13.7.16

A grande mentira da guerra



«A "ameaça" das "armas de destruição maciça" revelou-se uma ilusão. Saddam era o alvo. O petróleo, a jóia desejada. E o resto serviu apenas como menu para uma guerra devastadora.

O Iraque continua a ser uma terra de ninguém. Em poucos dias, dois acontecimentos recordaram o apocalipse que se abateu sobre um dos berços da civilização: o atentado do Daesh junto a uma geladaria na zona de Karrada, no centro de Bagdade, que fulminou cerca de 250 vidas inocentes, mostrando que a violência dos terroristas já não respeita qualquer fé ou limite moral; e a divulgação do relatório Chilcot, onde muitos políticos envolvidos na invasão do Iraque (e no derrube de Saddam Hussein) saem chamuscados, a começar por Tony Blair. Do relatório percebe-se a conexão entre as causas e os efeitos. E, sobretudo, a montanha de mentiras que forjou uma invasão cujos efeitos (nomeadamente o terrorismo do Daesh) estamos a sentir agora na máxima força. E que sentiremos nos próximos anos.

O relatório é claro: o Governo britânico de Blair exagerou os dados e manipulou-os e decidiu-se pela acção militar ao lado de George W. Bush. Não estava claramente para a invasão e para a ocupação e gestão do Iraque pós-Saddam. Treze anos de caos e violência foram o resultado. Basta olhar para o Iraque de hoje: é um país dividido religiosamente, com um Governo incapaz de gerir o país, com um exército deficiente e uma administração ineficiente (que os ocupantes americanos e ingleses ceifaram, julgando que todos os funcionários eram adeptos de Saddam), com uma violência mortal diária e parte do país ocupado pelo Daesh ou sob controlo curdo. A "ameaça" das "armas de destruição maciça" revelou-se uma ilusão. Saddam era o alvo. O petróleo, a jóia desejada. E o resto serviu apenas como menu para uma guerra devastadora e para um encontro nas Lajes sob os auspícios de Durão Barroso.

A montanha de mentiras, encenada por Blair e pelos seus aliados, alimentou a criação de uma violência sem limites. Há um exemplo claro: um bandido secundário, al-Zarqawi, foi declarado por Colin Powell, no seu discurso pré-guerra na ONU, como um terrorista aliado de Saddam. Era falso. Só que isso levou a que fosse promovido rapidamente dentro da Al-Qaeda e se tornasse o líder da insurgência sunita no Iraque. Ele acabaria por estar no núcleo inicial do Daesh, pelos seus requintes violentos, inspirando matanças em diversos países. O relatório Chilcot (que serve agora apenas para acalmar as consciências face às trágicas decisões de então) não fala muito das consequências: o sofrimento do povo iraquiano surge apenas em notas de rodapé. E é disso que muitos se continuam a esquecer no grande jogo do poder, da energia e da guerra.»

Fernando Sobral

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