23.4.16

Colégio Militar: um grande testemunho muito corajoso




«Hoje acredito que este código homofóbico no colégio me roubou uma adolescência igual à dos outros. Os colegas podiam apaixonar-se sem ser em segredo, sem pensar que havia neles havia algo de errado. Eu não. Só assumi a minha homossexualidade aos 20 anos para os amigos e a família. Hoje vivo na Austrália e quero contar a minha história porque acredito que a instituição militar deve mudar. Não odeio o colégio. Eu amo o colégio e é por isso que defendo que a instituição tem de aceitar e proteger os seus alunos homossexuais. Não é com proibições e exclusões que o Colégio Militar deve responder aos alunos. Deve sim aceitá-los e integrá-los.» 
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Chega a todos


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23.04.1936 – Tarrafal, 80 anos




A Colónia Penal do Tarrafal foi criada pelo Governo de Salazar ao abrigo do Decreto-Lei n.º 26. 539, de 23 de Abril de 1936.

Seis meses depois, em 18 de Outubro, os primeiros presos saíram de Lisboa, no paquete Luanda, com destino ao que viria a ser o «Campo da Morte Lenta», na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Aquele navio era normalmente usado para transporte de gado proveniente das colónias e os porões utilizados para esse efeito foram transformados em camaratas. Depois de uma escala no Funchal e de uma outra em Angra do Heroísmo, para recolher mais alguns detidos e / ou largar os menos perigosos, e no fim de uma viagem em condições degradantes, foram 152 os que desembarcaram, no dia 29, em fila indiana, antes de percorrerem os 2,5 quilómetros que os separavam do destino final.

Edmundo Pedro é hoje o último sobrevivente deste primeiro grupo que construiu e viveu (durante nove anos, no seu caso) neste campo de concentração. No primeiro volume das suas Memórias, dedica longas páginas à descrição do que foi essa terrível viagem que durou onze dias. (*) O início e o fim:

«E na noite de 18 de Outubro, de madrugada, reuniram-nos em camionetes da GNR. Estas dirigiram-se para o cais de embarque, em Alcântara... No caminho, apesar das ameaças dos soldados, demos largas ao nosso protesto. O nosso vibrante grito de revolta ecoou, ao longo de todo o percurso, nas ruas, desertas, daquela madrugada lisboeta. Cantámos, a plenos pulmões, todas as canções do nosso vasto cancioneiro revolucionário... (...) A 29 de Outubro de 1936, onze dias depois de termos partido de Lisboa, o velho Luanda fundeou, ao princípio da tarde, na pequena e aprazível baía do Tarrafal. Pouco depois, começou a descarregar a "mercadoria" que transportava nos seus porões... Alguns prisioneiros tinham chegado a um tal estado de fraqueza que só puderam abandonar o barco apoiados nos seus camaradas...»

Depois, foi o que se sabe: histórias de terror, 32 pessoas por lá morreram e o Campo durou até 1954. Foi reactivado em 1961, quando começou a Guerra Colonial, como «Campo de Trabalho do Chão Bom», para receber prisioneiros oriundos das colónias portuguesas (o ministro do Ultramar era então Adriano Moreira e foi ele que assinou a respectiva portaria). Durou até 1974.

(*) Edmundo Pedro, Memórias, Um Combate pela Liberdade, Âncora Editora, 2007, pp. 350-359. 
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Ângelo Correia e os Papéis do Panamá




Aviso à Navegação: eu também não me lembro se assinei algum papelito quando andava na Classe Infantil, no Maputo, e se isso me vai fazer aparecer nos Panama Papers. 
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Dica (277)



Velhos problemas no Novo Banco. (Mariana Mortágua) 

«Agora que o mal está feito, e que o Novo Banco nos lembra um filme que já vimos, só nos restam duas opções. Pagar para vender ou pagar para mandar.» 
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O realismo e o défice mágico




«Quando escreveu "Cem Anos de Solidão", Gabriel García Márquez estabeleceu as traves-mestras do realismo mágico. A fantasia tornou-se algo comum e mistificava a realidade.

Portugal parece viver, neste momento, num labirinto típico de Jorge Luís Borges, onde realidade e ficção fazem parte do dia-a-dia. E temos cada vez mais dificuldades em separá-las.

Tomemos o exemplo que é o Programa de Estabilidade que o Conselho de Ministros terá aprovado e onde há a secreta esperança de conseguir que um dia o défice chegue a zero. Coisa impossível de realizar tendo em consideração a estrutura económica portuguesa e fazermos parte desse edifício de artifícios que é o euro. Bruxelas acha que isso será possível e por isso vai exigindo "reformas", salários mínimos baixos, reestruturações da banca e outras coisas que não resolvem o essencial: numa Europa com diferentes graus de desenvolvimento, uma moeda única estilhaça em vez de unificar. Na Europa todos falham o défice: mesmo aqueles que não sabem o que é o realismo mágico de García Márquez.

Estamos claramente no nível da ficção: o Governo faz uma redacção que possa agradar a Bruxelas, esta fará cara feia, depois exigirá mais reformas e planos B e, no fim, como no futebol, são capazes de ganhar os alemães.V No seu admirável livro "Payback" (agora editado em Portugal com o título "Desforra"), Margaret Atwood discorreu sobre o tema da dívida, o assunto que hoje em dia nos deixa arrepiados. E escreveu: "No Céu não há dívidas - estão todas pagas, de uma forma ou de outra -; no Inferno, porém, não há nada senão dívidas, e é cobrada uma enorme quantidade de pagamentos, embora nunca possa ser tudo pago. Tem de se pagar, pagar e continuar a pagar. Dessa forma, o Inferno é como um cartão de crédito infernal maximizado, que multiplica interminavelmente os encargos." (…) Viver da dívida é fácil. Criar riqueza é mais difícil. Viver com um cartão de crédito ilimitado é um desporto de quem tem posses.

O realismo mágico onde todos continuamos a caminhar, como se fosse possível agradar a gregos e a troianos (dentro do espírito da burocracia de Bruxelas), é um caminho cada vez mais estreito. Mesmo com Programas de Estabilidade, Planos Nacionais de Reformas e Reformas do Estado. Papéis que um dia ficarão molhados pela chuva. E ilegíveis.»

Fernando Sobral

22.4.16

Isto é mesmo uma aldeia



… onde somos todos primos e primas.

Expresso diário, 22.04.2016.

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E foi para isto que Afonso Henriques andou a bater em tanta gente

Mulheres e revolução



«Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui nos cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupas a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.»

Maria Velho da Costa, Cravo, Moraes Editores, 1976
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Irresistível



«Controle-se, professor! Olhe que sou uma mulher comprometida!» 

(Via Yronikamente, no Facebook)
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Há grandes homens



… e depois há os outros.


«Não é um problema de um partido. É um problema do Brasil. Seja qual for o desfecho da crise, nosso país precisa passar um processo de pacificação. Sem isso, não encontraremos saída — disse o ex-presidente uruguaio, atribuindo o uso do pronome pessoal por ter a América Latina como pátria e, por isso, também se sentir brasileiro.» 
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Pior do que 'tá fica




«Depois de ter visto em directo o espectáculo da votação do "impeachment" na Câmara dos Deputados fiquei com a sensação que a corrupção é bem capaz de ser um problema menor.

Olhando para os deputados que representam a enorme nação brasileira, começa o meu espanto porque não sabia que havia tão poucos negros no Brasil e tão poucas mulheres. Na Câmara dos Deputados ainda há menos negros do que nas novelas da Globo e muito menos mulheres jeitosas. Uma pessoa olha para aquele Parlamento, num país como o Brasil, não há negros, quase não há mulheres, só falta haver fado e aquecimento central.

Quando liguei a televisão, aquilo que vi, naquela Câmara de Deputados, parecia uma largada de deputados Carlos Abreu Amorim. Enrolados em bandeiras com o lema "Ordem e Progresso", os deputados do "sim" apuparam mulheres enquanto falavam, uivaram a "gays", dedicaram alma a Deus e aplaudiram eufóricos a homenagem a um torturador de mulheres. Um retrocesso ordenado. Resumindo, vi a mistura da religião a inundar o estado laico, machismo, xenofobia, homofobia, fascismo (e muito mau gosto a vestir). Depois disto, a corrupção quase parece a garota de Ipanema. (…)

O que me faz confusão é como é que este país ainda não deu barraca mais cedo com um Parlamento que vota pelos evangélicos cariocas manetas e pela fofa da netinha Soraya. Ao menos cá só votam pela Casa Mozart e pela Arrow Global, é outro nível.

Deixei o horror para o fim. Um deputado, Bolsonaro, visto por muitos como o grande candidato a PR, dedicou, perante ovação, o seu voto "sim", ao coronel Usra, a quem chamou o "Terror de Dilma", e eu fiquei aterrorizado. Um "homem" homenageia o torturador de Dilma, um sub-humano, felizmente já falecido, que enfiava ratos nas vaginas de grávidas como método de tortura, e aquela câmara aplaude?!! Bem pode esta gente dedicar votos a filhos e netos, e chamar Jesus Cristo para o seu lado que, nos seus urros e aplausos, vê-se bem que país lhes vão deixar.»

João Quadros

21.4.16

Contingências


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Da série: «Grandes capas»



(Edição ara a América Latina)

A ler: The great betrayal.

Dica (276)




«The Nuit Debout movement in France will have to find its own way forward, building on both the successes and the limitations of its predecessors. Without predicting what its future may be, bringing together thousands of citizens of all generations to reaffirm that “another world is possible” – that there are progressive alternatives centred on democracy, social justice and dignity – is already a huge success.» 
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Restauração esquisita



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje: 

«O brunch, como o próprio nome indica, é uma mixórdia, na medida em que resulta da amálgama das palavras inglesas para pequeno-almoço e almoço. (…)

No passado Domingo, uma selvagem levava no prato um filete de pescada, três panquecas, dois mini-hambúrgueres, carnes frias e um triângulo de queijo Camembert com compota de framboesa. (…) Acompanhou com um copo de café com leite.

Serei um bruto, talvez. Mas não aceito lições de civilidade destes mixordeiros de Domingo, cujo prato parece o balde que a minha tia Isaura dava às galinhas.»

Na íntegra AQUI.
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Mais importante do que mudar palavras em rectângulos de plástico



… é denunciar esta discriminação sistemática.

(Ver aqui)
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Os limites de Portugal



«Quando o célebre diplomata austríaco, Metternich, se encontrou com Napoleão, para lhe delimitar os seus desejos, disse-lhe: "Entre as aspirações da Europa e os vossos desejos, há um abismo. O mundo tem necessidade de paz." A paz da Europa Central, é claro.

E não a de Napoleão, que tinha de se contentar com os seus limites naturais, os Pirinéus, o Mar do Norte e o Mediterrâneo e os Alpes. Napoleão teve de ceder. Tal como hoje Portugal face a uma UE que já desenhou, a régua e a esquadro, os limites deste país periférico. Onde estão definidos os princípios de tornar a banca uma dependência de Madrid e as regras sobre o que cada Governo pode fazer, ou não, em termos de OE.

E, claro, ficou estabelecida uma linha vermelha sobre a nossa ligação a Angola. Um "inimigo público" que parecia só ter um destinatário quando a Comissão Europeia aprovou o Regulamento 575/2013, onde estavam os países com regras de supervisão equivalentes às da UE. Onde não constava Angola. O governo português da altura fechou os lábios como sempre. E o destino da ligação bancária de Portugal a Angola ficou traçado. É por isso que a intervenção de Marcelo e de António Costa, mudando as regras a meio do jogo, e encostando Isabel dos Santos a um canto sem saída, mostra como os Metternich de hoje tratam quaisquer rebeliões. A dura realidade de quem manda está aqui, por detrás das nuvens de fumo: estando na Zona Euro dificilmente, sem poupanças internas, teremos um banco de capital português. E a CGD também está na mira da UE, o que acabaria com o derradeiro braço armado do Estado. Os limites naturais do nosso país, como protectorado ou outra coisa qualquer, ficaram definidos neste caso. O que é triste. Porque o BCE e a CE tratam Portugal como uma direcção-geral e Angola como um território sem lei. Ao mesmo tempo colocam Portugal e Angola em rota de colisão. O que é grave. Como exemplo da acção da "Europa comum" e "solidária" estamos explicados.»

Fernando Sobral

20.4.16

Psicopatias


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Dica (275)




«O papel que a Comissão Europeia publicou na segunda-feira – com dados recolhidos até Fevereiro – é um manifesto estrondosamente ideológico cuja publicação parece ter sido destinada a “ameaçar” um governo que vai apresentar o Programa de Estabilidade no Conselho de Ministros de amanhã. O que quer a Comissão? Voltar aos tempos da troika ou, no mínimo, aos do governo PSD/CDS. Está tudo lá escrito, embora envolvido em duvidosos argumentos que só alegadamente são “técnicos”.»
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Há 55 anos, a Invasão da Baía dos Porcos



A Invasão da Baía dos Porcos foi uma tentativa frustrada de invadir o sul de Cuba empreendida em Abril de 1961 por um grupo paramilitar de exilados cubanos anticastristas e dirigido pela CIA, com apoio das forças armadas americanas. O objetivo da operação era derrubar o governo de Fidel Castro.

O plano foi lançado em Abril de 1961, menos de três meses depois de John F. Kennedy ter assumido a Presidência dos Estados Unidos. A acção terminou em fracasso. As forças armadas cubanas, treinadas e equipadas pelas nações do Bloco do Leste, derrotaram os combatentes do exílio em três dias e a maior parte dos agressores rendeu-se.
(Daqui)

...Eduardo Galeano, Los hijos de los días.
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Nem no tempo de vassalagem ao Império Romano

Isto hoje está bom, lá pela direita, deve ser dos nervos



Para além de José Manuel Fernandes, no Observador (sem link, quem quiser que vá lá ver), há ainda isto:

«José Eduardo Martins é o escolhido pelo Bloco de Esquerda e pela imprensa lisboeta, passe a redundância, para próximo líder do PSD.»

Há que ler: o Bloco, portanto, também é responsável por José Eduardo Martins gostar de Bernie Sanders!

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O cartomante do Brasil



«O Brasil não é uma brincadeira: nem para os brasileiros, nem para Portugal, nem para a América do Sul, nem para os EUA.

Há alguns anos Ivan Lins partilhava uma bela canção com todos nós: "Cai o rei de Espadas/Cai o rei de Ouros/Cai o rei de Paus/Cai, não fica nada." Chamava-se o tema, sem ser por acaso, "Cartomante", em louvor do método de adivinhação que utiliza cartas. O futuro do Brasil não está nas cartas, nem talvez nos búzios. Está, muito provavelmente, em muitos daqueles deputados que tropeçavam na gramática, votavam como quem celebrava um golo, procuravam argumentos no Céu para o que tinham decidido na Terra.

Olhando para a Câmara de Deputados do Brasil, onde eleitos investigados pela justiça derrubavam outros suspeitos das mesmas coisas, ficou-se com a ideia de que ninguém ali dançava samba, mas sim mau funk da favela. O golpe de Michel Temer e de Eduardo Cunha deixa Dilma Rousseff de mãos atadas. O Planalto parece, agora, um voo de Ícaro. Só resta a Dilma reduzir os danos e partir para eleições antecipadas. É neste clima tempestuoso que o Brasil recebe os Jogos Olímpicos e sofre a chuva tropical da recessão económica.

Entre a festa e a realidade, o que sobra? Nem todos os jactos lavam mais branco. A água que sai pode ser demasiado suja. Até porque o Brasil se confronta agora com a sua estrutura constitucional (uma mistura de presidencialismo inspirado nos EUA com poderes legislativos do estilo europeu). Ou seja, um poder com pés de barro. Depois o país tem o mais fraco sistema partidário do continente, sem coerência e estilhaçado (tem desde a Bancada de Deus à da Bala e à do Boi, que defende cada uma o seu lóbi).

É preciso não esquecer que o sistema partidário, depois da ditadura militar, era inexistente. Derivavam de duas forças criadas pelos generais, o MDB e o ARENA, cuja diferença era definida por uns dizerem "sim" e os outros, "sim, senhor". Agora, caídas as cartas, sobra o medo, no meio da temível aritmética que fez cair Dilma.»

Fernando Sobral

19.4.16

Bernie Sanders



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Dica (274)




«Les créanciers de la zone euro et le FMI ont soumis au gouvernement grec un nouveau projet de plan d'austérité pour atteindre les objectifs du programme. Une façon, une nouvelle fois, de repousser les problèmes à plus tard et de piéger le gouvernement grec.» 
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Depois



Primeiro sabem-se as respostas.
As perguntas chegam depois,
como aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas.

Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado?
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado.

Porquê, tão tardo, o passado?
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e se é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança

se recolhem também sob
lembranças extenuadas?
Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas,
e de poços, e de portas entreabertas,
e sonham no escuro
as coisas inacabadas.

Manuel António Pina, in Poesia, saudade da prosa.
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Relatório da terceira missão pós-programa de ajustamento



O «papel», de que hoje todos falam e que poucos leram, está AQUI.

E até tem frontispício com azulejos! Touchée!!!
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«Será que vamos passar a ter fiscalidade ´à la carte´?»



A pergunta é de Nicolau Santos, no Expresso curo de hoje, mas assino por baixo. Claro que basta que o governo legisle para que se torne legal. Mas há uns buracos, aqui perto da minha rua, que me dão cabo dos pneus do carro: sai um descontozito no IRS?

Regresso ao passado no país do futuro

«Com Dilma a um pequeno passo de ser afastada do poder, é difícil detectar uma vírgula de legitimidade no sucessor, Michel Temer. Com uma presidente afastada após ter recebido o mandato de 54 milhões de cidadãos há apenas um ano e meio, custa perceber como poderá ser substituída por um político que 90% dos brasileiros rejeitam e que, se fosse a eleições, obteria apenas 1 a 2% dos votos. Quando carece de legitimidade, a democracia é um tigre de papel. (…)

Ao contrário do impeachment do presidente Collor de Mello, desta vez não há a fé numa redenção da democracia brasileira porque Dilma não está acusada de corrupção nem o vice que se prepara para a substituir, Michel Temer, se compara ao estatuto moral de Itamar Franco. Dessa vez, o afastamento de Collor pôde ser usado como prova de que a democracia era capaz de sarar as suas pústulas. E a verdade é que, desde então, os governos de Fernando Henrique Cardoso, de Lula e o primeiro mandato de Dilma foram capazes de criar duas décadas de estabilidade política, de crescimento económico e de progresso social. A ruína dessa base de consenso mínimo que permitiu ao Brasil deixar de ser o eterno país do futuro para se realizar num presente com esperança é o maior dano colateral da degradante classe política que gravita no planalto central do país. (…)

Para evitar os riscos do pesadelo de um governo Temer, só parece haver uma solução possível: fazer o reset da crispação política remetendo a solução para a única fonte de soberania inatacável nas democracias, o voto popular. Para o conseguir, haveria necessidade de o Congresso aprovar uma emenda constitucional que permitisse a antecipação das eleições. Os inquéritos de opinião mostram sem margem para equívocos que Dilma, Temer ou Cunha são todos faces da mesma moeda sem crédito nem valor. Todos deviam afastar-se para que o Brasil pudesse respirar. Mas, nem Dilma nem Temer parecem dispostos a resignar. Falta-lhes grandeza e empenho no bem comum. É pena. (…)

Quando carece de legitimidade, a democracia é um tigre de papel. O Brasil vive esse drama, no qual há espaço para todos os atropelos, todas as venalidades e todos os perigos. Perdida no ódio e na irracionalidade, a política brasileira precisava de líderes tolerantes e capazes de amarrar as pontas em torno do interesse nacional. Infelizmente, porém, o país não tem hoje homens da craveira de Ulysses Guimarães ou de Tancredo Neves. Entre o PT enraivecido, desesperado pelo seu falhanço e minado pelas denúncias da Lava-Jacto e um novo bloco enlameado pela corrupção e pelas sequelas da “insurreição dos hipócritas" (a votação do impeachment na leitura da revista alemã Der Spiegel) que lhes abriu as portas do poder, não há muita razão para que sobre o optimismo. Hora de fazer uma pausa e esperar que o Brasil não regresse ao pesadelo que o persegue: o de ser o país de um futuro sempre adiado.»

Manuel Carvalho

18.4.16

Ditadura nunca mais!



Algumas das vítimas de Carlos Alberto Brilhante Ustra, elogiado por Jair Messias Bolsonaro, ontem, antes de votar. 
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Brasil e uma longa noite



«Após quase cinco horas de votação, Deus e os netos dos deputados derrubaram a presidenta do Brasil.»

*****

Quando penso no que está por trás do que se viu e ouviu durante a noite brasileira, os Papeis do Panamá quase me parecem histórias de crianças bem-comportadas. 

Limpar o chão com bosta


  ..(...)
  ..(...)
Daniel Oliveira, no Expresso diário de 18.04.2016 (excertos).
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Bruxelas não desarma



… e não descansará enquanto Portugal não for uma outra Grécia.

Brasil, surrealismo e obscenidade



O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) lembrou os militares de 1964 e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi entre 1970 e 1974. Trata-se de um dos militares mais temidos da ditadura e que torturou a própria Dilma Rousseff.




Mas também houve isto:


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A família brasileira está salva



Golpistas, recolham suas indignações seletivas e suas panelas. O país está em paz. Encaminhou-se a consumação do golpe. Guardem o que sobra da brutalização das falas e dos gestos para outros momentos, porque daqui a alguns anos teremos outro golpe, e depois mais outro, até o fim dos tempos. 

Está tudo dominado. Ninguém mais precisa ter medo das cotas, do ProUni e das fortunas que mantêm milhões de vagabundos viciados em Bolsa Família. Salvaram-se reputações, interesses e brioches. Recolham o medo que um dia sentiram do avanço do comunismo, da nova classe média e do filho da empregada que vai virar doutor e pode ter a petulância de querer tratar dos nossos reumatismos.

A família brasileira, tão exaltada nos discursos do golpe na Câmara, estará em breve sob a liderança do grande chalaça. O líder Michel Temer foi o que sobrou para a direita enrustida. A direita que andou de mãos dadas com Bolsonaro e com Zé Agripino (onde andam Zé Agripino e Aloysio Nunes Ferreira, se já podem sair dos esconderijos?) tem agora a quem seguir. 

A direita, tão agarrada a lições bíblicas - citadas à exaustão na falação na Câmara -, passou trabalho mas venceu, depois de abandonar Aécio e os tucanos avariados pelas pesquisas sobre as eleições de 2018. Vai seguir a orientação do autor de uma carta infantil com queixas de que Dilma nunca olhou direto nos seus olhos e nunca ligou para suas carências afetivas. 

Mas o medíocre Michel Temer, Cunha e seus asseclas desmoralizaram o jornalismo brasileiro. Nunca se viu tantos jornalistas sob a saia de golpistas. Vergonhosamente, nunca se viu tão pouco jornalismo.

Desde ontem, os golpistas e seus cúmplices (inclusive os camuflados) podem acalmar suas almas. Já podem até jogar Eduardo Cunha ao mar. Podem dormir em paz porque o Brasil e a Lei de Responsabilidade Fiscal, sem pedaladas, estarão daqui a pouco sob a austeridade de Michel Temer e de Armínio Fraga. 

Liberais, defensores de normas e leis que os favoreçam, adoradores do livre mercado que ontem votaram em nome de Deus e da família, durmam em paz.  Indignem-se com a corrupção e continuem aplaudindo corruptos impunes. Economizem os discursos duplos, as duas caras, a falsa defesa da democracia. Cuidem bem da fala dos seus oráculos adesistas. 

Comemorem, abram champanhe, reabram contas secretas, voltem a superfaturar metrôs, roubem a merenda das crianças paulistas e enterrem a Lava-Jato antes que chegue mais perto das suas casas, dos seus governos e dos seus ninhos. Peçam para que os delatores parem de delatar Aécio Neves. Leiam a Constituição onde lhes interessa, declamem o Hino, vistam a camiseta da Seleção dos 7 a 1.

Percorram o Brasil com Janaína Paschoal em sessões de exorcismo. Gritem o nome do procurador-geral da República, de Gilmar Mendes e do juiz Moro. Elejam o japonês da Federal como o mais votado deputado brasileiro de todos os tempos. Reexaminem com cuidado, sabedoria e critério a Previdência Social, o SUS, o FGTS, os direitos trabalhistas. Façam o arrocho sem parcimônia.  

O governo será de Michel Temer, do Lobão, do Paulinho da Força, do Caiado, do Abel das Galinhas, dos investidores estrangeiros e dos seguidores dos patos da Fiesp. Eles conseguiram o que velhos protagonistas e figurantes da velha direita do golpe que derrubou Jango nunca imaginaram. A nova direita venceu e tomará o poder sem votos, sem farda e sem tanques. 

Golpistas sobreviventes de 64 devem estar espantados com o que viram ontem, enquanto Eduardo Cunha votava pelo golpe e rogava aos céus para que Deus tenha misericórdia do Brasil. Com tanta proteção, não há quem possa conspirar contra a família brasileira.

Moisés Mendes, jornalista brasileiro

(Via Diana Andringa por mail)
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