9.4.16

Offshores: não é uma questão fiscal, é uma questão de democracia



Excertos do texto de José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Os offshores são, antes de tudo, do crime, da lavagem de dinheiro, da fuga ao fisco, uma questão que significa para as democracias a perda de um princípio básico — o de que o poder político legitimado pelo voto e pelo primado da lei se sobrepõe ao poder económico. Por isso, tratar a questão dos offshores apenas como sendo de natureza fiscal e andar às voltas por aí é já um mau ponto de partida.

A questão que muitas vezes é iludida é que não existe uma única razão económica sólida para que hajam offshores. Para que é que eles servem para a economia, para a produção, para o emprego, para a indústria, para o comércio, para o investimento limpo? Nada. Tudo aquilo para que os offshores servem é para esconder dinheiro e os seus proprietários, para esconder a origem do dinheiro, através de um conjunto de fachadas anónimas que depois vão desaguar aos grandes bancos sediados na Suíça ou em Londres.

O que os políticos europeus dizem, quando confrontados com esta realidade, ou com os escândalos periódicos, como o actual com os documentos da Mossack Fonseca, é que não podem fazer nada e que o que podem fazer fazem. (…)

Podem fazer alguma coisa? Podem fazer tudo. Repito: podem fazer tudo. E acrescento: mas não querem. Podem fazer tudo, mas não querem — esta é a frase que melhor resume o “problema para a democracia”. (…)

A solução da questão dos offshores é simples, se tivermos vontade para a aplicar. E desconfiem de quem venha com muitas complexidades e complicações, é sempre mau sinal. Insisto, não é muito complicado: trata-se de comparar o dinheiro dos offshores com o dinheiro dos terroristas. Um rouba, em grande escala, Estados e povos, o outro mata. Um mata à fome em África, outro nas ruas de Paris ou em Nova Iorque. Um destrói economias, poupanças, classes médias criadas com muitos anos e esforços para progredir, outro escraviza povos e reduz a ruínas países já muito pobres. É uma comparação que admito ser excessiva, mas, se partirmos dela, talvez possamos compreender (ou não) por que razão aquilo que se admite em termos de recursos de investigação, penalizações duríssimas, confisco de bens do crime ou da droga, ou da corrupção ou da fuga ao fisco, e se aplica ao dinheiro do terrorismo, se pode aplicar ao dinheiro ilegal dos offshores. Ah! Já estou a ouvir em fundo: “Mas muito desse dinheiro é legal.” Ai é? Então, qual é o motivo por que em vez de estar inshore vai para os offshores?

Deixem-se por isso de falsos espantos e falsas surpresas. Tudo o que está nos “Documentos do Panamá” não é novidade para ninguém. Como não é novidade para ninguém o discurso de “não se pode fazer nada”. Mas, se queremos salvar a democracia no século XXI, o problema do dinheiro anónimo, escondido, fugido e protegido algures numa caixa de correio humilde de uma casa nas Ilhas Caimão, ou num cacifo acolchoado de um luxuoso escritório de advogados no Panamá é objectivamente mais dissolvente do que os tiros de uma Kalashnikov nas ruas de Bruxelas. Faz-nos pior, porque os tiros são-nos exteriores, são do “inimigo”, e os biliões das Ilhas Virgens são de dentro, dos “amigos”.» 
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