16.4.24

Peniche foi uma grande escola contra a ditadura

 


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16.04.1975 – Um dia de nacionalizações

 

@Alfredo Cunha

Logo após o 11 de Março de 1975, mais concretamente por decretos publicados nos dias 14 e 15, foram nacionalizadas quase todas as instituições de crédito e de seguros.

Mas 16 de Abril foi um marco importante no processo, já que foi longa a lista de empresas que passou a ser controlada pelo Estado nessa data: TAP, CP, empresas portuguesas refinadoras e distribuidoras de petróleo, de transportes marítimos, de siderurgia e empresas produtoras, transformadoras e distribuidoras de electricidade – entre as quais a Companhia Nacional de Navegação, Siderurgia Nacional, Cidla, Sonap e Sacor.

Ainda de madrugada, o PS emitiu um comunicado em que «saúda as decisões (...) e apela para que o maior número de militantes e simpatizantes se associem à festa socialista, no próximo Domingo, às 15h30, no estádio 1º de Maio, em Lisboa, onde será manifestado o regozijo dos socialistas por essa decisão histórica e o apoio do PS ao MFA e ao Governo Provisório». (Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, Os dias loucos do PREC, p.77)

Para esse mesmo dia, ao fim da tarde, foi convocada uma manifestação – promovida pelo PCP e com a adesão de MDP/CDE, MES, FSP, Intersindical, LCI e PRT – de «apoio» e «regozijo» com as nacionalizações. Do Rossio a S. Bento, 100.000 pessoas (segundo notícia do Diário de Lisboa de 17 de Abril) desfilaram com bandeiras de partidos e de comissões de trabalhadores. Por volta das 23:00, Vasco Gonçalves, então primeiro-ministro do IV Governo Provisório, recebeu na residência oficial representantes dos partidos, que lhe manifestaram total apoio às medidas decretadas e a eventuais futuras com a mesma orientação.
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Donas de casa e chefes de família

 


«A direita ultraconservadora aproveitou a nova governação para se manifestar nas ruas de 12 cidades do país, pela revogação da eutanásia, e para preparar um recuo no acesso à interrupção voluntária da gravidez. A eventual repetição de um referendo ou a alteração da lei, como defendeu na campanha eleitoral Paulo Núncio, líder da bancada do CDS, faz parte dos objectivos.

Este afã em restringir o direito ao aborto contrasta com o que acontece noutros países europeus. Polónia e França são bons exemplos.

Até há pouco tempo um dos bastiões do ultraconservadorismo europeu, a Polónia está mais próxima do que nunca de uma lei de liberalização do aborto (uma comissão parlamentar vai debater quatro propostas de lei nesse sentido) e da revogação da legislação herdada do PiS, que limita o recurso ao aborto a casos de violação, incesto ou apenas quando a saúde da mulher está em risco.

Em França, Emmanuel Macron fez com que aquele país se tornasse o primeiro do mundo a inscrever o direito ao aborto na Constituição, por entender que o “corpo das mulheres lhes pertence e ninguém tem direito a dispor dele em vez delas”, e porque assim garante que aquele direito não pode ser posto em causa pelo primeiro reaccionário misógino que se lembre disso.

Em sintonia com o caso francês e ciente das crescentes restrições, o Parlamento Europeu aprovou a inclusão de todos os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, com o direito ao aborto incluído, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Falta que o Conselho Europeu aprove a recomendação dos eurodeputados. Mas nem todos os governos reconhecem esses direitos, e o português é um deles.

O primeiro-ministro está contra esse reconhecimento porque, ao contrário do Presidente francês, não acha que o corpo das mulheres lhes pertença. Montenegro acha que a “consagração como direito fundamental da interrupção voluntária da gravidez traz um desequilíbrio no ordenamento jurídico, porque significa que dos dois direitos que estavam em conflito [direito à autodeterminação da mulher e o direito à vida do nascituro], no fim, vai prevalecer integralmente apenas um, o que significa o desaparecimento do outro.”

Há uma agenda de direita misógina e retrógrada, alimentada pelo fundamentalismo católico, que se sente incentivada a sair das catacumbas e que reúne parte do PSD, CDS e Chega. É essa direita que defende a pertinência de criar o estatuto legal e fiscal para a “mulher dona de casa”, porque as mulheres são “mais propensas” a estar em casa, porque efectuam “actividades insubstituíveis” e porque, além disso, a “maternidade é reservada às mulheres”.

Não tarda nada e estará a propor que as mulheres não conduzam, assim como não podem conduzir uma homilia, com o argumento de serem mais propensas à sinistralidade rodoviária. E que tal uma polícia dos costumes?

Quem defende o estatuto legal da “dona de casa” bem pode defender a institucionalização da figura do chefe de família e a dependência da mulher casada face ao respectivo marido e, porque não?, sugerir, até, o regresso ao Código Civil do Estado Novo.

Seria coerente com quem afirma, com desfaçatez, que não gosta do 25 de Abril. Por outras palavras, as de André Ventura, na semana passada, no Parlamento, “já ninguém quer saber do 25 de Abril”. E dos direitos das mulheres?

Estes movimentos querem trocar a cidadania pelo catolicismo e impor um conceito de família redutor e repressivo, que não é mais do que a limitação do papel e direitos das mulheres e a exclusão de toda a família que não encaixa no binómio da heterossexualidade normativa. Fazem-no sem embaraço, desonestamente.

Até a diocese de Leiria-Fátima se associa à falsidade da conversão sexual de homossexuais, que foi criminalizada com os votos contra do PSD e Chega, como fez neste fim-de-semana, num congresso com o tema "Homens e Mulheres de Verdade", com base na crença de que a homossexualidade é uma perturbação psicológica.

Esta direita reage bem aos apelos de Pedro Passos Coelho, porque responde bem ao ressentimento, o que só pode assustar quer Luís Montenegro, quer André Ventura. O primeiro vai tentar o equilibrismo entre a agenda conservadora com que se candidatou e a agenda que aqui e acolá quer resgatar à direita ultraconservadora. O segundo pode ser relegado a um segundo plano pela entrada em cena do ex-primeiro-ministro.

Passos Coelho tem tudo a seu favor para, por pragmatismo ou ideologia, juntar a direita que nos governa e a outra num processo de reconfiguração, com a beatice da guerra cultural contra os adversários da família e a emancipação da mulher como denominadores comuns. A regressão dos direitos começa pela negação dos direitos das mulheres. E tudo o resto vem a seguir.»

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Saudades, quem as não tem?

 

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15.4.24

Montanhas coloridas

 


Parque Geológico Zhangye Danxia Landform, Gansu, China.
Esta paisagem rara deve-se à acumulação de rochas estratificadas, combinada com elevação tectónica e erosão.

(N.B. – Há «sites» em que a localização destas montanhas é atribuída a Cusco, no Peru, mas é falso. Em Cusco estive eu e não há lá nada disto. São mesmo na China e, há alguns anos, uma amiga minha andou a pesquisar para e se havia um modo razoável de lá irmos vê-las, mas em vão.)

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Alfredo Cunha, 25 de Abril (18)

 


«Amigos

A partir de agora, recomeço a publicar, na medida do possível, fotografias relativas ao livro "25 de Abril de 1974, Quinta-feira". Espero que gostem tanto como eu gostei de o fazer.»

Alfredo Cunha no Facebook.
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Abril em Keukenhof

 


É como Meca: ir a Keukenhof pelo menos uma vez na vida!

Estamos na quinzena do ano em que é previsível que as túlipas estejam na sua melhor fase de florescimento e em que ir a Keukenhof é portanto um dever, pelo menos para quem esteja por perto. Foi o meu caso, durante alguns anos, e nunca me cansei desse jardim de 32 hectares, a sudoeste de Amsterdão, onde todos os anos reaparecem milhões de túlipas e de muitas outras flores. Um festival de cores que as fotos não conseguem mais do que sugerir e uma mistura de cheiros, impossível de reproduzir.









 
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Choquinho fiscal com arroz malandrinho

 


«Quem vá ouvir as intervenções de Luís Montenegro com atenção percebe como o embuste do “choque fiscal” para as classes médias não resultou de um erro de comunicação. Há, nas formulações que foi usando na campanha e no debate sobre o programa de governo, uma vontade deliberada de iludir. De não mentir expressamente (apesar de várias vezes se ter aproximado disso), mas deixando no ar a grande descida do IRS. Não é um assunto menor. O fim da “resignação com a carga fiscal máxima e recusa [do PS] em baixar impostos” foi o ponto central da campanha da AD.

Foi o mesmo António Leitão Amaro que agora se choca com a incompreensão dos jornalistas (e a estupidez dos eleitores) que falou, na campanha, da “maior redução da carga fiscal em tempo de crescimento económico de que há memória”. Ora, a maior redução só poderia ser os 1500 milhões de euros, não os 200 milhões. Ou então, esqueceu-se de avisar que a sua histórica redução de carga fiscal era, na realidade, apenas para as empresas. Só que também disse que havia “uma prioridade clara na redução dos impostos sobre o rendimento do trabalho”. E que isto representava “um conflito de visões” entre o PS e o PSD.

Como é que o governo pode dizer que “sempre foi claro” quando, no programa eleitoral, tinha uma secção para elencar as diferenças com o PS e a primeira era que a AD “rejeita a resignação com a carga fiscal máxima e a recusa [do PS] em baixar impostos”? As redes sociais da coligação garantiam que, “ao contrário da equipa socialista da demissão, comprometemo-nos com a baixa de impostos e da asfixia económica que tem afetado os portugueses”. Há uma razão para Montenegro nunca ter respondido, nos vários debates, como iria pagar o choque fiscal. Montenegro sabia o que nós sabemos agora: que não havia choque fiscal para lá do apoio à grande distribuição e à banca com a descida cega do IRC e um “retoque” na diminuição das taxas do IRS colocadas no Orçamento de Estado por Costa e Medina.

Há meses que digo que o “choque fiscal” e o cenário macroeconómico da AD eram uma fraude política. E numa coisa a AD tem razão: o escrutínio da comunicação social à sua campanha, às suas propostas e ao programa de governo tem sido incrivelmente benévolo. Talvez isto sempre aconteça no início de um novo ciclo. Que sirva de lição.

Sendo um dos coordenadores do programa da AD, não foi por não o ter lido com atenção que Leitão Amaro disse que a descida de impostos, com prioridade para os rendimentos do trabalho, seria a maior da história em crescimento económico. Essa descida histórica era, afinal, em 88%, responsabilidade do PS. Ao dizer que isto era o que o separava do PS, Leitão Amaro quis enganar os eleitores. Mentiu. E Montenegro quis prolongar a mentira.

Dada a irrelevância do retoque ao corte fiscal aprovado pelo PS, o que a AD nos explica é que, apesar do tal “conflito de visões”, passou uma campanha a anunciar um corte fiscal no IRS que já estava em vigor e a defender o “choque fiscal” que o PS já tinha feito. E, agora, fica sonsamente indignado porque tanto as pessoas que não votaram neles, e que sentem que a vitória da AD resultou de um engodo, como as que acreditaram neles, se sentem enganadas. Restam-lhes os ativistas do Twitter para defender o indefensável.

Curiosamente, é a mesma AD que exige o apoio do PS à sua pequena baixa de impostos que votou contra o Orçamento de Estado que permitiu o corte fiscal de que se quis apropriar na campanha. Este episódio teve, no entanto, uma vantagem: perceber que, pelo menos à luz dos critérios da AD, o único autor de um “choque fiscal” foi o PS. E que a asfixia fiscal da classe média de que tanto se fala resumia-se, afinal, a menos de 200 milhões de euros. Tanto barulho por tão pouco.

O objetivo da chico-espertice era esconder que a reforma fiscal se resumia a baixar o IRC para as maiores empresas. E, de arrasto, fazer com que o eleitorado pensasse que o corte que sente no bolso por decisão do PS resulta do que a AD agora anuncia. Só que grande parte dos magros 170 milhões de descida do IRS vão para os escalões mais altos, que correspondem a 15% dos contribuintes. É isto a famosa "classe média"? Mesmo para esses, não chegará a 20 euros por mês de alivio para cada agregado (individual ou familiar). É certo que estes 15% de contribuintes representam 42% das receitas fiscais, mas incidir esta descida – que terá efeitos na disponibilidade financeira do Estado – nos cidadãos que recebem qualquer coisa como 40 mil a 100 mil euros brutos por ano é um programa de classe.

O pequeno alargamento aos escalões mais altos que a AD faz à descida do IRS garantida pelo PS; o efeito limitado aos jovens mais abonados do IRS Jovem e das isenções fiscais para a compra de primeira habitação; e uma brutal borla fiscal que terá um efeito preferencial nas 0,2% das empresas que pagam metade do IRC – sobretudo distribuição alimentar, energia e banca – repetem o padrão do PSD: anuncia descida de impostos para a maioria, recebendo assim o seu voto para aliviar o fardo fiscal de uma minoria. Fossem outros os destinatários e era dos impostos indiretos ao consumo, regressivos, que estaríamos a falar, e não da descida de impostos progressivos. É esse o programa da AD, disfarçado com o discurso da “asfixia fiscal”: diminuir a progressividade do sistema. Só não pode ser tão claro como a IL porque, ao contrário desta, precisa dos votos dos mais pobres.

Poderíamos fazer um esforço para acreditar que tudo isto não passou de um equívoco se não fosse, em Montenegro, uma reincidência. Já o "rendimento mínimo garantido para os pensionistas" foi embrulhado para parecer o que não era, com uma dimensão que não teria. Esta é uma das coisas que o silêncio de Luís Montenegro esconde: que é um habilidoso.»

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14.4.24

Mais um vaso

 


Vaso raro Arte Nova, azul celeste com aplicações prateadas.
Loetz.


Daqui.
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O Titanic naufragou há 112 anos

 

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Simone de Beauvoir morreu num 14 de Abril

 


Simone de Beauvoir morreu em 14 de Abril de 1986, com 78 anos. Ela que disse um dia que «a vida não é uma coisa que se tenha, mas sim algo que passa».

Tudo já foi escrito sobre esta escritora, intelectual, activista política e feminista, mas vale talvez a pena recordar o papel decisivo de uma das suas obras – Le Deuxième Sexe –, publicada em 1949. Esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, já que as mentalidades não estavam preparadas para a problemática da libertação da mulher tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

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Somos parvos mas não tanto assim

 

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