13.2.16

Escravatura por dívida



De um texto de José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«A história conheceu e conhece muitas circunstâncias em que, por não pagamento de uma dívida, uma pessoa perdia a sua liberdade e ia preso ou, pior ainda, era reduzido a um estatuto de escravatura, temporária ou definitiva. Estas práticas existiam na Grécia antiga, com a sempre especial excepção de Atenas, onde Sólon as proibiu. E mais ou menos espalhadas continuaram na Índia praticamente até aos nossos dias, tendo conhecido formas variadas de trabalho forçado durante a expansão colonial europeia. Hoje, uma das formas modernas de escravatura por dívida é praticada pelos grupos mafiosos que exportam mão-de-obra e emigrantes para a Europa e América e mulheres para redes de prostituição, retirando-lhes os documentos, em nome da dívida que contraíram ou as suas famílias para "pagar" a viagem e a entrada ilegal nos países mais ricos. Estamos a falar, como é óbvio, de actividades criminosas, visto que a escravatura é um crime.

Ah!, afinal não é bem assim. Se se tratar de um Estado soberano que tenha uma grande dívida, por exemplo, Portugal, este pode ser obrigado, sob pena de morrer à fome ou de uma qualquer forma de intervenção estrangeira mais ou menos agressiva que o transforme num pária, como aconteceu na Grécia, a aceitar uma qualquer forma de escravatura por dívida. (…)

O problema não é de "desconfiança", é de hostilidade [ao governo Costa] — ele não é dos nossos, não é o que foi Passos Coelho, logo, vamos ensiná-lo como fizemos aos gregos. Com os resultados brilhantes que se vêem na Grécia.

O contentamento mal escondido da direita radical com as dificuldades do Governo Costa coloca-a com entusiasmo ao lado da vozearia que vem de Bruxelas e Berlim, alguma de uma arrogância que devia ofender já não digo um patriota, mas um português que gosta do seu país. Responsáveis do Eurogrupo, altos funcionários sob a capa das fugas anónimas, antigos e actuais ministros das Finanças europeus, holandeses, bálticos, alemães, dão entrevistas pronunciando-se sobre um governo legítimo da União Europeia com uma desenvoltura que nunca tiveram com os responsáveis políticos húngaros e polacos cujas malfeitorias em direitos e liberdades são-lhes bastante menos importantes do que uma décima no défice português. E quando alguém acha que todas estas vozes, falando também para as agências de rating e para os "mercados", são demais, eles encolhem os ombros e dizem que um país em bancarrota é escravo da dívida.

Não, não é só isso — é que eles gostam do que ouvem, pena é que Schäuble não fale mais vezes para varrer este Governo do Syriza português, mais o PCP e o BE. Pensam acaso que eles estão muito preocupados com a dívida? Enganam--se. Tanto mais que a aumentaram consideravelmente quando estiveram no poder e que em segredo sussurram que "no fim de tudo tem de haver uma reestruturação da dívida". Não é a dívida que os preocupa, é o poder político deles e dos seus e a prossecução de uma política que faça recair sobre uma parte dos portugueses, aqueles a que se tornou maldito restituir salários e pensões, o ónus do défice e da dívida e, acima de tudo, que o alvo desses custos não sejam outros. A escravatura do país é para eles bem-vinda, ajuda-os a manter o poder, "porque não há alternativa". Conheço vários exemplos na história destes "não há alternativa" e nenhum acabou bem.» 
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