18.4.15

Eleições de 1975: um segredo bem guardado



Na Revista do Expresso de hoje, José Pedro Castanheira divulga «um segredo» guardado durante mais de 40 anos: em Dezembro de 1974, foi feito um inquérito a 6.629 pessoas, interrogadas, entre muitos outros temas, sobre o posicionamento quanto à realização de eleições e sobre escolhas que fariam nas primeiras a serem realizadas em liberdade. Os resultados terão sido decisivos para Costa Gomes manter a convocatória do acto eleitoral (que veio a realizar-se, como é sabido, em 25 de Abril de 1975, com uma participação de 91,7%) e revelaram-se praticamente iguais àqueles que se verificaram, na realidade, quatro meses mais tarde.

Num momento em que a possível expressão eleitoral dos diferentes partidos era uma enorme incógnita, a sondagem foi realizada, sem fins lucrativos, por uma empresa ligada ao grupo CUF e concretizou-se num extenso questionário com 33 perguntas feitas em entrevistas pessoais, sobre muitas questões fundamentais da vida do país. A 33ª pergunta era a seguinte: «Finalmente, para terminar, que partido gostaria que ganhasse as eleições?». Eis os resultados: 


Impressionante: as conclusões do estudo foram coligidos em 17 volumes de 500 páginas cada e nunca foram divulgados (aliás, a lei eleitoral proibia publicação de resultados de sondagens nos dois meses anteriores a sufrágios). Terá sido muito reduzido o número de pessoas, mesmo elementos do governo, que terão tido acesso ao documento e poucos exemplares restam do mesmo. Por exemplo, o coronel Costa Brás, que ocupava então a pasta da Administração Interna, responsável por montar toda a estrutura para o acto eleitoral, disse agora ao Expresso que nunca ouvira falar de tal coisa.

P.S. – Para quem tenha acesso ao jornal: vale muito a pena ter todo o texto, onde são apresentados resultados sobre muitos outros temas abordados no inquérito.
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Mariano Gago – em jeito de homenagem


... fica este excelente vídeo sobre o seu passado como activista estudantil, no IST, gravado num debate sobre os 40 anos do 25 de Abril:



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Dica (39)




«Ao salário médio das contratações actuais, 600 euros, são necessários 141 mil novos empregos para compensar o abatimento de 1% e 291 mil para compensar 2%.

Estão a ver o outdoor da coligação PSD-CDS: “vamos criar 300 mil novos empregos para pagar o défice que criámos na segurança social”?

(Nota, 13h: diz-me agora pessoa ligada à preparação desta medida que o objectivo é chegar a 8% de redução do pagamento patronal em TSU. Se as contas de Marco António Costa se aplicassem, então seria preciso criar mais de um milhão de novos empregos… para pagar o rombo na segurança social e evitar o agravamento do défice. Nada bate certo, pois não? Isto não será mesmo para um aumento colossal de impostos?)»
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A «cunha»



José Pacheco Pereira, no Público de hoje:

«Nos espólios que tenho organizado relativos ao século XX português há uma constante que os atravessa a todos, sejam de que natureza for, que é a presença maciça de “cunhas”. Literalmente milhares de “cunhas”, que aumentam quanto mais poderosas forem as funções daquele a quem se pede um favor. (...)

A origem das “cunhas” cobre todas as classes sociais e todas as áreas da sociedade. Há algumas “cunhas” que se percebem ter origem em pessoas muito “humildes” e há “cunhas” vindas de pares do destinatário e nalguns casos de seus superiores. Do mesmo modo, não há uma diferenciação significativa entre as “cunhas” de pessoas quase analfabetas, que lutam com a caligrafia para escrever uma simples carta, e professores universitários e intelectuais: todos exercem a activa tarefa de meter “cunhas”. (...)

Depois do que li nesses papéis, uns mais antigos e outros menos, coloquei-me a dúvida: será que nada mudou? E inclino-me para responder que não, pouca coisa mudou. A “cunha” continua a ser crucial na vida portuguesa, embora hoje tenha outros nomes e outra circulação. Mas a proximidade ao poder, a qualquer poder, continua a ser uma vantagem enorme na obtenção de vantagens injustas e no bloqueio ao mérito.

Os “facilitadores” vivem desse mundo e olhando para certas carreiras mesmo no topo do estado a pergunta é como é que chegaram lá. Como é que meia dúzia de pessoas sem qualquer carreira, saber académico, experiência de vida, trato do mundo, podem mandar nalguns casos mais do que um Primeiro-ministro ou um Presidente da República, ao deterem o controlo dos partidos?

A resposta é: meteram muitas “cunhas” e prestaram muitos serviços numa fase da vida, e facilitaram muitas “cunhas” noutra. São espertos e hábeis. Conhecem-se entre si e sabem melhor do que ninguém as regras do jogo. Uns sofisticaram-se, outros não, mas há “espaço” para todos. Mas o seu efeito na vida pública é baixar os níveis de qualidade, estiolar a competição política, controlar o seu território com mão de ferro, e gerar à sua volta um círculo de iguais. E pôr em risco a democracia.» 
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17.4.15

Ficámos sem nenhum



Mário Soares, 20.04.1975. 

(Expresso diário de hoje.)
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Não acertam uma!


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Camboja. Há 40 anos, o Khmer Vermelho



Foi no dia 17 de Abril de 1975 que a capital do Camboja, Phnom Penh, foi tomada pelo Khmer Vermelho . Seguiram-se quatro anos de terror, num processo brutal que tinha como objectivo a criação de uma sociedade comunista puramente agrária e do qual resultou um genocídio que eliminou 20 a 25% da população (cerca de dois milhões de pessoas, embora não haja números exactos). Uma das consequências absolutamente impressionante e visível, mesmo para o turista desprevenido, é que o Camboja é hoje um país quase sem velhos: a grande maioria dos que teriam actualmente cerca de 65 anos, ou mais, desapareceu.

Estive lá em 2009 e, por muitos ou poucos anos que ainda viva, nunca esquecerei um dos mais célebres killing fields, situado nos arredores de Phnom Pehn, onde se encontra o Museu do Genocídio de Tuol Sleng. Numa antiga escola transformada em prisão e nos terrenos que a rodeiam, terão sido torturadas e assassinadas cerca de 10.000 pessoas – homens, mulheres e muitas crianças –, como testemunham largas centenas de fotografias expostas em grandes painéis. É um museu muito simples, impressionante pobre, mas terrível.

Há muita literatura sobre este período negro de uma parte importante do sudoeste asiático, há um grande filme (The Killing Fields, Terra Sangrenta, em português) e muitos pequenos vídeos como estes, precisamente sobre o museu de Tuol Sleng.





A ler: um testemunho impressionante de Denise Affonço, filha de pai francês, de ascendência vagamente portuguesa, e de mãe vietnamita.

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Mas não foram só os killing Ffields que me impressionaram, como então escrevi: Do outro lado do mesmo mundo
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Ó Pátria sente-se a voz, dos teus egrégios avós

«Risco» ou nem por isso



«Normalmente, ninguém diz "vou saltar desta janela do trigésimo andar e é arriscado". Se não estou enganado, nunca ouvi ninguém dizer que existe risco de incêndio num prédio que está a arder de alto a baixo.

Risco presume que existe a possibilidade de sucesso ou não. Deitar dinheiro para um precipício só seria risco se houvesse a hipótese do eco nos devolver pelo menos metade. Não sendo assim, não é risco. É apenas suicídio financeiro. Neste caso, foi suicídio assistido, com Costa a fazer de médico e Tavares de enfermeiro.

Resumindo, se estava falido e, na prática, já não existia, não devia ser possível investir. Ninguém em sã consciência vai ao balcão do banco trocar euros por notas de monopólio. Se estas transacções ao balcão do ex-BES - hoje Novo Banco - fossem feitas num monte alentejano, com pessoas de idade, era crime e mandavam chamar a GNR. Como foram feitas ao balcão de um banco, por pessoas de fato e gravata - com o carimbo de pessoas com melhor fato e gravata - é risco.

Conclusão, considerar a venda de cocó ao balcão de um banco como um risco, e não uma aldrabice, é uma visão arriscada porque se a PSP tiver a mesma sagacidade que o regulador e o controlador do Mercado, corremos o risco de, um dia destes, não conseguirem evitar que entre uma pessoa de caçadeira no Novo Banco disposta a arriscar tudo por não ter nada a perder.»

João Quadros

16.4.15

«Até quando???»


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Túlipas, milhões de túlipas



Desde ontem que oiço falar das túlipas de Keukenhof. A segunda metade do mês de Abril é de milhões delas (e de muitas outras flores), parece que estão já na melhor fase de florescimento e eu não me importava mesmo nada de lá voltar agora, como fazia todos os anos, religiosamente, quando morava a pouco tempo de passeio.

Devia ser obrigatório ir pelo menos uma vez na vida a esse jardim absolutamente espectacular, de 32 hectares, a sudoeste de Amsterdão. Um festival único de cores que as fotografias não fazem mais que sugerir. Mas aqui ficam algumas. 


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Crítica de cinema



Ricardo Araújo Pereira, na Visão de hoje:

«Neste momento, o filme mais visto do ano, em Portugal, é Velocidade Furiosa 7. Acaba por ser uma homenagem póstuma bastante terna do povo português ao mestre Manoel de Oliveira, cuja ideia de cinema era permeada pela velocidade furiosa enquanto valor estético fundamental.

A segunda película mais vista do ano é As 50 Sombras de Gray, o que faz sentido: um filme é sobre sinistralidade rodoviária e outro é sobre violência doméstica – dois temas centrais na actualidade portuguesa. (...)

Deve registar-se que Hollywood parece estar a produzir cinema baseado nos temas da sociedade portuguesa, pelo que devem esperar-se para breve películas sobre incêndios florestais e greves nos transportes.»

Na íntegra AQUI
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Dica (38)




«A lot of people here in Greece who are also Not Satisfied with their unemployment and their Zero Income since the bailout austerity settled here destroying their lives and dignities.»
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A omelete de Draghi



«Lo bueno de tener a Mario Draghi, el banquero más poderoso de Europa, al frente del BCE es que sabes que no vas a tener a nadie peor. Puedes ponerte a rebuscar en un basurero radiactivo, sumergirte en las cloacas, bucear en Tele5, hacer un casting entre los contables de la Camorra, la Cosa Nostra y la tesorería del PP, y sería imposible caer más bajo.

Cierto general estadounidense, de cuyo nombre no quiero acordarme, dijo en una ocasión que, por desesperada que fuese una situación, siempre es susceptible de empeorar. Era porque no conocía a Draghi, el vicepresidente europeo de Goldman Sachs en los días de la gran estafa financiera conocida como crisis mundial; la filial europea de Goldman Sachs, la misma cueva de mercaderes que aconsejó a Kostas Karamanlis sobre el mejor método para ocultar el déficit real de la deuda griega, es decir, el artífice de la maniobra de trilero que torpedeó entero un país. Permitir que Draghi rija el destino del euro es colocar a Jack el Destripador de gerente en un salón de belleza. (...)

Nos habían prometido que, después de los recortes, los despidos y los sacrificios, veríamos la luz, pero la luz no aparece por ninguna parte. Va siendo hora de recordar aquella terrible anécdota de la que habla Zizek en su último libro (Mis chistes, mi filosofía) cuando el escritor turco Panait Istrati visitó la URSS en la época de las grandes purgas y un entusiasta soviético intentó convencerlo de la necesidad de la violencia mediante un viejo refrán: “No se puede hacer una tortilla sin romper los huevos”. “Muy bien” respondió Istrati. “Veo perfectamente los huevos rotos. Y ahora ¿dónde está la tortilla?”»

(Daqui.)

15.4.15

Para mais tarde recordar



... num Outono perto de si.
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Tiananmen, há 26 anos



Foi no dia 15 de Abril de 1989 que tiveram início os protestos na Praça Tiananmen, em Pequim, desencadeados pela morte de Hu Yaobang, ex-secretário geral do Partido Comunista Chinês, anteriormente afastado por defender a necessidade de uma liberalização a nível político.

Na véspera do seu funeral, concentraram-se na Praça cerca de 100.000 pessoas, de lá os protestos irradiaram para diversas ruas de Pequim e, mais tarde, contagiaram outras cidades chinesas. Foram-se repetindo até que, menos de dois meses mais tarde, aconteceu o que todos sabemos, mas alguns ainda tentam ignorar: no início de Junho, os tanques avançaram brutalmente sobre a mítica praça da capital chinesa e tudo acabou em tragédia.


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Protestos em voo picado

Do medo



«“La democracia tiene miedo de recordar y el lenguaje miedo de decir… Quien no tiene miedo al hambre, tiene miedo a la comida… Los que trabajan tienen miedo de perder el trabajo; los que no trabajan tienen miedo de no encontrar nunca trabajo….”

Comienzo hoy con estas palabras de Eduardo Galeano, quien se marchó dejándonos huérfanos el pasado lunes. (...)

Siempre hay peligro para los que lo temen, decía Bernard Shaw, y es cierto. Los ricos, y los políticos que defienden a los ricos, huelen el miedo. No les podemos dar esa ventaja, hay que actuar antes que nos muerdan. Más.

Acabemos con esos miedos que tan crudamente denunciaba Galeano. No dejemos hueco al “miedo a la puerta sin cerradura, al tiempo sin relojes, a la noche sin pastillas para dormir ni… al día sin pastillas para despertar”.»

(Daqui.)

14.4.15

O sobressalto feliz do encontro com um novo livro



Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1:

No tempo em que a Censura impedia a edição em Portugal de todos os autores considerados “subversivos” – leque vastíssimo, que podia englobar Diderot, Karl Marx, Jorge Amado, Simone de Beauvoir ou Mao Tsé Tung – era de França que nos chegavam as novidades literárias, as novas correntes de pensamento, a reflexão política. Como resumiu em tempos um jornalista português, “Ninguém, na nossa geração – hoje na casa dos 60, 70 – falaria da Doença Infantil do Comunismo – sempre lhe chamámos La maladie infantile du communisme.”

Muitos desses livros e revistas que procurávamos junto dos raros livreiros que os vendiam clandestinamente, ou encomendávamos a amigos que iam ao estrangeiro, tinham uma chancela: Éditions Maspero. As suas colecções davam-nos a conhecer o pensamento e a escrita de, entre muitos outros, Frantz Fanon, Althusser, Jacques Rancière, Régis Debray e até do angolano Mário Pinto de Andrade. Mas a França desconfiava, também, de escritores ditos subversivos e François Maspéro teve de enfrentar proibições, multas, prisão e suspensão dos direitos cívicos. Chegou a tentar suicidar-se. Amigos e escritores mobilizaram-se e conseguiram ajudá-lo a salvar a editora, mas não a sua livraria, La Joie de Lire, ponto obrigatório de peregrinação.para tantos portugueses que visitavam Paris.

As edições Maspéro desapareceram no início dos anos 80, François Maspero morreu este sábado – e embora hoje não precisemos de recorrer a livreiros cúmplices ou amigos viajantes para lermos as obras que nos interessam, a sua morte é uma porta mais que se fecha sobre o nosso passado de ansiosas leituras.

E que falta faz esse sobressalto feliz do encontro com um novo livro, um novo escritor, numa época em que – citando um texto já antigo de outro morto recente, o uruguaio Eduardo Galeano – é preciso resgatar a palavra, “usada e abusada com impunidade e frequência para impedir ou atraiçoar a comunicação”, em que se chama "democracia a vários regimes de terror, a palavra amor define a relação do homem com o seu automóvel, por revolução se entende o que um detergente pode fazer na sua cozinha, e felicidade é uma sensação que se tem ao comer salsichas.”

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Opções jornalísticas



Público de hoje: grande destaque na capa e cinco primeiras páginas dedicadas a Günter Grass, pequeno destaque e um pouco mais de meia página, lá para o fim do jornal, para Eduardo Galeano. Comentários para quê. Galeano teve a sorte de morrer ontem – terá dito certamente Aguiar Branco.

E quanto a François Maspero, deve soar a nome de jogador de futebol latino-americano. Teve apenas direito a notícia online, no obituário, e viva o velho! 
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A Igreja Ortodoxa da Grécia entra em cena?



A notícia tem uns dias, foi pouco divulgada e não sei que alcance prático poderá / poderia vir a ter.

Durante as festividades da Páscoa, o chefe da Igreja Ortodoxa da Grécia terá afirmado que esta está disposta a contribuir para a resolução dos problemas financeiros do país. Sabendo-se que se trata de uma poderosa instituição, que será a maior proprietária (a seguir ao Estado) de terrenos e de imobiliário importante, poderão as expectativas ser significativas?

A seguir.
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À procura da política



«Porque é que estamos a discutir as eleições presidenciais de 2016 em vez de discutir as eleições legislativas de 2015? Mais precisamente: porque é que estamos a discutir as presidenciais do ano que vem em vez de discutir a política que o Governo está a levar a cabo hoje e as alternativas que deviam ser postas em prática? (...)

A primeira razão para o interesse prematuro que as eleições presidenciais despertam consiste no facto de essa ser, neste momento, a única coisa política que existe para discutir. Não que não haja temas nem razões diárias para discutir política. O que escasseia são os litigantes nessa discussão, as propostas em cima da mesa e, mais ainda, a defesa firme de uma posição. Faltam ideias e faltam campeões dessas ideias. As arenas onde tudo isto devia acontecer estão quase vazias. O que falta é o PS a fazer oposição e a dizer claramente o que quer e a mostrar que quer algo muito diferente do que o Governo faz. O que falta é o resto da esquerda a mostrar que quer pôr em prática outra política e não apenas enunciá-la. A política tem horror ao vazio e os cidadãos também e, na falta das grandes batalhas exaltantes que devíamos estar a travar, escolhem as batalhas menores, qualquer coisa que lhes dê a sensação de estarem vivos. António Costa não percebe isto e decidiu fazer seu lema a triste boutade de Seguro: “Qual é a pressa?”. (...) Se as presidenciais entram na agenda do PS só depois das legislativas, se o programa de Governo do PS vai ser apresentado em Junho e se entretanto o PS vai para banhos deixando o campo aberto à propaganda do Governo, temos boas razões para nos interrogar se existe realmente um pensamento político alternativo no PS ou apenas um leve enfado por estar na oposição. (...)

Finalmente, há outra boa razão para falar de presidenciais. É que as presidenciais vão ser o momento onde nos veremos livres daquele espectro que assola a política e que nos envergonha tanto ou mais do que PPC. E isso, só por si, é uma boa notícia. E estamos precisados de boas notícias. Nem que seja só daqui a um ano.»

José Vítor Malheiros

13.4.15

Dica (37)




«A esquerda não pode deixar de ter o arrojo de aceitar que agora é a hora para juntar as forças que não perdem tempo a olhar para o centro e criar um pólo político que tenha grandeza suficiente para galvanizar, para dar esperança concreta, para mudar a corrente do jogo.» 
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Um pouco mais de Galeano



Janela para o espelho
Escorre o sol e leva os restos das sombras deixados pela noite.
As carroças puxadas por cavalos recolhem, de porta em porta, o lixo.
No ar, a aranha estende os seus fios de baba.
Parafuso caminha pelas ruas de Melo. Na aldeia, é tido por louco.
Leva um espelho na mão e vê-se nele com uma expressão fechada.
Não tira os olhos do espelho.
- O que está a fazer, Parafuso?
- Estou aqui, responde. A controlar o inimigo.
In As Palavras Andantes

Sistema/1
Os funcionários não funcionam. Os políticos falam mas não dizem. Os votantes votam mas não escolhem. Os meios de informação desinformam. Os centros de ensino ensinam a ignorar. Os juízes condenam as vítimas. Os militares estão em guerra contra os seus compatriotas. Os polícias não combatem os crimes, porque estão ocupados a cometê-los.
As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.
O dinheiro é mais livre que as pessoas. As pessoas estão ao serviço das coisas.
In O livro dos abraços



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La Joie de lire



Morreu François Maspero. Na memória de muitos ficarão umas tantas marcas, entre elas a de uma mítica livraria do Quartier Latin – «La Joie de lire» – que foi propriedade de Maspero durante 20 anos, até fechar portas em 1975.

Levante o braço quem andou por lá nos anos 60 e nunca «gamou» um livro. 
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Eduardo Galeano calou-se



Há dezenas de textos de e sobre Eduardo Galeano neste blogue, tão grande era a admiração que há muito por ele tinha e a força que as suas palavras me davam. Acaba de se saber que morreu esse grande uruguaiano que nasceu em Montevideu, em 3 de Setembro de 1940, que quis ser jogador de futebol mas acabou como escritor com mais de 40 livros publicados.

Andou a fugir de ditaduras. Em 1973 foi preso depois do golpe militar no seu país, exilou-se na Argentina, mas com o golpe militar de Jorge Videla, em 1976, viu o nome colocado na lista dos «esquadrões da morte» e partiu para Espanha. Só 9 anos mais tarde regressou à cidade que o viu nascer.

Ojalá seamos dignos de la desesperada esperanza.
Ojalá podamos ser capaces de seguir caminando los caminos del viento, a pesar de las caídas y las traiciones y las derrotas, porque la historia continúa, más allá de nosotros, y cuando ella dice adiós, está diciendo: hasta luego.
Ojalá podamos merecer que nos llamen locos, como han sido llamadas locas las Madres de Plaza de Mayo, por cometer la locura de negarnos a olvidar en los tiempos de la amnesia obligatoria.


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Para criar democracia social


O texto de Sandra Monteiro em Le Monde Diplomatique, (ed. portuguesa), Abril de 2015:

«Há 41 anos, as metas a cumprir eram outras. Democratizar, descolonizar e desenvolver tinham capacidade de mobilizar uma sociedade que, entre acesos debates e discordâncias, tomava essas metas como suas. Elas geravam, como todas as metas geram, constrangimentos de tempo e de espaço, mas estes eram vistos como criadores de liberdade e de uma vida melhor para a grande maioria. E foi assim que, depois de derrubada a ditadura a 25 de Abril de 1974, povo e Movimento das Forças Armadas (MFA) definiram o prazo de um ano para a definição das regras e dos mecanismos através dos quais, por sufrágio universal e directo (abrangendo os maiores de 18 anos, homens e mulheres, e também analfabetos e emigrantes), os cidadãos recenseados iriam eleger os seus representantes, candidatos da pluralidade partidária, à Assembleia Constituinte.

Assim foi. Exactamente um ano depois da Revolução, a 25 de Abril de 1975, foi eleita a Constituinte, de cujo trabalho, apoiado em imensa iniciativa popular, resultariam edifícios tão fundacionais para a democracia portuguesa como a Constituição de 1976 ou o poder local. Passados 40 anos da eleição da Assembleia Constituinte, abundam as metas que precarizam e destroem vidas (défices, dívidas, desestruturações, desorçamentações…). E as eleições, formalmente democráticas, fragilizam-se como instrumento político quando os eleitos vencem com promessas que nunca cumprirão, por escolha ou porque vários instrumentos políticos de soberania foram transferidos (ou capturados) e estão agora nas mãos das instituições da globalização comercial e financeira, das estruturas do pensamento único neoliberal. Para piorar a sensação de impotência e desalento, desta vez a fragmentação das esquerdas ocorre sem ter havido uma revolução, no quadro de uma hegemonia de décadas do projecto liberal.»

Continuar a ler AQUI
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12.4.15

Manifestar por holograma?


Um holograma em Madrid para protestar pelo direito a protestar.



«Aconteceu na sexta-feira à noite, em Madrid, frente ao edifício do Parlamento espanhol. Milhares de pessoas de todo o mundo — incluindo 400 portugueses, segundo a agência Lusa — participaram numa manifestação contra uma nova lei espanhola que restringe o direito à assembleia e ao protesto em espaços públicos. Parecia e soava como uma manifestação tradicional: os participantes desfilaram na rua; cartazes de protesto pairavam sobre o cortejo; ouviram-se palavras de ordem. Só que nenhuma dessas pessoas estava fisicamente presente no local; a sua imagem foi projectada por holograma.»

A iniciativa é interessante, e nem é inédita (já aconteceu em Nova Iorque), mas provoca-me mixed feelings. Não é isto um primeiro passo para que tudo passe para o mundo virtual? «Que se lixem as manifs, vivam os hologramas?» Será fácil pôr milhões de pessoas nas ruas... 
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Esta senhora faz hoje 82 anos



Montserrat Caballé nasceu num 12 de Abril – em 1933.

Para além de tudo o resto, o que nunca esquecerei: em 1988, gravou com Freddie Mercury o álbum Barcelona. Quatro anos depois, na abertura dos jogos olímpicos naquela cidade, já sem a presença do cantor, que morrera em 1991, interpretou a mítica canção, num impressionante dueto virtual, que viria a ser repetido em 1999, antes da final da UEFA Champions League.



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Dica (36)


Aproveitem o Verão! (Vasco Pulido Valente)

«Hirto e rígido, o dr. Cavaco, apesar de 20 anos de poder, nunca verdadeiramente percebeu o que era a política, como não percebe o enorme problema que a sua obstinação criou ao país. Basta pensar. A Constituição proíbe que a Assembleia da República seja dissolvida nos seis primeiros meses do seu mandato. Se as legislativas forem no fim de Setembro ou no princípio de Outubro, isto quer dizer que a nova Assembleia irá durar até, pelo menos, meados de Abril e, contando com o tempo para eleger outra, não existirá um governo em Portugal antes de Junho de 2016.

Compreendo que este pequeno pormenor não aflija de sobremaneira o dr. Cavaco, a partir de Janeiro oficialmente morto e a partir de Fevereiro instalado no admirável conforto do Algarve e da reforma.» 
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Que nem pirata



«Passos Coelho, com a sua pala ideológica, só consegue ver muito à direita e não enxerga nada do que transformou o Mundo depois da II Guerra Mundial. O seu Governo é o campeão do desvio de rendimentos do trabalho para o capital e da criação de mecanismos – onde se incluíram importantes alterações aos processos e condições da prestação e organização do trabalho – que, em nome do combate à dívida "pública", têm servido para transferir e concentrar riqueza. Não contente com a sua "obra", coloca ainda hoje a redução dos custos de trabalho como a grande questão para "conseguirmos ser mais atractivos para o investimento".

O desprezo pelo desenvolvimento conseguido na sociedade portuguesa, a obsessão ideológica, a negação da memória histórica e o atrevimento tão típico da ignorância, convergem na estruturação das receitas deste primeiro-ministro, que contribuiu significativamente para pôr em marcha um processo de retrocesso social e civilizacional no nosso país. (...)

Quanto mais precário e instável for o trabalho e mais baixa a exigência de qualificações dos trabalhadores; quanto mais reduzido for o nível de formação de patrões e gestores e estes tiverem de decidir em contexto de inseguranças e fragilidades, menos possibilidades teremos de nos tornar mais produtivos. Por outro lado, a efectividade dos direitos no trabalho e a existência de relações de poder equilibradas entre trabalhadores e patrões são determinantes para moldar a valorização que se atribui ao trabalho, para garantir emprego, e ainda para definir o sentido concreto do desenvolvimento económico, social, cultural e político de uma sociedade.

Já chega de chantagens e maldades sobre os trabalhadores. Precisamos, é certo, de melhorar o nível de gestão, mas talvez sejam mais perniciosas as "excepcionais" capacidades dos Zeinal Bava que actuam neste país do que as fragilidades e falta de motivação (que são reais) para inovar e aprender de muitos pequenos patrões, inseridos numa economia e sociedade tolhidos por uma austeridade sem sentido.

O tempo que vivemos sem dúvida exige aprendizagens no trabalho, desde logo aos gestores, mas também nos desafia a trabalhar outros rumos e compromissos de desenvolvimento e a encontrar governantes sérios e capazes.»

Manuel Carvalho da Silva