19.4.16

Regresso ao passado no país do futuro

«Com Dilma a um pequeno passo de ser afastada do poder, é difícil detectar uma vírgula de legitimidade no sucessor, Michel Temer. Com uma presidente afastada após ter recebido o mandato de 54 milhões de cidadãos há apenas um ano e meio, custa perceber como poderá ser substituída por um político que 90% dos brasileiros rejeitam e que, se fosse a eleições, obteria apenas 1 a 2% dos votos. Quando carece de legitimidade, a democracia é um tigre de papel. (…)

Ao contrário do impeachment do presidente Collor de Mello, desta vez não há a fé numa redenção da democracia brasileira porque Dilma não está acusada de corrupção nem o vice que se prepara para a substituir, Michel Temer, se compara ao estatuto moral de Itamar Franco. Dessa vez, o afastamento de Collor pôde ser usado como prova de que a democracia era capaz de sarar as suas pústulas. E a verdade é que, desde então, os governos de Fernando Henrique Cardoso, de Lula e o primeiro mandato de Dilma foram capazes de criar duas décadas de estabilidade política, de crescimento económico e de progresso social. A ruína dessa base de consenso mínimo que permitiu ao Brasil deixar de ser o eterno país do futuro para se realizar num presente com esperança é o maior dano colateral da degradante classe política que gravita no planalto central do país. (…)

Para evitar os riscos do pesadelo de um governo Temer, só parece haver uma solução possível: fazer o reset da crispação política remetendo a solução para a única fonte de soberania inatacável nas democracias, o voto popular. Para o conseguir, haveria necessidade de o Congresso aprovar uma emenda constitucional que permitisse a antecipação das eleições. Os inquéritos de opinião mostram sem margem para equívocos que Dilma, Temer ou Cunha são todos faces da mesma moeda sem crédito nem valor. Todos deviam afastar-se para que o Brasil pudesse respirar. Mas, nem Dilma nem Temer parecem dispostos a resignar. Falta-lhes grandeza e empenho no bem comum. É pena. (…)

Quando carece de legitimidade, a democracia é um tigre de papel. O Brasil vive esse drama, no qual há espaço para todos os atropelos, todas as venalidades e todos os perigos. Perdida no ódio e na irracionalidade, a política brasileira precisava de líderes tolerantes e capazes de amarrar as pontas em torno do interesse nacional. Infelizmente, porém, o país não tem hoje homens da craveira de Ulysses Guimarães ou de Tancredo Neves. Entre o PT enraivecido, desesperado pelo seu falhanço e minado pelas denúncias da Lava-Jacto e um novo bloco enlameado pela corrupção e pelas sequelas da “insurreição dos hipócritas" (a votação do impeachment na leitura da revista alemã Der Spiegel) que lhes abriu as portas do poder, não há muita razão para que sobre o optimismo. Hora de fazer uma pausa e esperar que o Brasil não regresse ao pesadelo que o persegue: o de ser o país de um futuro sempre adiado.»

Manuel Carvalho

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