17.2.16

Ícaro e a TAP



«Preso, junto do filho, no labirinto do Minotauro, Dédalo construiu umas asas artificiais com penas de gaivota e mel. Assim poderia fugir. Mas alertou o filho para que não voasse perto do Sol, porque de outra forma a cera derreteria.

Mas Ícaro não ouviu: queria ver o Sol de muito perto e acabou por cair no mar. A TAP já conseguiu várias vezes evitar ter o fim de Ícaro, mas continua perdida num labirinto. Os últimos dias mostram a fragilidade de todas as opções tomadas nos últimos tempos. Porque não há um qualquer consenso nacional sobre uma empresa que foi simbólica da presença portuguesa no mundo e que era, como foram outrora a PT, a Cimpor ou a EDP, locomotiva de internacionalização que, atrás de si, poderia criar uma teia de interesses nacionais. Tudo isso se perdeu, entre erros estratégicos, negócios particulares e liberalismos radicais.

Não admira que Rui Moreira, defendendo (e bem) os interesses do Porto, clame contra o desinvestimento da TAP nas ligações internacionais directas da segunda cidade portuguesa. Mas, na sua denúncia, ele coloca o dedo na ferida: ao privatizar-se a TAP ela deixou de ser um instrumento de qualquer política estratégica do Estado ou do país. Portanto, das duas, uma: ou a TAP é pública e serve os interesses do país (e tem de se assumir os custos financeiros disso), ou privatiza-se e deixa de se poder reivindicar a acção do Governo. Para mais quando as privatizações têm levado as grandes empresas para fora do capital nacional, o que limita qualquer acção concertada entre o Estado e essas empresas.

É por isso que a forma como se destruiu o BES foi uma catástrofe nacional. Quando hoje se vê Passos Coelho e Paulo Portas a clamar contra a entrada de capital chinês na TAP (é melhor nem lembrarmos as privatizações direccionadas para o capital chinês feitas pelo anterior Governo…), só apetece sufocar o divertimento. Sabia-se qual era o jogo de David Neeleman, no âmbito da Azul. Por isso ninguém pode dizer que está surpreendido. Ícaro faz parte da mitologia grega. A TAP é um mito tipicamente português.»

Fernando Sobral

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