13.2.18

As guerras culturais



«A expressão "guerra cultural" é corrente na vida política e comunicacional americana, mas praticamente inexistente em Portugal. Ela designa conflitos que, sendo políticos, remetem para mundividências culturais no sentido lato e que são confrontacionais. Eles envolvem questões religiosas, de género e de raça, com uma forte componente simbólica, e tem -se acentuado muito na era Trump. Trump aliás usa-os como instrumento político e deliberadamente agudiza-os.

O conflito que opõe os jogadores de futebol americano negros que se ajoelham quando toca o hino para protestar contra as violências racistas provocam a fúria do Presidente e dos sectores que o apoiam, a chamada "base", com destaque para o porta-voz que é a Fox News. Na verdade, se no início do protesto havia jogadores que pura e simplesmente se recusavam a levantar, a maioria usa uma fórmula que não deixa de ser respeitosa com o hino e com a bandeira, ajoelha-se. Mas a violência verbal, as ameaças, os boicotes as inimagináveis pressões para que sejam despedidos são típicas de uma verdadeira "guerra".

Não adianta dizer que a prática de tocar o hino e de os jogadores se levantarem é recente, que é abusivo dizer que quando os jogadores protestam em nada significa que o estejam a fazer contra as forças armadas, os veteranos, os patriotas, como diz Trump. Claro que nós percebemos que o que enfurece Trump é saber que o protesto é contra ele, e que vem de um mundo "americano" que mergulha nos sectores que o apoiaram, e por isso é-lhe demasiado sensível. Mas a "guerra cultural" encontra-se na ideia do patriotismo sagrado que é representado na bandeira e no hino e ele manipula esse sentimento e exacerba-o para esquecer a questão da cor e da injustiça motivada pela cor.

Um país sem guerras culturais

Por cá não temos nada de parecido, passadas as guerras do aborto, do casamento de pessoas do mesmo sexo, e, em embrião, da já esquecida questão dos colégios que se tentou colocar nesse plano, tanto mais que a Igreja teve um papel significativo na mobilização das manifestações. Recentemente houve também uma questão desta natureza mas não parece ter mobilizado muita gente. Tinha a ver com a discussão da idade a partir da qual uma pessoa podia mudar de sexo e qual o papel dos sistemas de saúde pública nestes casos. Mas, na verdade, Portugal, como aliás grande parte da Europa, como se vê mesmo na católica Irlanda, não parece muito virado para "guerras culturais". Talvez porque nas sociedades europeias haja uma relativa homogeneização dos costumes e, com o avanço da descrença, a religião não tenha já hoje uma grande capacidade de dividir.

No entanto, eu sou prudente quanto ao que possa acontecer no futuro, porque com o populismo vem também "guerras culturais".»

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