21.3.15

Varoufakis, a esquerda e o caviar



«Deu brado a reportagem da Paris Match com o ministro grego das Finanças Yanis Varoufakis. (...) A maioria dos indignados (...) não pode aceitar que um homem que se diz de esquerda tenha uma boa casa, com vista para a Acrópole, e, imagine-se, beba vinho branco à refeição. Para a direita chouriço, embrutecida pelo reaccionarismo, a esquerda caviar, aquela que tem bom gosto, educação, cultura e aprecia os prazeres da vida, é uma afronta.

E porquê? Porque a direita chouriço considera que o povo, e ainda mais o povo de esquerda, deve viver na miséria, não ter dentes, contentar-se com pouco, ou nada. A felicidade é coisa para os muito ricos que a direita chouriço venera e protege custe o que custar. Se a esquerdalha começa a gostar das coisas boas onde é que isto vai parar? (...)

Este preconceito, como tantos, tem pouco a ver com a realidade. A esquerda organiza-se para defender os mais humildes e com menos poder, os descamisados, por imperativo de um pensamento e de uma visão elaborada do mundo. Mais liberdade, mais progresso, em resumo. Na origem das ideias de esquerda estão normalmente homens e mulheres com acesso à educação, algum bem-estar ou mesmo riqueza. Karl Marx nasceu numa família abastada de Trier. O seu parceiro de luta, Friedrich Engels, com quem escreveu o Manifesto Comunista, era rico por via da importante indústria têxtil familiar. O anarquista Mikhail Bakunin tinha ascendência nobre. O pai de Fidel Castro foi um emigrante galego que depressa se tornou num rico produtor de cana do açúcar. Álvaro Cunhal, para citar um comunista português, nasceu numa família da alta burguesia. Mário Soares sempre foi rico. Francisco Louçã nunca foi pobre. (...)

Qualquer sociedade que se preze deve ambicionar o enriquecimento colectivo, seja sob a forma de oportunidades para todos, seja de bem-estar e felicidade geral. A riqueza não é uma mera acumulação de dinheiro. A riqueza é aquilo que permite à espécie humana evoluir, desde o plano individual ao colectivo. Só a riqueza permite realizar as mais arrojadas ambições humanas. Curar todas as doenças, viver para sempre, conquistar o espaço, imaginar o impossível. Já para não falar de garantir condições de vida digna para todos. Por isso, da mesma forma que ser pobre não é sinónimo de ser de esquerda, ser rico não é sinónimo de ser de direita. Aliás, a esquerda é em si mesmo uma importante riqueza das nossas sociedades. Porque quer mudar o que está mal e se bate pelo bem colectivo. Porque é uma força de reforma, inovação e quando necessário de revolução. Porque tem sido, desde sempre, e só pode continuar a ser, o principal motor da melhoria da condição humana. Com ou sem caviar.»

Leonel Moura
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