e deliberação política institucional, recuperando e rejuvenescendo as velhas tradições republicanas da cidadania activa e das escolhas directas.» 
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1 comments:

Niet disse...

A enga. Joana Lopes não pára de nos desafiar. E muito bem. O textinho do desconhecido articulista do Público perturba. Afinal, o capitalismo pode assegurar o bem-estar e a beleza? Claro que não, como é evidente! Como diria Proudhon, um iconoclasta cada vez mais na moda em Madrid, New York, S. Francisco e Bankoque ou Hong-Kong: " O sufrágio universal é a contra-revolução"! Salut! Niet