23.7.16

A Europa vista pelo Presidente da República – (1) O lado de fora



José Pacheco Pereira no Público de 23.07.2016:

«O Presidente da República fez esta semana uma ambígua intervenção sobre o modo como a Europa está, e uma má intervenção sobre os instrumentos políticos ao dispor dos cidadãos para alterar o que ele próprio admite estar mal, estar mesmo muito mal. (…)

A intervenção do Presidente é uma intervenção assente no voluntarismo político, do género “a Europa será o que quisermos”, mas na verdade no elenco das coisas que podemos “querer”, só podemos querer exactamente do mesmo que explica porque é que a Europa está como está. É este o aspecto central da ambiguidade da sua intervenção.

Marcelo não esconde os problemas, enumera-os muitas vezes de forma correcta, mas evita discutir as suas causas, em particular quando essas causas estão presentes, direi mais, omnipresentes, naquilo que a Europa hoje é. Não é um problema nem de pessoas, nem de lideranças, mas de políticas e essas políticas estão a destruir a União e a torna-la numa coisa perigosa, instável e perversa. E como se passa em todas as políticas assentes no poder, elas desejam garantir não ser postas em causa e o discurso de Marcelo aceita as baías desse poder. Pode-se dizer que o faz por realismo ou por ter medo do mal maior ou por não ver alternativa? Talvez, mas este tipo de atitudes “realistas” acaba sempre mal. Basta olhar em volta para ver como já está a acabar mal: nunca a Europa esteve tão longe dos cidadãos, os refugiados lembram-na das suas irresponsabilidades, os sistemas políticos desagregam-se, a democracia está a ser sugada por um centro de poder, e o “Brexit”, com a sua “surpresa”, mostra o ascenso, à direita e à esquerda, de forças que contestam esta Europa, nuns casos bem, noutros com o uso do populismo e da xenofobia. Os voluntaristas como Marcelo, não podem queixar-se do que está a acontecer, porque são consequência de políticas que apoiaram e apoiam, e que estão a destruir o projecto europeu. O seu “realismo” actual mantem o statu quo.

Não tenho dúvidas que precisamos de uma Europa que seja, como foi no passado, “uma realidade de paz, progresso e equilíbrio mundial e interno”, mas hoje não se pode dizer que o seja e quando se acrescenta que ela é “insubstituível” está-se a falar de uma atitude atentista que só ajuda a manter tudo o que está mal. (…)

Têm estes desastres europeus uma razão? Têm - o abandono da política fundadora de homens como Jean Monnet que conheciam bem demais a Europa para saber que as questões de política externa deviam resultar de uma longo processo de integração sem pressa. (…) Numa aceleração irresponsável, em parte por iniciativa francesa, o monstro de pés de barro resolveu experimentar os pés de barro para competir, à de Gaulle e Chirac, com os americanos. Daí resultou uma nova burocracia europeia, o Serviço Externo, uma das coisas que a Europa faz bem e depressa, uma indústria de armamentos à procura de mercados, que usa indevidamente o nome de “defesa” europeia e… os sucessivos desastres.

Voltaremos ao discurso presidencial, agora para a parte de dentro.» 
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