11.1.18

Retido para derreter?



«Há quatro “tipos” de impostos: os directos, os indirectos, os disfarçados de taxas e os de “tesouraria”. Estes últimos são os mais subtis e não precisam de aprovação parlamentar. Sempre que há uma mudança de taxas e/ou de escalões no IRS com algum desagravamento, eis que surge a polémica, logo esquecida ao virar da página.

Foi o que aconteceu agora que foram publicadas as taxas de retenção de IRS sobre os salários e pensões a pagar em 2018. O Governo decidiu dividir, por dois anos, a modesta redução. Este ano, fazendo-a reflectir, ainda que parcialmente, nas taxas de retenção. Em 2019 – por acaso, ano de eleições – devolvendo o excesso de imposto retido.

Esta prática, verdade seja dita, não é só de agora. É recorrente, mas tem vindo a agravar-se. Se um contribuinte é devedor paga com língua de pau, ou seja, com juros legais a uma taxa que, em 2017, foi de 4,966%, sem contar com as omnipresentes coimas. Se é credor, recebe tarde e sem qualquer compensação. É este o quarto tipo de impostos: um tributo de empréstimo forçado ao Estado. Uma retroescavadora fiscal. Não que haja retroacção de pagamentos, mas, com o mesmo resultado, há diferimento por não recebimento a horas.

Bom seria que este “quase-imposto” passasse a ser regulado em sede orçamental parlamentar, até para que seja pleno o escrutínio do financiamento do Tesouro feito através de retenção mensal de IRS excessiva em relação à liquidação anual. Tanta tinta que corre à volta das cativações da despesa do Estado e tão pouca à volta destas outras cativações excessivas de receitas. Tanto barulho do BE e do PCP sobre as primeiras e tanto silêncio sobre as segundas!

É evidente que, matematicamente, as tabelas não podem ser completamente neutras. Mas, nos tempos que correm, nem sequer é difícil construir tabelas que repercutam, em termos médios, as deduções à colecta que as famílias fazem. É que estas não são uma excrescência, fazem parte substantiva da economia do imposto.

De acordo com dados oficiais conhecidos, a diferença entre as retenções na fonte e o valor final liquidado de IRS vem aumentando. Em 2014 (relativo ao IRS de 2013) estima-se que foi de 1,4 mil milhões de euros. Nos anos seguintes, o montante atingiu já 2,5 mil milhões de euros, com um reembolso médio por contribuinte de 955 euros! E é provável que o valor a reembolsar após a entrega, em 2019, da declaração de IRS deste ano exceda os valores até agora alcançados.

Este anestesiado “quase-imposto”, bem forçado por sinal, até está bem classificado no “ranking” fiscal: é o 5º, a seguir ao IVA, IRS, IRC e ISP. Está acima de todos os outros impostos indirectos. Em termos financeiros corresponde a 3,2 vezes o ISV (veículos), a 9,1 vezes o IABA (álcool), a 6,1 vezes o IT (tabaco), a 1,7 vezes o IS (selo), a 7 vezes o IUC (circulação).

É claro que os zelotas orçamentais da União Europeia favorecem esta ilusória e manipulável contabilidade. É que uma cobrança excessiva de receita no IRS num determinado ano não é corrigida no ano seguinte com efeitos retroactivos pelo montante do valor devolvido aos contribuintes. Tal significa que o IRS retido a mais em 2018 fica mesmo assim em 2018, ajudando a diminuir (em termos brutos) o défice. Depois, a devolução do que foi retido a mais apenas influencia o exercício de 2019, ano eleitoral…

Última nota: esta imposição repete-se anualmente. Assim, acompanhará o contribuinte com rendimentos de trabalho e pensões até ao fim da vida. É que, de facto, quando o Estado devolve o devido do ano anterior, já o contribuinte está a pagar a mais por via da retenção de rendimentos desse ano. E assim por diante…»

.

0 comments: