10.3.25

Mais um vaso

 


Vaso «Pássaro do Paraíso», Selb, Baviera, Alemanha, 1913-1930.
Fabricado por empresa Rosenthal.
Designer: Florence Weisskopf (?)

Daqui.

O Governo quer mesmo ir a votos dê por onde der

 


«Há alguma dúvida de que Luís Montenegro teria ameaçado com a moção de confiança, a 1 de Março, se não fosse a sua intenção mais genuína avançar para eleições antecipadas? Obviamente que não. A fórmula escolhida era estapafúrdia porque o objectivo era, obviamente, fazer-se de vítima.

E, no entanto, a confusão instalada é tão grande que se chega ao ponto de “culpar” o PS por, ao avançar com a Comissão Parlamentar de Inquérito, ter como objectivo provocar eleições. Ora, Montenegro assumiu que estava disposto a avançar para uma moção de confiança antes de Pedro Nuno Santos falar da comissão de inquérito e admitir, para mais tarde, uma moção de censura.»


10.03.1920 – Boris Vian

 


Boris Vian faria hoje 105 anos e morreu antes de chegar aos 40. Escritor, engenheiro mecânico, inventor, poeta, cantor e trompetista, também anarquista, teve uma vida acidentada e ficou sobretudo conhecido pelos livros de poemas e alguns dos seus onze romances, como L’écume des jours e L’automne à Pékin.

Especialmente célebre ficou também uma canção – Le déserteur – , que foi durante muitos anos uma espécie de hino para todos os que recusavam participar em guerras, incluindo muitos portugueses. Lançada durante a guerra da Indochina, foi grande o seu impacto e acabou mesmo por ser proibida por antipatriotismo na rádio francesa, pouco depois do início do conflito na Argélia.

Nunca esquecerei quando Le déserteur cumpriu a função da mais improvável das marchas nupciais no casamento de um amigo, em Bruxelas, no fim dos anos 60.


(Serge Reggiani : Dormeur du Val, de Arthur Rimbaud, e Le déserteur de Boris Vian.)

Mais:




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Esqueçamos a política de defesa, tratemos de negócios

 


«Aparentemente, a Europa começou a debater defesa comum. Seria de esperar um debate sobre política de alianças. Sobre o lugar dos países europeus na NATO. Sobre a relação com os EUA, que hoje é aliado da Rússia, a quem se juntou para encostar a Ucrânia à parede e assaltar os seus recursos. Sobre a ameça à Gronelândia, um território estratégico (por agora dinamarquês, por isso europeu) que, se chegar à independência que legitimamente ambiciona, estará totalmente vulnerável. Sobre a guerra híbrida e os ataques às suas democracias, centrada nas plataformas dominadas pelos aliados de Trump. Até sobre uma revisão das relações europeias com a China, neste cenário.

Não que, como português, tenha grande autoridade para o lamentar. A Europa está a atravessa o momento mais decisivo, desde a queda do muro de Berlim, e um primeiro-ministro atolado na sua própria lama nada tem de relevante a dizer. E não se pode dizer que o PS dê mais relevância ao tema. Sobre a Europa, Portugal quer saber quanto nos cabe e quem executa melhor ou pior os fundos. As decisões ficam para quem manda.

Como escrevi antes, discutir o rearmamento sem saber com quem o fazemos e de quem nos defendermos é saltar para o fim da conversa. E mesmo o rearmamento exige outro debate: se este investimento será pago à custa do modelo social europeu, preparando as vitórias eleitorais dos aliados de Putin e Trump.

Sem espanto, o debate começou pela fatura: 800 mil milhões. Sem espanto, o caminho será o de endividar os estados, incluindo os que, estando em divergência económica e social há duas décadas, estão menos expostos ao perigo russo. E, coisa curiosa, permitir tudo o que era impossível para salvar as economias periféricas. Tudo isto poderia ser debatido se tivessem perdido cinco minutos a discutir de que e com quem nos defendemos.

Para pagar a conta, Von der Leyen abre as portas ao desvio dos fundos de coesão, que financiam a convergência económica entre os países mais ricos e os mais periféricos, para financiar o reforço militar. Para defender a Europa, menos Europa. Com o crescimento da extrema-direita, agravam-se as condições para o seu sucesso eleitoral. Outra hipótese é alterar os estatutos do BCE, tabu absoluto na crise das dívidas soberanas.

Não é por acaso que a conversa passou imediatamente para o comércio de armas, sem o debate político indispensável a qualquer estratégia de defesa ou segurança. O que está a acontecer é o que acontece há décadas na União, com quase todos os temas: o rearmamento é pensado como uma oportunidade de negócio alemão (que será reforçado por um chanceler muito ligado a esta indústria) e francês, na relação centrípeta com as periferias que tem dominado este mercado interno. Se quisermos fazer isto depressa, até serão os EUA a ganhar com o negócio que forçaram.

Não se está a debater política de defesa europeia. Por agora, só se fala de negócios. Se se é verdade que não há defesa sem armas, comprar armas não garante uma política de defesa. Não estamos a assistir a nenhuma revolução na Europa. Estamos a ver o costume, que sublinha e reforça a razão porque a Europa não é um bloco. É um mercado aberto de nações fortes com nações fracas, com os desequilíbrios que isso traz se não corresponder a transferências internas.

Nem sequer há um debate sobre prioridades militares que só podem resultar de análise política comum. Fala-se de dinheiro para as comprar. Porque a fragilidade da Europa, sendo pouco mais do que isto, não é apenas militar. É, antes de tudo, política.»


9.3.25

Taças

 


Taça austríaca de esmalte, cristal de rocha e prata dourada, pé com um pelicano a alimentar as suas crias. Cerca de 1870.

Daqui.

Donas de casa

 


O jogo do tudo ou nada

 


«A crise política a que estamos a assistir resulta de uma estratégia de “tudo ou nada” que, a determinado momento, foi decidida pelos líderes dos dois principais partidos, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos.

Ambos tomaram esta decisão, cada um do seu lado, porque acreditam que poderão sair a ganhar com a ida a votos. O primeiro-ministro estará convencido de que é preferível ir a jogo agora, enquanto as cartas lhe são aparentemente mais favoráveis, do que deixar-se grelhar em fogo lento por uma Comissão de Inquérito e, na melhor hipótese, sobreviver politicamente até ao início do próximo ano. Para depois, sem glória, cair finalmente às mãos do sucessor de Marcelo na Presidência.

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Som para a semana

 



Pr'a melhor está bem, está bem, Pr'a pior já basta assim!

As eleições não lavam mais branco

 


«Até ver, o problema que neste momento envolve Montenegro é político e ético. Por isso, talvez seja produtivo não cairmos na tentação de judicializar a questão. Os factos estão à nossa frente e de forma inelutável: enquanto primeiro-ministro, Montenegro detinha uma empresa com a mulher e filhos, com sede em sua casa e o seu telemóvel como contacto, que continuou a prestar alegados serviços a um conjunto de clientes empresariais, angariados pelo próprio nas suas redes de influência política regionais. Sendo que o negócio de uma parte significativa desses clientes depende de concessões, decididas pelo Governo.

Já se percebeu que o primeiro-ministro estava consciente do que estava em causa, ao ponto de ter procurado omitir informação junto do Tribunal Constitucional. Montenegro até pode ter cuidado da legalidade procedimental (sobre isso, a justiça pronunciar-se-á, se for caso, no seu tempo, necessariamente lento), mas os factos são suficientemente ineludíveis para nos permitir, sem eufemismos, fazer um juízo ético definitivo: trata-se de uma conduta não compatível com o exercício da função. O que se sabe suscita diversas perguntas que carecem de resposta, mas o que já se sabe basta para não necessitarmos de saber mais.

Talvez mais este caso nos ajude a compreender as limitações do princípio tão glosado de que a ética republicana é a lei. Não só não é, como não pode ser. O cumprimento da lei não esgota todas as exigências que se colocam na vida pública e, ainda menos, no exercício de cargos políticos. Aliás, é também por termos abdicado da faculdade de fazer juízos para além do que a lei prevê que a democracia portuguesa se encontra no estado atual.

No que parece encerrar um paradoxo, enquanto se procura limitar a ética à lei, assiste-se a um processo imparável de judicialização da atividade política. A multiplicação de comissões parlamentares de inquérito – feitas à medida de deputados desejosos de brilhar em longos diretos televisivos e de televisões que carecem de formatos económicos e que geram audiências – é um sintoma pernicioso desta dinâmica parajudicial. Mas, bem mais funesta é a ideia de inspiração trumpiana de que o plebiscito amnistia ilícitos ou práticas eticamente reprováveis.

Aproximamo-nos perigosamente desses dois registos, que parecem, aliás, viver em tensão. Para uns, o PS, deve avançar-se para mais uma comissão parlamentar de inquérito, para outros, o Governo, a ida a votos é uma forma de os portugueses se pronunciarem sobre a conduta de Montenegro. Ambas as posições assentam em equívocos, ainda que de escalas distintas.

Há certamente mais questões a pairar sobre Montenegro, como sugerido pela catadupa de notícias. Mas o que sabemos é suficiente para reconhecer que este primeiro-ministro em concreto é politicamente inviável. Recorrer, de novo, a comissões de inquérito só infligirá ainda mais danos às instituições da República. Mais grave é, contudo, a ideia de que o resultado eleitoral permitiria superar os irritantes éticos que acompanham Montenegro, transformando as eleições num gigantesco julgamento popular, legitimador e de veredicto definitivo.

A sensação com que se fica ao assistir a tudo isto é que, também por cá, nos aproximamos de um daqueles sombrios momentos de interregno, quando, para parafrasear W. B. Yeats, tudo se desmorona e o centro não se sustém. Nesse que é um dos seus mais belos poemas, o irlandês alertava, também, que “aos melhores falta toda a convicção, enquanto os piores estão cheios de intensidade apaixonada”.»


8.3.25

8 de Março

 


Eleições já: este é o pior dos tempos, este é o melhor dos tempos

 


«Para os dois principais protagonistas destas eleições, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, faz sentido glosar o arranque do “Conto de Duas Cidades” de Charles Dickens – “Este é o melhor dos tempos, este é o pior dos tempos”.

Para Luís Montenegro, este é “o melhor dos tempos” para ir a eleições porque seria muito pior sujeitar-se a uma comissão parlamentar de inquérito. (…)

Mas depois é “o pior dos tempos”, uma vez que, com eleições no mais curto prazo possível, o eleitorado tem o “caso Montenegro” bem vivo na sua memória. É impossível que o assunto caia no esquecimento. (…)

Também para Pedro Nuno Santos este “é o melhor dos tempos” – vai a eleições num momento em que o primeiro-ministro está sob fogo. E é “o pior dos tempos”: o PS precisava de tempo para se reconstruir na oposição.»


De gargalhada