26.3.15

Essa emigração não existe



«Foi um Presidente da República em campanha eleitoral por conta do Governo português, ou das forças políticas que o sustentam, que vimos em Paris. Um Presidente da República cujo optimismo é inversamente proporcional à situação dramática em que se encontra o país, um país que se despoja das suas forças vivas, das suas empresas estratégicas, dos seus serviços públicos. Um país que, ao mesmo tempo que aponta a porta de saída aos seus filhos, abre as pernas ao capital estrangeiro para que invista no que ele desinveste e gaba aos potenciais turistas o sol, o mar e a hospitalidade de um povo que põe de joelhos e/ou condena ao exílio. (...)

Também não me reconheço na emigração de que ele fala. A emigração do período 60-70 da qual sou oriunda e que a política politicamente correcta conveio apelidar, de forma caricata, de “emigração de sucesso”, focando-se em alguns casos e ignorando todos os outros, como o dos reformados (para não ir mais longe) que vivem abaixo do limiar da pobreza ou aqueles a quem a Santa Casa de Misericórdia de Paris proporciona um funeral condigno no espaço que reserva aos portugueses indigentes, no cemitério de Enghien-les-Bains.

Também não creio que se reconhecerão na emigração de que falou o Presidente os novos emigrantes, cuja corrente se intensificou durante os anos da troika e de que uma parte substancial desemboca quotidianamente em França, homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as qualificações, em busca da realização que o país não lhes proporcionou ou, muito simplesmente, e na maioria dos casos, numa dramática luta pela sobrevivência. (...)

Como é que esses novos emigrantes, a população estrangeira mais numerosa a chegar actualmente a França e a quem o jornalista Giv Anquetil consagrou a sua reportagem para o programa de France Inter do passado dia 14, Comme un bruit qui court, poderão acolher o discurso de um Presidente que diz aos emigrantes que Portugal é um país bom para investir, bom para os franceses se irem instalar, bom para irem passar férias (recordando que, no ano passado, um milhão de franceses visitou o país) e pedindo-lhes que sejam os embaixadores desse país, que o aconselhem aos vizinhos, aos colegas de trabalho, aos amigos? (...)

Não, esse país, não é o meu, nem essa emigração existe.»  

Cristina Semblano (docente de Economia Portuguesa na Sorbonne; autarca na região de Paris) 
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