30.9.15

Portugal invisível e o medo do abismo



«Esta campanha eleitoral desafia muitos padrões criados e a culpa é do sentimento mais poderoso presente na pré-campanha: o medo.

Nos estados totalitários o status quo é mantido através do medo das represálias, mas nas democracias o status quo também pode ser mantido através do medo. (...)

Por que é que quem chega a Portugal acha que o país se tornou invisível para fora? E por que é que isso nos interessa? Em primeiro lugar porque a narrativa estrangeira sobre Portugal é a de que hoje Portugal não é um problema na zona euro. Acima de tudo acha-se que não somos um país problema porque ninguém ouve falar de nós. (...)

À pergunta "e então não foi positivo os nossos problemas terem-se tornado invisíveis?" podemos responder que sim, certamente, permitiu comprar tempo mas resolveu pouco. (...)

Um quotidiano em emergência permanente equivaleu a deixarmos que o medo do abismo assentasse arraiais entre nós e que, posteriormente, a dúvida metódica sobre se não é melhor nada mudar, para que nada ponha em causa a invisibilidade dos problemas, germinasse em Portugal. (...)

O medo do abismo é certamente o que impede que nas sondagens desta campanha se entreveja a clara vitória de um partido ou de outro e, também, o facto de para muitos a opção correcta já não ser escolher um partido ou outro mas sim não ir votar.

Para sair deste clima de medo, implícito e transversal, precisaríamos que se cortasse com a instrumentalização eleitoral do medo, se falasse de verdade sobre os problemas "invisíveis" e sobre a necessidade de traçar as “fronteiras estruturais” que não serão jamais colocadas em causa, em particular, a dignidade do emprego dos jovens, o reforço da classe média e a dignidade dos reformados.

Se isso não acontecer nesta última semana de campanha então talvez as vozes que dizem que não vale a pena votar tenham efectivamente razão, pois quem quer que seja o próximo primeiro-ministro e forme governo estará prisioneiro do medo criado ao longo destes anos e dificilmente conseguirá desfazer-se dessa herança para que se deixe de "ganhar tempo" e passemos finalmente a "resolver problemas".»

Gustavo Cardoso

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