16.1.16

Derrota ideológica e vitória política



José Pacheco Pereira, num belo texto do Público de hoje:

«Uma coisa a esquerda deve compreender com toda a clareza: a direita venceu a batalha ideológica nos últimos anos. Mais: essa vitória tem profundas repercussões nos anos futuros e molda a opinião pública. É uma vitória muito perigosa e pegajosa, porque se coloca no terreno daquilo que os sociólogos chamam “background assumptions”, molda o nosso pensamento sem trazer assinatura, parece a “realidade” quando é uma construção ideológica. No entanto, convém não confundir duas coisas distintas, a ideologia e política. E a direita perdeu a batalha política, o que ajuda a ocultar a sua vitória ideológica. O problema é que a solidez da vitória ideológica é maior do que a solidez da vitória política. (…)

A verdade é que em termos ideológicos, e também em termos políticos, passámos do cinema para a lanterna mágica. Andámos para trás, e isso acontece mais vezes do que aquilo que se deseja. Com a experiência de um Tea Party à portuguesa, ficamos “liberais” à americana. Por isso, lá tive, a contragosto e moendo-me todo, que voltar a falar a linguagem paupérrima da dualidade esquerda-direita.

Este retorno ao dualismo esquerda-direita foi uma vitória do PP de Monteiro-Portas e do Bloco de Esquerda. A sua vítima foi o centro político e o antigo PSD reformista. Ver o PSD de Passos e seus amigos a aceitar com toda a naturalidade serem classificados de direita, foi uma ruptura clara e explícita com o PSD de Sá Carneiro. Do outro lado, o PS evitou cuidadosamente auto nomear-se de esquerda, como se a palavra tivesse sarna, já para não dizer que os diminuía face aos seus novos amigos da banca e dos negócios nos últimos anos. A “terceira via” foi o caminho. Renderam-se todos aos “mercados” como Deus ex machina da política e isso desarmou-os ideologicamente. Por isso, todo o espectro político está puxado à direita e, por reflexo, deixou apenas franjas na esquerda. (…)

Mais relevante para perceber o que se passou é ver como o programa social virou parte do centro e da direita para o radicalismo e puxou parte da esquerda para ocupar esse centro. Será que a esquerda não se interroga se muitas das medidas que hoje enuncia como sendo o supra-sumo da esquerda, como seja a reposição de salários e pensões, não são propriamente de esquerda, e só se tornaram de esquerda pela radicalização da direita? Muitas vezes pergunto se a maioria daquilo que hoje passa por ser um radicalismo da esquerda (e que a direita saliva ao ouvir) não é pouco mais do que moderadamente social-democrata ou democrata-cristão. (…)

A aceitação de que a classificação política dos outros seja feita pela direita radical, coisa que a ala direita do PS interiorizou completamente, é um dos aspectos dessa vitória ideológica. A direita mais radical interiorizou em muitos portugueses um modo de pensar, uma maneira de defrontar os problemas, uma forma de questionar, uma interpretação da vida social, da economia, do estado, que é de facção, mas que muitos aceitam sem questionar. (…)

Recoloquemos aí muito daquilo que é hoje uma falsa fractura ideológica, não porque isso seja um limbo ideológico, mas porque essa recolocação ajuda a limpar o terreno. Depois podemos partir para as fracturas ideológicas do passado, que conhecemos como de esquerda e direita e analisá-las e teremos algumas surpresas pela inversão de alguns papéis. E depois podemos voltar ao limbo inicial para ver se ele subsiste para além de um sistema de valores e se o podemos arrumar de outro modo, limpando-o da superioridade moral que acarreta o uso de valores em política. Para combater a ideologia da direita radical precisamos de algum retorno à moralidade, como os espanhóis compreenderam com as suas “marchas pela dignidade”, e depois então vamos à política pura e dura para nos desentendermos, a boa coisa do debate em democracia e liberdade.» 
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